15.dez.2020 às 12h00
A Folha publicou em 16 de dezembro de 1990 uma entrevista com Neto, camisa 10 do Corinthians. Era o dia da final do Campeonato Brasileiro, uma data que ficaria marcada na trajetória do jogador e na história do clube do Parque São Jorge.
“Eu tenho medo é de não ganhar o título, porque é uma oportunidade muito boa na minha vida. Jamais vou esquecer. Se eu conseguir levar o Corinthians a ser campeão brasileiro, não sei o que vai acontecer. Os corintianos jamais vão esquecer, e eu, também”, afirmou o atleta de 24 anos.
Aos 54, José Ferreira Neto se divertiu com a confirmação de sua previsão em nova entrevista. De fato, nenhum alvinegro esquece a primeira conquista nacional do time, que partiu daquele triunfo para ganhar o Brasileiro outras seis vezes e ser bicampeão do mundo, novamente em 16 de dezembro.
A data se tornou ainda mais marcante para os corintianos em geral e para Neto em particular. Ele estava no Japão como comentarista em 2012 e se emocionou com outra vitória improvável, como tinha sido a da equipe de 1990, chamada de “timinho”.
As críticas aos atletas alvinegros de 30 anos atrás ainda incomodam o ex-jogador. Ele não esconde a mágoa com Mário Sérgio, que era comentarista da TV Bandeirantes –onde hoje trabalha o próprio Neto– e demonstrava a sua falta de apreço pelo camisa 10 nas transmissões.
Apesar das avaliações de Mário, que morreu em 2016, no acidente aéreo que vitimou boa parte do elenco da Chapecoense, o paulista de Santo Antônio de Posse foi o grande nome da conquista. E aquele campeonato mudou sua vida de maneiras que ele não imaginou em 1990.
Se o brilho exibido naquele ano nunca se repetiu, foi suficiente para colocá-lo entre os grandes ídolos da história do Corinthians. Comentarista há duas décadas sem o menor pudor de demonstrar sua torcida pelo clube, ele agora quer mais.
Eleito conselheiro no pleito realizado no mês passado, Neto preenche os requisitos estatutários para se candidatar à eleição presidencial em 2023 e deixa claro nesta entrevista que pretende ocupar a cadeira.
Você previu, em conversa com a Folha, que aquela final de 1990 jamais seria esquecida. Trinta anos depois, estamos falando sobre ela. Pô, que legal. Eu falei isso? Não me lembro dessa entrevista, mas foi isso o que aconteceu. Sabia da importância, porque o Corinthians era sempre chamado de um time paulista. Eu pensava: “Se eu for campeão brasileiro, imagina o que vai acontecer na minha vida”. E ela se transformou de um jeito que eu não tenho palavras para dimensionar.
Joguei muita bola em 1988, 1989, 1990, 1991, 1992, mas minha carreira foi oscilante. E ganhar esse título me deixou marcado na história. Em qualquer pesquisa, estou entre os cinco maiores jogadores do Corinthians.
Tirando situações ligadas à família, é o grande momento da sua vida? Profissionalmente, nada se compara. Vou te falar uma coisa: nem se eu fosse à Copa do Mundo seria comparável ao título de 1990. Nenhum fato na minha vida, como apresentador, como jogador, nada.
Aquele título foi conquistado naquele jeito Corinthians, com a raça que a torcida tanto valoriza. A equipe tinha limitações e era chamada de “timinho”. Nós fomos muito humilhados. A verdade é assim: o que o Mário Sérgio fez comigo e com o time do Corinthians foi uma barbaridade. Eu revi os jogos agora. É desumano. Mas, como infelizmente ele faleceu, eu perdoei. No meu coração, está perdoado.
Só que eu tenho esse lado espiritual fodido na minha vida. Acho que em tudo tem a energia de Deus, essas coisas todas, acredito muito nisso, tenho muita fé. E acho que estava tudo preparado para mim, para o Tupãzinho. Era para o Tupã fazer o gol, ser o talismã. Acredito nisso e não fico bravo, até porque virei comentarista e entendo as críticas.
Essa mágoa não influencia seu tipo de comentário? Você também pega pesado nas críticas. Eu não tenho nada. O que o Mário Sérgio fez foi muito desleal. Para mim, ele me pegou para crescer como comentarista. Tudo bem, respeito, foi um dos maiores jogadores da história e se transformou em um grande comentarista. Mas foi muito desleal. Tudo certo, está perdoado.
Mas esse time foi tão massacrado. O Jacenir foi massacrado. O Guinei foi massacrado. Tecnicamente, tudo era inferior. Mas esse título foi tão especial que ficou marcado para toda uma geração. Os moleques de dez anos sofriam. Não era bullying, mas...
Era uma pressão semelhante à que viria depois para conquistar a Libertadores. Iiiisso. E não sei se não era maior. O agradecimento que o pessoal tem por mim, por causa desse título, é uma coisa fodida. As pessoas choram. É do caralho, né? Tudo estava contra, e eu reverti tudo.
Mas tudo aconteceu, e eu me tornei um grande ídolo do Corinthians. E fiz por merecer. Porque não foram só esses jogos. Eu fui importante o campeonato inteiro. Você vê, 30 anos depois, estou falando aqui para a Folha de S.Paulo. Eu queria ter só uma notinha na Folha de S.Paulo.
Qual é a lembrança que você tem daquele 16 de dezembro? Foi um dia excepcional. Quando a gente foi campeão, saímos eu e o Mauro. Eu falei: “Mauro, como é que pode?”. Eu não estava preparado, não tinha entendido direito. A adrenalina estava tão assim que eu quis ir embora. Na verdade, acho que deveria ter aproveitado mais o título, só depois aproveitei o reconhecimento.
O Corinthians foi bicampeão mundial justamente em um 16 de dezembro, e você acompanhou a vitória no Japão. Isso tornou a data ainda mais especial? O 13 de dezembro e o 16 de dezembro são datas marcantes na minha vida. O dia 13 é o do primeiro jogo. Joguei para caralho. Em 2000, também no dia 13, nasceu minha filha Luiza. Foi o dia em que parei de beber, faz 20 anos que eu não bebo. Foi um puta jogo no dia 13. Para mim, foi mais importante do que o segundo.
E, em 2012, eu estava lá no Japão, e alguém me falou: “É 16 de dezembro”. Eu disse: “Caralho, está tudo conspirando para a gente ser campeão". E olha como fica marcante. Você junta os dois, coloca os dois 16 de dezembro... Se eu fosse o presidente do Corinthians, se eu fosse alguém no Corinthians, para mim, seria um dia tombado para o corintiano.
Só que nunca fizeram nada. Tem 30 anos o nosso título. Nunca deram uma festa, nunca recebemos um troféu, nunca tivemos um jogo de atletas histórico, nada. Faz 30 anos. É como se fosse um título desnecessário politicamente. Isso é muito triste.
Mas neste ano a camisa do time homenageia a conquista de 1990 e tem sua imagem no número usado pelos jogadores. Ah, sim. Isso foi uma coisa maravilhosa. Eu não queria, não ia aceitar. Quem fez a minha cabeça foi minha esposa. Ela me chamou e falou: “Vamos fazer amor que você está precisando relaxar um pouquinho, está muito tenso”. Porque eu achava que não era uma coisa assim, só minha, sacou? Ela falou: “Neto, você vai representar todo o mundo”.
Querendo ou não, você é a cara do título. Exatamente. Eu tenho esse entendimento hoje. Como foi o Romário de 1994, o Maradona [de 1986]. Quando a Nike veio conversar comigo, falou: “Você vai ser o primeiro da história da Nike com uma foto na camisa”. Nem o Ronaldo, que é um mito na Nike, teve.
Ainda assim, você acha que falta reconhecimento? Acho que o clube deveria fazer uma festa legal. Até teria neste ano, mas, com a Covid-19, não pôde acontecer. Eu espero que esse título possa trazer um benefício mais importante para os outros jogadores também.
Como está a relação com o presidente Andrés Sanchez? Eu sempre amei o Andrés e vou sempre amá-lo. Se o Andrés precisar, por exemplo, vou dar meu sangue para ele, para a Dete [Bernardete, ex-mulher], para a Marina [filha], para o Lucas [filho], eu vou sempre estar à disposição. Mas eu não tenho mais nenhuma vontade de ter relação de amizade com ele do jeito de que eu tinha. Eu amei o Andrés muito, amo muito. Mas...
Você foi eleito conselheiro e agora pode, pelo estatuto, ser candidato a presidente nas próximas eleições. É algo que pretende fazer? Tem uma chance enorme de eu disputar a eleição em 2023. Acho que estou preparado. Eu não estava preparado para concorrer em 2020, mas, para 2023, estou preparadíssimo, por ter o entendimento do que aconteceu politicamente, das discussões, das visões que são necessárias. Porque não adianta você ser um presidente só porque é ídolo, eu não quero isso.
Vou falar o que faria. Faria o Parque São Jorge ser uma casa de shows. A zona leste é carente disso. Bota lá em cima, cabe 17 mil pessoas. E serve para jogos menores do Campeonato Paulista, jogos do feminino, das divisões de base. Outra coisa: mudaria o estatuto para o sócio-torcedor que tenha três anos, com o pagamento em dia, votar.
Outra coisa: a Nike quer continuar o contrato? Beleza. Mas a gente vai ter que fazer camisa para o povo. A gente tem que ter uma televisão própria. E o estádio? Em vez de ser Neo Química, duvido que a gente não consiga vender por um bilhão para o SBT, para a Record. Tenho visões assim. Eu quero ser presidente mesmo.
Acha que teria boa chance na votação? Para ser presidente, você tem que fazer um trabalho social. Eu só posso ser presidente e só ganharia para ser presidente brigando firmemente na parte social. Não tenho dúvida nenhuma de que sou um candidato muito forte.
Por enquanto, você é comentarista e apresentador. E tem feito questão de tocar em pontos como o racismo, foi duro também no caso Robinho. É importante tocar nesse tipo de assunto? Na verdade, eu tinha uma visão muito fraca politicamente. Mas, por exemplo, eu não posso deixar de falar do Robinho. Também não posso deixar de tomar um posicionamento sobre o presidente da República, que faz as coisas de uma maneira tão idiota. Uma coisa tão feia, tão desumana.
Minha mãe falou para mim: “Filho, eu não sou uma pessoa muito instruída, mas você não acha que esse presidente fala muita coisa que não é legal?”. Quando um vice-presidente fala que não existe racismo, em um país em que importamos os negros, está completamente equivocado. A gente comprou as pessoas.
Quando eu era jogador: “Ah, ele não se posiciona”. Mas não vejo Neymar, não vejo ninguém se posicionar. Eu não sou contra o Felipe Melo ser a favor do Bolsonaro, por exemplo. É uma posição dele, tenho que respeitar. Eu não posso ser a favor, mas acho que o posicionamento das pessoas tem que existir. A gente não pode deixar de se posicionar, até porque o futebol sempre esteve inserido na sociedade.
Você sempre teve essa visão sobre o Bolsonaro? Sempre tive. Ele ganhou a eleição mais pelas pessoas que não votaram e pelo que a internet fez. Em 28 anos como deputado, não vi um plano. Em 28 anos! Como presidente, não vi absolutamente nada acontecer nesses anos. Nada.
E eu não tenho que brigar em termos políticos para 2022, não é isso. O esporte, quando fez bancada daqui, bancada dali, não fui a favor, não sou a favor. Muito pelo contrário. Sou a favor só do que a gente é, daquilo que o povo é, daquilo que o Corinthians representou, com Sócrates, Casagrande, Wladimir...
Teve gente que entendeu o que é democracia na Democracia Corinthiana. Eu nem sabia! Só fui entender de democracia nesse momento, só fiquei sabendo a partir daí. Não sabia nada disso. O esporte não é só uma ferramenta. Ele muda as coisas, como o Mandela mudou com o rúgbi na África do Sul. É só você ver o que o basquete fez agora nos Estados Unidos. O esporte muda as pessoas em todos os sentidos.
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