domingo, 20 de dezembro de 2020

Máscaras - Luis Fernando Veríssimo, OESP

 Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo

20 de dezembro de 2020 | 11h50

Um dia, ainda vamos rir de tudo isto, e nos internarão.

OLHAR

Esse seu olhar, quando encontra o meu, me deixa na dúvida: você é mesmo quem eu estou pensando? Devo cumprimentá-la, apostando que o resto do seu rosto é conhecido, ou não? A máscara antivírus nos transformou, todos, em pessoas semi-familiares.

ASSIM

Um dia, ainda vamos rir de tudo isto, criando um clima meio assim no grupo.

MEIO ROSTO

Máscaras personalizadas introduziram um novo tipo de relacionamento entre humanos. Você passou a dialogar com meio rosto. A falar com os olhos dos outros e apenas deduzir sua fisionomia. O que é mais expressivo num rosto humano, os olhos ou o resto tapado? O que você sabe sobre alguém pela máscara que escolheu?

– Essa sua máscara...

– Já que somos obrigados a usá-las, que pelo menos elas façam uma declaração. Que tenham alguma utilidade social, além de apenas tapar nossas caras. 

– Qual é a declaração que faz a sua máscara?

– É um posicionamento contra a discriminação de mulheres e negros no mercado de trabalho.

– Engraçado... Não é essa a mensagem que ela me passa. 

– É que tinha pouco espaço... Ela também pode significar descontração no escritório depois de um dia de trabalho ou, ainda, detalhes de Guernica.

ADIVINHAÇÃO

As máscaras obrigatórias também induzem a um inocente jogo de adivinhação. Que rostos, que surpresas elas escondem? E que ousadias permitem, desde que não se perca de vista que elas existem para combater o terrível vírus que ainda mata impiedosamente, em todo o mundo, e com o qual não se brinca? O jogo consiste em acertar que tipo de rosto corresponde a que tipo de olhos, e o vencedor ou a vencedora ganhar um beijo ou mais. Um jogo inocente, como se vê. Mas, do que este pobre mundo mais precisa, hoje, se não inocência, mesmo atrás de máscaras?

UM DIA

Um dia, nós ainda vamos rir de tudo isto, até nos darmos conta.

Nenhum comentário: