quarta-feira, 26 de novembro de 2025

A imigração é boa, Deirdre Nansen McCloskey, FSP

 Deirdre Nansen McCloskey

Eu gosto da imigração. Do ponto de vista ético, para um brasileiro ou um norte-americano, é como oferecer a escada depois que nossos ancestrais ou nós já a usamos. Todos temos ancestrais que vieram recentemente de outros lugares que não São Paulo ou Washington. E até falavam línguas diferentes e tinham outros costumes.

O Brasil e os EUA são o resultado de africanos, japoneses, alemães, italianos e de descendentes dos que chegaram 12 mil anos atrás, como os guaranis e os navajos. Na verdade, todo ser humano, com exceção dos khoi-san, tem ancestrais que vieram de outro lugar, desde que o Homo sapiens começou a vagar para além da África austral, há cerca de 70 mil anos.

A imigração é economicamente boa para os humanos. Obviamente é boa para a emigrante, ou ela não emigraria. Meu país tem a segunda fronteira mais longa do mundo entre um lugar de renda muito alta e um lugar de renda muito baixa —a mais longa é o Mediterrâneo. Obviamente, uma hondurenha ou uma chadiana pobre que chega aos EUA ou à França tem perspectivas muito melhores que sua prima que ficou —literalmente, cerca de dez vezes melhores para ela e especialmente para seus filhos.

Converso frequentemente com motoristas de táxi em Washington D.C., que são muitas vezes imigrantes da Etiópia. Com frequência são pais orgulhosos de dois ou três filhos que conseguiram mandar para a universidade.

Mas também é economicamente boa para nós, descendentes de imigrantes. Um argumento econômico simples é que é sempre melhor ter mais pessoas com quem negociar. Esse também é o argumento do livre comércio internacional.

E há outro argumento econômico: o de que em uma economia moderna, como a do Brasil ou a dos EUA, com sua divisão do trabalho incrivelmente detalhada, quase nenhum imigrante pode substituir você. Eles não fazem seu salário baixar. Eles aumentam sua produtividade, ajudando-o, e portanto aumentam seu salário. Eles são, como dizem os economistas, "complementares" a você. O imigrante que dirige um táxi é bom para você, não ruim —a menos que você seja um motorista de táxi. Mas a grande maioria dos brasileiros e americanos, até mesmo os pobres, não estão competindo com motoristas de táxi imigrantes.

A proposta de restrições à imigração para proteger uma pequena parte da mão de obra local, porém, é semelhante à principal objeção à imigração: a de que ela "dilui" a cultura existente. (O argumento da diluição é uma versão simpática de uma muito repulsiva, que é simplesmente "eu odeio estrangeiros".)

Meu país deveria ter um nível de imigração muito mais alto. Afinal, isso deu certo de 1776 até as odiosas restrições racistas de 1924. Os EUA sem judeus, por exemplo, teriam muito menos comediantes engraçados, e sem italianos muito menos comida interessante, para não falar em Albert Einstein e Enrico Fermi. E os netos falam português ou inglês, torcendo para a seleção nacional de futebol.

Mas há um argumento mais profundo. As culturas mudam, mesmo sem imigração. Proteger a cultura contra imigrantes é a mesma coisa que protegê-la de mudanças ao longo do tempo. Parece boa ideia?

Apenas para os mais rígidos conservadores.


Ruy Castro - Bolsonaro marcou palpites triplos e errou todos, FSP

 Lembra-se da frase de Bolsonaro na Presidência? "Só saio daqui preso, morto ou vitorioso." E completou, com ponto de exclamação: "Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso!". Pois, desapontando os canalhas a quem prometeu sua eternidade no Planalto, Bolsonaro está preso, vivo e derrotado. Marcou palpite triplo e conseguiu errar os três. Para quem se julgava senhor de um latifúndio de 8.509.379 quilômetros quadrados, terá de se contentar agora com um três por quatro —12 metros quadrados— e ainda lamber os beiços.

Vista do nosso atual e delicioso ponto de vista, aquela era uma afirmação intrigante. O que o levava a ter tanta certeza da impunidade, da imortalidade e da invencibilidade? Hoje sabemos. A impunidade se devia a Augusto Aras, seu salivante procurador-geral. A imortalidade, à exuberância que exibia em palanques, jet-skis e motocicletas. E a invencibilidade, aos votos de papel, às injeções ilegais de dinheiro no eleitorado, aos serviços exclusivos da Polícia Rodoviária e, se preciso, à intervenção do Exército, que ele julgava ter na manga.

As sucessivas derrotas nas urnas, nos tribunais e nas pesquisas de opinião não têm feito bem a Bolsonaro. Ativaram-lhe uma crise de soluços e vômitos que, até então, nunca se manifestara e, na semana passada, provocaram-lhe um confesso surto de alucinação. Por sorte, um surto benigno —é o único alucinado que consegue realizar uma operação tão delicada como manobrar um ferro em brasa contra um pequeno objeto acoplado ao seu tornozelo e cortar a fogo esse objeto sem se ferir horrivelmente.

Bolsonaro julgava-se onipresente (num único dia, podia ser visto em dez cenários diferentes, exceto na mesa de trabalho), onisciente (para isso montara seu serviço particular de informações) e onipotente (seu ego vivia permanentemente ereto). Mas esqueceu-se de combinar com a vida real.

Um dia, fará jus a uma estátua equestre —só que, como dizia Nelson Rodrigues, equestre ao contrário, com ele montado por um relinchante cavalo.

Jorge Abrahão A boa e a má notícia: o racismo é reconhecido, mas o preconceito segue alto, FSP

 Oito em cada dez pessoas reconhecem que existe diferença no tratamento entre brancos e negros no acesso e no atendimento de diversos serviços. E este preconceito ocorre mais em shoppings e estabelecimentos comerciais, como lojas, restaurantes, supermercados e farmácias, seguidos do ambiente de trabalho, em processos de seleção, no dia a dia e na promoção pessoal.

A imagem mostra um grupo de pessoas participando de um protesto. Em primeiro plano, uma pessoa segura um cartaz azul com a frase 'O SEU SILÊNCIO É RACISMO' escrita em letras grandes e destacadas. Ao fundo, há outros cartazes com mensagens contra o racismo. O ambiente parece ser urbano, com árvores e pessoas visíveis ao redor.
Manifestantes fazem ato em resposta a episódio de racismo sofrido por crianças no Shopping Pátio Higienópolis; episódio ocorreu em abril deste ano - Danilo Verpa - 23.abr.25/Folhapress

É interessante observar que justamente em Salvador, a cidade com a maior população negra do país, é o local onde as pessoas mais percebem o preconceito em shoppings (65%).

É o que mostra a pesquisa sobre relações raciais do Instituto Cidades Sustentáveis, realizada pela Ipsos-Ipec nas dez maiores capitais do Brasil.

O perfil da amostra já deixa evidente a desigualdade estrutural da sociedade. No que diz respeito à educação formal, a maioria das pessoas brancas tem ensino superior (58%), enquanto a maioria das pessoas negras tem ensino médio (58%). Este fato determina a perpetuação de desigualdades de oportunidades no mercado de trabalho, de renda e de perspectivas futuras.

Em relação à renda familiar a situação se repete, visto que os brancos têm maior presença na classe A/B e nas faixas de renda mais alta, enquanto os negros são maioria na classe D/E e nas faixas de renda mais baixas, herança da escravidão.

Considerando a percepção geral sobre o racismo, mais da metade das pessoas diz que a presença de negros e indígenas nas universidades é positiva para a sociedade. Quatro em cada dez pensam que a violência policial afeta mais os negros do que os brancos. E que é fundamental aumentar a representação política e de cargos de poder dos negros.

Há quase um consenso sobre as medidas para enfrentar o problema, que passam pela necessidade de punir os atos de racismo (42%) e debater o tema nas escolas (36%). Alguma divergência surge em relação às politicas afirmativas, especialmente sobre a eliminação de cotas nas universidades (negros, com 12%, e brancos, 18%) e a criação para cargos de decisão (negros, 13%, e brancos, 8%).

No que diz respeito ao racismo ambiental, é de se ressaltar que a mudança climática afeta mais a população negra que ocupa os territórios mais vulneráveis da cidade e, por isso, mais sujeita aos impactos do clima como enchentes, deslizamentos, secas e ilhas de calor.

A pesquisa aponta também que as pessoas brancas têm papel-chave no enfrentamento do racismo no país. Cabe a elas se informar melhor e se educar sobre o tema e suas consequências. Além disso, um terço da amostra entende que um caminho é os brancos se reconhecerem como parte do problema e mudarem suas atitudes, como a utilização de gírias e piadas preconceituosas.

Resta ainda avançarmos em um tema ético, de valores, que está relacionado a um enfrentamento estruturante e de longo prazo da questão racial. Tem a ver com a formação das novas gerações, o papel de mães e pais conscientes e de uma educação formal que incorpore no currículo a discussão sobre a questão racial. E, se assim for, poderemos formar cidadãs e cidadãos livres de preconceito. O que nos conduzirá, efetivamente, a uma sociedade mais harmoniosa. Não me consta que há lei que proíba sonhar junto.