quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

O QUE A FOLHA PENSA STF Kassio na berlinda

 Há menos de dois meses no Supremo Tribunal Federal, o ministro Kassio Nunes Marques já incorporou o que talvez seja o pior vício da corte: atuar como ilha, sem a devida atenção à colegialidade ou às decisões precedentes.

Em favor do novo magistrado do STF, pode-se afirmar que não tentou enganar ninguém. Afirmou desde o início seu perfil garantista e declarou-se um conservador nos costumes —e assim tem votado.

A mais controversa de suas decisões até aqui foi a liminar monocrática, expedida à véspera do recesso judicial, em que anulou trecho da Lei da Ficha Limpa, com o que reduziu o prazo de inelegibilidade imposto a políticos condenados.

A tese jurídica defendida por Kassio não é absurda, mas o ministro cometeu dois erros graves, um de método e outro de soberba.

Se há algo que todos os ministros deveriam abster-se de fazer é conceder liminares polêmicas a poucas horas do recesso. A experiência ensina que a tese controversa raramente vence e com frequência causa desgaste ao Supremo.

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O segundo erro de Kassio foi pronunciar-se sobre matéria já pacificada. O STF discutiu detalhadamente os mais variados aspectos da Ficha Limpa, incluindo aquele sobre o qual o novo ministro decidiu, e a considerou constitucional. A corte não pode rever todos os seus precedentes sempre que um novo membro passa a integrá-la.

Em outra decisão que chamou a atenção, Kassio manifestou-se favoravelmente à reeleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senado, mas não à de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a da Câmara. Foi o único dos 11 ministros a votar dessa maneira, que coincidia com os interesses políticos do presidente Jair Bolsonaro.

Também optou por posição singularíssima quando votou a favor de que a vacinação seja obrigatória, mas apenas sob o comando da União e não de estados e municípios.

Aqui, curiosamente, foi bolsonarista, mas criou um problema para o Planalto —dado que a base de apoio mais inflamada do presidente é radicalmente contrária à ideia de vacinação compulsória.

O ministro ajudou a compor a maioria que rejeitou o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas; tentou, sem sucesso, preservar um decreto presidencial sobre escolas especiais para crianças portadoras de deficiências.

Não há elementos para afirmar que as decisões de Kassio sejam motivadas por gratidão a quem o indicou para o posto, mas por ora é difícil afastar a desconfiança.

De toda maneira, ministros não costumam demorar a perceber que a vitaliciedade os desobriga de bater continência a seus patronos. Espera-se que o novo membro da corte não seja uma exceção.

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