quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Helio Beltrão - Margaret Thatcher vive, FSP

 Com alívio e comemoração discreta, britânicos e União Europeia firmaram acordo de comércio e de cooperação na undécima hora da consecução do brexit.

Margaret Thatcher, a maior política britânica após Churchill, afirmou em 2002 que “a União Europeia é impossível de reformar”, um “clássico projeto utópico”, um “monumento à vaidade dos intelectuais”, um “programa cujo destino inevitável é o fracasso”.

A saída do Reino Unido da união política é resultado de uma crescente força centrífuga que pela primeira vez se contrapõe ao ímpeto centralizador de seus idealizadores.

A União Europeia —que não inclui Suíça, Noruega, Islândia e outros que, juntos, representam 40% da população europeia— tinha por objeto na década de 1950 assegurar a paz por meio da integração. O objetivo não declarado, no entanto, sempre foi o de fazer frente à liderança dos Estados Unidos, ou seja, um projeto geopolítico.

O sonho do socialista Jacques Delors e outros fundadores era tentar replicar o modelo que funcionou para as 13 colônias britânicas na América que fundaram os Estados Unidos: arquitetar um Estado-nação, com identidade unificada, sob liderança de França e Alemanha.

Thatcher era entusiasta e comprometida com a total integração econômica por meio do mercado comum, mas temia um movimento de crescente centralização política e a perda de soberania. Considerava o euro “socialismo pela porta de trás” e se recusou a adotar o precursor da moeda em 1990, uma espécie de URV do Plano Real denominado ERM.

Em razão de sua oposição à integração monetária e ao Tratado de Maastricht em negociação, seu partido conservador traiçoeiramente a removeu do poder, poucos meses após vitória esmagadora contra um desafiante.

Dois anos depois, os britânicos se convenceram de que Thatcher estava certa: decidiram não adotar o euro. Já em 2004, a tentativa precipitada dos centralizadores de aplicar um xeque-mate e promulgar uma Constituição Federal para os países-membros —rejeitada pelos cidadãos franceses em referendo— colocou em marcha a poderosa força centrífuga.

A crise dos refugiados de 2015 e sua ameaça de imigração ilegal descontrolada despertaram um instinto atávico.

As ilhas britânicas, ao longo de sua história, foram invadidas seguidas vezes, pelos romanos, bárbaros, vikings, normandos, franceses e holandeses. No século 21, a invasão não é mais bélica, mas os britânicos até agora estavam obrigados a acatar regras de imigração decididas em Bruxelas e a ter suas leis sobrepujadas por legislação confeccionada no exterior por uma elite burocrática desconectada e crescentemente intervencionista.

Há, por exemplo, leis que proíbem a venda de bananas com “curvatura anormal”, que impedem que engarrafadores declarem que “água previne a desidratação” e que obrigam a adoção de unidades métricas, que é como a “tomada de três pinos” deles.

Em 2016, mais de 17 milhões de britânicos votaram a favor do brexit, se realinhando com Thatcher. Decidiram retomar o controle sobre aspectos soberanos fundamentais, como a habilidade de determinar suas próprias leis, regulamentações e acordos de comércio —provavelmente mais liberais no futuro—, bem como o controle sobre suas fronteiras.

O acordo de 2.000 páginas está sendo digerido, mas já se sabe que aspectos relevantes dependerão de negociações futuras. O relacionamento volta a ser restrito ao âmbito econômico, com comércio isento de tarifas de importação e de cotas, e com cooperação amigável.

Derrubar as fronteiras do comércio com a criação de mercados comuns é um benefício. Mercados comuns, porém, não podem ser confundidos com a unificação política artificial, como foram os projetos da URSS, o Império Austro-Húngaro e outros que acabaram dissolvidos por sua própria impossibilidade intrínseca.

Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.


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