Caio Sartori, O Estado de S.Paulo
23 de dezembro de 2020 | 11h07
RIO - A denúncia contra o ‘QG da Propina’ instalado na prefeitura do Rio, que resultou na prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), narra episódios que poderiam ter sido retratados por filmes ou séries sobre a máfia. Personagem que ilustra bem esse aspecto é o delegado aposentado e ex-vereador pelo MDB Fernando Moraes, apontado como um dos beneficiários de propina no esquema supostamente comandado pelo mandatário e operado pelo empresário Rafael Alves. Eles foram presos nesta terça-feira, 22.
Ex-titular da Delegacia Anti-Sequestro, Moraes teria cobrado os valores de empresários da Assim Saúde, principal envolvida nos pagamentos ao ‘QG’, por meio de chutes e coronhadas. A arma com a qual desferiu-lhes a agressão, segundo contaram delatores, também chegou a ser apontada.
O caso está descrito na denúncia produzida pelo Ministério Público e na decisão da Justiça que autorizou as prisões preventivas. Tudo começou com um racha dentro da organização criminosa, que se dividiu em dois subgrupos. Nesse momento, Aziz Chidid Neto, então presidente da Assim, determinou a suspensão do pagamento de propina até que os núcleos resolvessem os problemas internos.
Foi marcada, então, uma reunião entre um representante da empresa, o futuro delator João Carlos Gonçalves Regado, Moraes e outro suspeito denunciado no esquema, Adenor Gonçalves. O delegado aposentado, de acordo com os relatos, chegou ao local “totalmente alterado”, ameaçando e agredindo Regado e outro funcionário da Assim. Cobrou deles, por meio de chutes, coronhadas e arma apontada, o pagamento da propina “de uma forma ou de outra”.
Na decisão da desembargadora Rosa Helena Guita, ela afirma que o caso mostra não só o grau de periculosidade de Fernando Moraes, como o risco que a liberdade dele representa para os funcionários da empresa contratada para gerir o plano de saúde dos servidores da prefeitura. Dois episódios ainda não desvendados, aponta a magistrada, também jogam luz sobre uma possível tentativa de intimidar os colaboradores.
“Com efeito, o colaborador Sérgio Mizrahy, em petição encaminhada a este Juízo e também ao Ministério Público, comunicou ter recebido ameaças, por meio de aplicativo de celular, as quais fizeram com que passasse a temer por sua vida”, escreveu ela. Além disso, o restaurante de outro delator, Ricardo Siqueira Rodrigues, foi alvo de dezenas de disparos de arma de fogo, “atentado este evidentemente dotado de natureza ameaçadora”.
Ostentação
Famoso por ter comandado a Delegacia Anti-Sequestro, Moraes entrou na vida política pelo PR (hoje PL) e chegou a ser vereador pelo MDB. No governo estadual de Luiz Fernando Pezão, também emedebista, foi presidente do Departamento de Transportes Rodoviários.
Nos últimos anos, Moraes também virou notícia após arrematar, em leilão, um jet ski que pertencia ao ex-governador Sérgio Cabral (MDB), preso pela Lava Jato fluminense. Pagou R$ 50 mil. A aquisição joga luz sobre o perfil de ostentação criado pelo delegado. Nas redes sociais, ele expõe sem modéstia o jet ski e carros de luxo, por exemplo.
Numa das imagens, aparece ao lado de uma Ferrari vermelha; em outra, montado no jet ski, faz o sinal de “hang loose” e exibe um relógio imponente.
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