terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Morte de Pierre Cardin ameaça o Maxim's, bistrô histórico de Paris, FSP

 

Os registros sobre a morte do estilista Pierre Cardin fazem jus à sua importância no mundo da moda, mas nem sempre mencionam um acessório de seu império ao qual ele deu grande atenção —o histórico restaurante Maxim’s de Paris, que ele comprou em 1981 e que manteve até agora.

A ligação dele com esse lugar mais do que centenário, e que já foi um símbolo fulgurante de gastronomia e de prestígio social na França (e portanto no mundo de então) pode parecer estranho.

Afinal, Cardin sempre foi um homem de olho no futuro (pelo menos dizem os especialistas), criando e inovando tendências. E o Maxim’s é o símbolo mais acabado do passado.

Pierre Cardin diante do Maxim's, restaurante que comprou em 1981 - Pierre Guillaud - 16.abr.1981/AFP

Mas faz algum sentido. Primeiro, nascido na Itália e criado na França, é de se entender o apego dele por uma grande cozinha clássica, tradicional.

E há o lugar. A sensibilidade estética de Cardin, ao mesmo tempo em que desenhava trajes para o homem e a mulher modernos, juntando a elegância ao cotidiano do prêt-à-porter, era também aferrada à arquitetura clássica, como demonstram suas casas em Veneza e na França, palácios históricos que correspondem a uma viagem no tempo.

E o Maxim’s é isso, uma viagem ao esplendoroso passado francês, antes de tudo por seu cenário. A alguns passos da praça da Concórdia, no caminho reto para a praça da Madeleine, o restaurante tem uma fachada discreta, mas por dentro é um maravilhoso mostruário da ambientação da belle époque francesa.

O Maxim’s foi inaugurado em 1893, como um bistrô, por Maxime Gaillard. Foi o proprietário seguinte, Eugène Cornuché, que o redecorou no estilo art nouveau que ostenta até hoje —como se pode observar na cena da virada do século 19 para o 20 que Owen Wilson e Marion Coutillard vivem ali no filme “Meia-Noite em Paris”, de Woody Allen.

Cena do filme 'Meia-Noite em Paris'
Marion Coutillard e Owen Wilson em cena do filme 'Meia-Noite em Paris' - Divulgação


Em 1932 o restaurante mudou novamente de dono, e Octave Vaudable, depois seu filho Louis, o mantiveram como o lugar para ver e ser visto durante décadas. Registros dos clientes são uma história do século 20. Estão ali Proust, Santos-Dumont, Cocteau, Callas, Bardot, Travolta (só mencionando artistas) e Pierre Cardin, claro —pode dizer um nome, e ele terá passado lá.

Foi dos Vaudable que o estilista comprou o restaurante.

E então começou o efeito Cardin —um banho de loja que retomou o brilho da antiga arquitetura; e a transformação do nome em marca, como ele fez nos negócios de moda. Maxim’s passou a ser menos gastronomia e mais prestígio, replicado pelo mundo com filiais —inclusive no Rio de Janeiro, entre 1983 e 1999, e atualmente duas na China— e licenciamentos do mítico nome em tudo, de água mineral a caviar. Enfim, mais business do que gastronomia.

Com o tempo, o restaurante deixou de ser um foco importante de Cardin. Além da decadência gastronômica, já vem também mostrando sinais de abandono. Poucos clientes, pouca manutenção e possivelmente agora não tenha nem mesmo os eventos corporativos com que a firma-mãe dava sobrevida a ele.

Se a marca de moda Pierre Cardin pode se manter relevante ainda, o Maxim’s é um patrimônio que agora mais do que nunca corre o risco de perecer com seu dono.

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