sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Trump ameaça revogar licenças de emissoras de TV que estão 'contra' ele, g1

 O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou nesta quinta-feira (18) revogar licenças de emissoras de televisão que se posicionarem “contra” ele. A declaração foi feita um dia após o programa do comediante Jimmy Kimmel ser tirado do ar na ABC.

A repórteres, sem apresentar provas, o presidente disse ter lido “em algum lugar” que 97% das emissoras de TV dos Estados Unidos se posicionaram contra ele durante as eleições presidenciais de 2024.

“Li em algum lugar que as emissoras estavam 97% contra mim novamente, 97% negativas, e mesmo assim eu venci, e com facilidade. Acho que talvez a licença deles devesse ser retirada. Caberá a Brendan Carr decidir”, afirmou.

Brendan Carr é o chefe da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) dos EUA.

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Brendan Carr, presidente da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC), em entrevista a podcast — Foto: The Benny Show / Reprodução

Brendan Carr, presidente da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC), em entrevista a podcast — Foto: The Benny Show / Reprodução

Em entrevista ao podcast americano Benny Show, Carr comentou a suspensão de Jimmy Kimmel e o chamou de "sem talento". Ele também fez duras críticas à mídia e disse que "algo precisa mudar".

"Uma licença concedida por nós traz consigo a obrigação de operar no interesse público. (...) Temos uma regra no livro que interpreta um padrão de interesse público que diz que a distorção de notícias é algo proibido. Da mesma forma, temos uma regra que trata de fraudes em transmissões. E assim, novamente, ao longo dos anos, a FCC se absteve de aplicá-la. E não acho que tenha beneficiado ninguém. Basta olhar para a credibilidade dessa mídia tradicional. Ela está completamente destruída", declarou.

Esta não é a primeira vez que Trump faz essa ameaça. No dia 25 de agosto, em postagem na rede Truth Social, o alvo do presidente americano foram as redes de TV ABC e NBC. Ele disse que muitos pediam a revogação da licença delas e que seria totalmente a favor da decisão:

"As fake news da ABC e da NBC, duas das piores e mais tendenciosas emissoras da história, me rendem 97% de notícias ruins. Se for esse o caso, elas são simplesmente um braço do Partido Democrata e deveriam, segundo muitos, ter suas licenças revogadas pela FCC. Eu seria totalmente a favor disso, porque elas são tão tendenciosas e mentirosas. Uma ameaça real à nossa democracia".

Presidente Donald Trump durante visita de Estado ao Reino Unido. — Foto: Leon Neal/Reuters

Presidente Donald Trump durante visita de Estado ao Reino Unido. — Foto: Leon Neal/Reuters

Nos últimos meses, o presidente tem feito uma série de ataques e movido processos contra veículos de imprensa dos Estados Unidos. Recentemente, ele pediu indenizações bilionárias aos jornais "The New York Times" e "The Wall Street Journal" por reportagens que o relacionavam a polêmicas, como o caso Jeffrey Epstein e criptomoedas.

Na rede social X, a ex-vice-presidente Kamala Harris, que disputou a presidência com Trump nas últimas eleições, criticou o governo e chamou as ameaças de "abuso de poder flagrante":

"O que estamos testemunhando é um abuso de poder flagrante. Este governo está atacando críticos e usando o medo como arma para silenciar qualquer um que se manifeste. Corporações de mídia — de redes de televisão a jornais — estão se rendendo diante dessas ameaças. Não podemos ousar ficar em silêncio ou complacentes diante desse ataque frontal à liberdade de expressão. Nós, o povo, merecemos algo melhor".

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Panapanás, espichas, greis e outros bichos, Sergio Rodrigues FSP

 Uma das diversões de quem era viciado nos prazeres da língua portuguesa em meus tempos de escola era decorar uma lista de coletivos de animais. Ainda existirá isso? Talvez sim, mas duvido que na mesma escala. O menor investimento em decoreba é uma das (poucas?) boas notícias da educação neste século.

Seja como for, a graça da brincadeira estava na raridade daquelas palavras, que nenhum de nós jamais tinha visto serem empregadas na vida real, nem mesmo de gozação ou por gente pernóstica.

Dou como exemplo os coletivos de ovelha, segundo o dicionário Houaiss: alavão, alfeire, armentio, armento, fato, grei, malhada, ovelhada, oviário, ovil, pegulhal, rebanho, redil.

Rebanho, normal. Ovelhada soa intuitivo. Mas alfeire? Pegulhal? Redil? O sabor exótico daqueles vocábulos, que remetiam a épocas e lugares perdidos na memória, nos dava uma ilusão de saber profundo.

Ao mesmo tempo, despertava uma curiosidade marota. Por que diabos aqueles pedantes do passado não chamavam seu montão de ovelhas de, sei lá, montão de ovelhas?

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Já naquele tempo estava bem espalhado na língua brasileira o uso preferencial, no papel de coletivo, da palavra "porrada" e suas variantes, como "porrão" ou "porrilhão". O contraste entre a informalidade de uma porrada de ovelhas e o traje a rigor de um alavão ou armento era justamente o que nos fazia rir.

Havia também as palavras que traziam embutidas em si, autossuficiente, a vocação para o cômico. Derivado do tupi, o termo panapaná ou panapanã parecia talhado para despertar sorrisos até em quem não soubesse tratar-se de um coletivo de borboletas.

Invasão de gafanhotos na fronteira Brasil-Argentina - 23.jun.20/Governo da Província de Córdoba

O mesmo podia ser dito de outros substantivos coletivos rebuscados como badanagem (de cavalos), formigame (de formigas, bidu!) e espicha ou maloca (de peixes). Ainda bem que existiam também palavras sensatas como cavalaria, formigueiro e cardume. Para não falar de bando, que acabava servindo meio que para tudo.

Mas não eram só os bichos. Havia coletivos esquisitos de coisas como montanhas (serrania), árvores (bosquete, opa!) e até pregos (pregaria). Se fôssemos levar às últimas consequências aquela mania de criar um nome para o agrupamento de cada unidade classificatória do universo, aonde iríamos parar?

Qual seria a palavra para um conjunto de mágoas? De pudins? De dentistas? De ex-amantes? De tiozões do zap? De deputados federais? A criatividade é livre, mas pelo menos no último caso o dicionário traz respostas prontas.

Depois que a Câmara dos Deputados se assumiu majoritariamente como organização criminosa, votando a aprovação da PEC da Blindagem –também conhecida como PEC da Impunidade–, podemos recorrer ao Houaiss e sua lista de coletivos de bandidos.

Alcateia, bandidagem, bando, caterva, choldra, choldraboldra (que delícia!), corja, farândola, horda, maloca, malta, matula, matulagem, pandilha, quadrilha, récova, récua, súcia –dessas 18 palavras, deve ter alguma que sirva.

E se não tiver, não custa invadir o reino das metáforas. O coletivo de ratos é rataria. O de gafanhotos, praga.

Wilson Gomes -Democracia brasileira não será a mesma após o 11 de setembro, FSP

 Quase metade do país, pelo menos neste momento, não consegue perceber o alcance histórico do que ocorreu no Supremo Tribunal Federal no último 11 de setembro . Há muita raiva política no ar, há a convicção disseminada de que se tratou de mais uma batalha na guerra entre dois lados e uma enorme vontade de revanche. Triste, mas natural: nas atuais circunstâncias políticas do país, dificilmente as coisas poderiam ser vistas de outro modo.

Mas a percepção pública não pode obscurecer os fatos. E o fato fundamental é que 11 de setembro de 2025, cedo ou tarde, entrará para a memória nacional como um dos dias mais decisivos da curta e intermitente história da nossa democracia.

Permitam-me colocar as coisas em uma perspectiva familiar, para defender o ponto de vista que acabo de enunciar.

Ilustração simbólica de um rosto humano em traços de desenho anatômico em preto sobre fundo azul claro. A parte superior da cabeça, acima de uma faixa de medição, revela um cérebro transformado num labirinto geométrico em preto e branco. Os óculos do personagem refletem, em cada lente, olhos atentos e um sol nascente, sugerindo metáforas sobre mente, percepção e transformação. Evocando um novo horizonte possível para a democracia. A expressão é séria, entre a vigília e a esperança. Na base da imagem, uma faixa verde intensa lembra tanto o chão de nosso país quanto a vitalidade de sua sociedade. A composição traduz visualmente a ideia de que foi um julgamento histórico em 11 de setembro, que rompeu o ciclo de autoritarismos e abriu uma nova perspectiva inédita para o amanhecer definitivo da democracia no Brasil.
Ariel Severino/Folhapress

Meu pai nasceu em 1922. Quando a ditadura do Estado Novo começou, em 1937, era um adolescente de 15 anos. Tinha 42 quando se iniciou a ditadura militar e 63 quando ela terminou. Em 73 anos de vida, atravessou duas ditaduras —foram 29 anos sob regime autoritário em sentido estrito. Se acrescentarmos o período de 1930 a 1934, após a deposição de Washington Luís, sem Congresso e com a Constituição suspensa, chegamos a 33 anos sob autoritarismo. Mais da metade da vida adulta de meu velho transcorreu sob regimes autoritários. É uma imensidão.

Minha mãe nasceu em 1937. Quando oficialmente começou a ditadura deVargas, tinha cinco meses de idade. Em março de 1964, tinha 26 anos. E, por muito pouco, aos 85 anos, em 2022, não experimentou a sua terceira ditadura. Em que democracia estável tem cabimento uma pessoa viver uma "trinca de ditaduras" no decurso de uma vida?

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Ditaduras podem parecer abstrações distantes, sobretudo depois que passam. O mesmo acontece com muitas experiências traumáticas —tragédias, guerras, epidemias. A gente ativamente se empenha em não lembrar, para não reviver a angústia e a dor. As marcas deixadas pela pandemia de Covid, por exemplo —os mortos na família, o isolamento das pessoas queridas, a ansiedade sobre o futuro—, já parecem remotas, embora tudo tenha acontecido há tão pouco tempo. É mais suportável não remexer nisso para não sofrer de novo.

Só quando encarnamos essas abstrações na vida de pessoas concretas é que podemos ter uma noção do que realmente significaram.

As novas gerações, que chegaram à idade adulta em plena expansão mundial dos regimes democráticos e da ideia da democracia como valor universal, costumam se enganar ao pensar que este é um regime quase natural, parte da paisagem do mundo, o destino inevitável da civilização. A minha experiência familiar me ensinou o contrário: o normal, no Brasil, foram as ditaduras e as tentativas de golpe de Estado.

A democracia é que tem sido a excepcionalidade, um intervalo sempre provisório entre um golpe e outro. Não vivemos propriamente períodos autoritários interrompendo a democracia, mas breves períodos democráticos entre longos ciclos de autocracia.

Duas, três ditaduras no arco de uma vida —e a sensação de que a democracia pode ser interrompida a qualquer momento, porque boa parte do sistema político e uma multidão de brasileiros não fazem a menor questão dela— é um absurdo. Nada disso é compatível com um projeto de civilização nem com os valores que julgamos cultivar.

Uma geração inteira presenciou o braço pesado do autoritarismo arrebentar a democracia várias vezes no século passado. Viu autocratas exigirem ser chamados de revolucionários. Viu o ditador de ontem voltar a ser eleito pelo voto popular sem jamais responder por seus crimes. Viu anistias e "tentativas de reconciliação nacional" para ditadores virarem incentivos para golpes futuros. O que nunca viu foram generais, almirantes e autoridades de alta patente sentados no banco dos réus, submetidos ao devido processo e condenados por golpe militar. Eu próprio nunca tinha visto um ex-presidente golpista, com enorme apoio popular, chamado a responder por seus crimes e condenado por eles.

Isso levou uma vida para acontecer. A geração do meu pai sequer pôde assistir a algo assim.

Então, me desculpem os que enxergam o julgamento da semana passada apenas como mais um episódio da guerra entre facções políticas: para a minha geração, e da perspectiva da nossa sempre precária democracia, o 11 de setembro foi, sim, um dia de cair no choro.

Foi o renascer da expectativa de que a nossa experiência democrática deixe de ser apenas intervalo entre autocracias, para se tornar, enfim, o modo como nós, brasileiros, escolhemos viver.