quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O futuro das vacinas acontece lá fora, Átila Iamarino, FSP

 Em menos de um ano de uma pandemia sem precedentes, já temos vacinas sendo distribuídas fora do Brasil. É um momento único da humanidade, graças ao conhecimento científico.

Pandemias não são novidade; elas fazem parte da nossa evolução. O que não tem precedentes é o avanço que já temos em 2020.

A pandemia de 1918, a chamada gripe espanhola, é frequentemente citada como o cenário mais próximo do que passamos hoje. Em 1918, já entendíamos vírus e bactérias como causadores de doenças e adotamos máscaras. Mas foi só no começo da década de 1930 que isolamos o responsável pela gripe. Foram necessários quase 20 anos até que as primeiras vacinas começassem a ser testadas em humanos. E a pandemia de 1918 não foi muito lembrada depois. O resgate de seu tamanho e impacto é bem recente.

A Espanha virou a referência da pandemia de 1918 porque estava fora da Primeira Guerra Mundial e noticiou o problema, mas os primeiros casos de gripe foram registrados nos Estados Unidos. Já a Covid-19 foi diretamente ligada à China em geral e a Wuhan em particular porque reconhecemos a nova doença ainda no seu estágio inicial, no final de 2019. E, antes de a pandemia ser uma pandemia, já sabíamos seu causador.

Em janeiro de 2020, o pesquisador chinês Zhang Yongzhen reconheceu o Sars-CoV-2, um vírus próximo do causador da Sars de 2003, presente em amostras de pacientes com pneumonia aguda de Wuhan. Mas Yongzhen fez algo que não era possível em 1918: compartilhou esse o genoma pela internet.

Parece algo simples, mas seus efeitos ressoam até hoje. Com essa informação, em poucos dias cientistas alemães e sul-coreanos desenvolveram o RT-PCR, teste fundamental para reconhecer casos ativos. E cientistas turcos que imigraram para Alemanha e cientistas nos EUA começaram a produzir as primeiras vacinas de RNA que entraram em testes ainda em janeiro, mostraram-se seguras e eficazes e começaram a ser distribuídas em dezembro.

Nosso conhecimento científico permitiu agarrar e segurar a pandemia por duas pontas.

De um lado, sabendo das formas de contágio, adotamos distanciamento e máscaras e reduzimos a alguns milhões os casos do primeiro ano da pandemia. Ainda são muitos casos, mas nem de longe o que aconteceu em 1918.

Do outro lado, começamos a reduzir o número de vulneráveis com a introdução de vacinas em tempo recorde. É a primeira pandemia para a qual temos uma vacina enquanto ela ainda ocorre. São dois avanços inéditos que pouparão vidas e empregos, frutos de décadas de investimento em educação, pesquisa e conhecimento.

Nada mais simbólico do regresso e da desordem brasileiros do que atrasarmos esse avanço. Além de falharmos em adotar e promover o distanciamento social como política nacional, nos atrapalhamos com as vacinas. Mal temos um plano nacional de vacinação, não temos campanha federal contra a Covid e ainda falhamos em acordos internacionais para garantir mais de uma vacina ou ao menos a logística para distribuir milhões de doses.

Cientistas estão fazendo sua parte. É como se os astronautas e o foguete Saturno V estivessem prontos para partir para a Lua no Cabo Canaveral em 1969, mas o evento histórico fosse adiado porque não prepararam seus lanches e o presidente dos EUA e o governador da Flórida não se resolviam.

Agora que temos vacinas viáveis, começa a rodar um contador de mortes ainda mais evitáveis, que seriam poupadas se a imunização começasse antes. E o contador do número de mortes por Covid registradas diariamente no Brasil gira cada vez mais rápido.​

Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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