Cássio Faeddo*
27 de dezembro de 2020 | 10h00
2020 está chegando ao fim, um ano trágico para o Brasil e para o mundo. Os efeitos da pandemia do coronavírus ainda serão sentidos no decorrer dos próximos anos, porém não sabemos se poderemos contar no Brasil, apesar da grandeza do país no cenário global, com um breve início da vacinação para corrermos à luta com todas as forças.
É certo que se gestão tivéssemos, poderíamos, em meados de 2020, ter negociado com alguns laboratórios, mas a postura do Ministério da Saúde foi reativa. Ilustrando, apenas recentemente houve contato com o Laboratório Pfizer demonstrando algum interesse pela vacina. Mas não podemos esquecer que no ano de uma pandemia global tivemos três ministros da saúde, sendo que o último, general do exército, foi desautorizado publicamente pelo presidente da república no caso da CoronaVac.
E, citando CoronaVac, um balde de água fria foi despejado na cabeça do povo no dia 23 deste mês na entrevista coletiva que deveria trazer os dados da vacina na fase três.
Dizem que a frustração vem na mesma proporção da expectativa. Foi o que ocorreu nesse caso. O governador João Dória, nesta data, estava em Miami para as festas de fim de ano. Alegou que estava havia muito tempo sem férias, quando deveria estar à frente da coletiva de imprensa. Para quem esteve posando para fotos em aeroporto para receber algumas milhares de doses da vacina, o comportamento é, no mínimo, estranho.
Faltou sensibilidade humana, gerencial e política. A raposa perde o pelo mas não perde o hábito. Dória e Miami é pleonasmo.
O presidente Bolsonaro aglomera, vai festejar, pescar, e fazer tudo aquilo o que não poderia fazer qualquer pessoa com um mínimo de empatia pelo próximo. Continua com sua missão de tumultuar as eleições de 2022 desde já, com sua analógica panaceia de voto impresso, embora seu amigo norte-americano tenha perdido com voto impresso, no voto popular, no colégio eleitoral, nos tribunais estaduais e na Suprema Corte.
Mas Bolsonaro segue o script narrado em “Como as democracias morrem” de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – afinal, nada melhor que atacar as instituições e o processo eleitoral para atingir seu intento. É uma estratégia gritantemente tosca, mas diante da fragilidade e ignorância de grande parte do eleitorado, e leniência das instituições, pode até ter sucesso.
No Judiciário o presidente STF quer prioridade na vacinação. O artigo 5º da Constituição diz que todos são iguais perante a lei, mas no Brasil, lembrando George Orwell, alguns são mais iguais do que outros. Assim, a vacina nos faz lembrar do leite e da maçã na fazenda dos bichos de Orwell que assim escreveu:
“O leite e a maçã (está provado pela Ciência, companheiros) contêm substâncias absolutamente necessárias à saúde dos porcos. Nós, os porcos, somos trabalhadores intelectuais. A organização e a direção desta granja repousam sobre nós. Dia e noite velamos por vosso bem-estar. É por vossa causa que bebemos”.
Mas é o que temos na granja Brasil. Vamos encerrar um ano no qual deveríamos ter a compostura do comedimento e do silêncio do luto. Aguardaremos com esperança a vacina, confiando mais em Deus do que nos homens.
Enquanto isso, réquiem para um país que parece não se importar com seus mortos.
*Cássio Faeddo, advogado. Mestre em Direitos Fundamentais. MBA Relações Internacionais – FGV/SP
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