Da pornografia nas profissões jurídicas fez-se o JusPorn Awards. A premiação com maior octanagem do ano não veio para ofender orgulho concurseiro dos bacharéis em direito. Quer apenas lhes apresentar o DNA da magistocracia, a fração hegemônica que governa as instituições de justiça desde o Big Bang.
Se a magistocracia pré-bolsonara já era um monumento antirrepublicano, a magistocracia bolsonarista saiu do armário, tomou banho de loja e já pode curtir seu dia do orgulho magistocrata em paz. As categorias do prêmio refletem a mistura de corrupção institucional, autoritarismo e aberração ética que permeiam carreiras da Justiça.
O ano de 2020 foi uma orgia, se me permitem emprestar termo de Luiz Fux. Foram muitos episódios.
Na categoria "faço barba, cabelo e bigode", o indicado é o ex-juiz "la garantía soy yo". Sergio Moro acusou, prendeu, julgou, palestrou, posou, elegeu, governou e foi advogar para quem condenou. O polímata fez tanto que a esposa desabafou: "Agora a gente pode, finalmente, ter a nossa vida". O livro de Rosangela virou clássico instantâneo da ética judicial.
Na categoria "dança dos querendo-ficar-famosos por uma cadeira no STF", o rebolado de Marcelo Bretas no palco com Crivella e Bolsonaro nos fez suplicar por sua nomeação. Na corrida dos rastejantes, disputa entre Augusto Aras, André Mendonça e João Noronha pede menção honrosa. Não sabiam que Bolsonaro faz promessas para colher vassalagem no presente, não para pagá-las no futuro. Kassio Nunes, nomeado, comprovou.
A categoria "liberdade, liberdade, abre as asas só pra nós" seleciona serviços de intimidação prestados por soldados da autocratização. Ailton Benedito, procurador da república, não só processou agência de checagem de notícias como estimulou milhares de seguidores a imitá-lo; também interpelou sociedade de infectologia que contraindicou certo tratamento de Covid-19.
Augusto Aras representou contra advogado que abusou do direito de solicitar investigações contra o governo. Promotor de Porto Alegre denunciou rádio gaúcha por fazer críticas à polícia, pois lei antirracismo também protegeria a honra da instituição policial. Advocacia-Geral da União interpelou críticos de Ricardo Salles, senhor do colapso ambiental. Não esqueçamos do fetiche por dossiês de André Mendonça, ministro anti-antifascista.
Na categoria "somos todes contra viés ideológico", juíza trabalhista de Minas Gerais, daltônica como o presidente, tuitou: "Contratação em razão da cor da pele: inadmissível". Juíza criminal do Paraná, nada daltônica, ensinou que existe criminoso "em razão de sua raça". Juízes pernambucanos, indignados com curso antirracismo oferecido no Judiciário, deixaram claro que rechaçam ideologia da obediência à lei, esse viés do Estado de Direito.
Na categoria "magistocracia muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada", destaca-se o TJ-SP, que assegurou auxílio-saúde para juízes gozarem de hotelaria hospitalar. O STF aproveitou e concedeu a desembargadores equiparação do teto constitucional do STF. Ministério Público de Mato Grosso criou "auxílio iPhone" para promotores.
Na categoria "tarô constitucional", quatro ministros do STF asseguraram que a frase "vedada a reeleição" significa, recombinando as letras, "liberada a reeleição". Perderam e se sentem traídos pelos outros ministros. Ameaçam retaliação.
Na categoria "encontros noturnos da República", jantares na casa de Gilmar Mendes, onde se movem placas tectônicas do Planalto, reconquistaram prestígio. Lá Jair chancelou nomeação de Kassio Nunes para o STF. Na categoria "bobo da Corte Suprema", os abraços gratuitos e as recepções de gala de Toffoli às visitas surpresa do presidente não têm par.
Na categoria "meritocracia dos bem-nascidos", o CNJ mostra que combate nepotismo em família. Terá como novo membro, por indicação da Câmara, filho do ministro do STJ Napoleão Maia. Está nesse páreo o desembargador que falava francês sem máscara na orla de Santos.
Na categoria "arrojo", o TSE contratou os bravos da argumentação, Alexandre Garcia e Caio Coppolla, para campanha contra fake news. Há que ouvir os cloroquinistas.
Perdão por não tratar da "magistocracia home office" nem da "jurisprudência do vírus". Resultados sairão durante recesso judicial, período em que descansam. Seus 60 dias de férias, afinal, são para vender. Monetizar privilégio não faz mal a ninguém.
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