quarta-feira, 17 de setembro de 2025

MEI receberá pagamentos expressivos como aposentado apesar de hoje pouco contribuir para Previdência, OESP

 Por Fabio Giambiagi

A Lei n.º 12.470/2011 define que a contribuição previdenciária do Microempreendedor individual (MEI), que dá direito a aposentadoria por idade, é de 5% de um salário mínimo (SM). Hoje, R$ 75,90, dado o SM de R$ 1.518.

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O requisito contributivo é de 15 anos, e vamos assumir aqui que o benefício é recebido em média por 20 anos, que é aproximadamente a expectativa de sobrevida após a idade de aposentadoria definida para homens e mulheres na Constituição, na média em torno de 63,5 anos.

Na matemática financeira, a forma correta de fazer essa comparação é por meio do “valor presente”, que considera os efeitos financeiros incidentes sobre fluxos monetários que ocorrem em diferentes momentos do tempo.

No exercício a seguir, adotou-se uma taxa de juros real de 4%, entendida como uma taxa de longo prazo mais razoável após alguns anos de política monetária contracionista como a que temos tido com a Selic.

Assim, um pagamento de R$ 75,90, 30 dias depois, está associado a um valor “no presente” de R$ 75,65, uma vez que esse valor, depositado hoje, terá se transformado em R$ 75,90 um mês depois, a uma taxa de juros mensal de 0,33% – que, anualizada, dá 4%.

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Adotando algumas simplificações, pode-se fazer esse raciocínio para períodos posteriores, envolvendo 180 meses – ou seja, 15 anos – de pagamentos, e, na sequência, outros 240 – 20 anos – de recebimento de um SM por mês.

Não há espaço aqui para expor os detalhes dessa planilha. Qualquer leitor que estiver familiarizado com essa lógica pode, porém, fazer a conta.

Nesse caso, o valor presente a preços do mês 0 dos 180 pagamentos (15 anos) feitos na fase contributiva é de R$ 10.311, enquanto o valor presente dos recebimentos de R$ 1.518 nos meses 181 a 240 (20 anos) é de R$ 139.964.

Conclusão 1: o subsídio recebido por esse contribuinte é de 93%, pois o que paga só cobre 7% do que recebe. Conclusão 2: a diferença entre um valor e outro – ou seja, R$ 130 mil – é equivalente a um Honda City Hatch EX zero km, vendido no mercado por esse preço.

É como se, a cada contribuinte MEI, o governo desse um belo carro zero de presente. Tais pessoas até agora estão pagando. Chegará o momento em que começarão a receber. Diz-se que o Brasil é o “país da meia-entrada”. Nesse caso, antes fosse: quem dera fosse meia!

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Além do Loas e dos rurais, vem aí mais uma categoria que receberá pagamentos expressivos sem praticamente ter contribuído. Que o País depois não reclame quando a dívida pública chegar a 100% do PIB.

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Opinião por Fabio Giambiagi

Economista, formado pela FEA/UFRJ, com mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ

‘Se nada for feito, Brasil caminha para se tornar um narcoestado’, diz promotor que investiga o PCC, OESP

 Por José Maria Tomazela

Atualização: 

Ex-delegado geral da polícia civil de SP morre na Praia Grande após ser ser baleado em uma emboscada

Capa do video - Ex-delegado geral da polícia civil de SP morre na Praia Grande após ser ser baleado em uma emboscada

Ruy Ferraz Fontes teve seu carro atingido por um ônibus depois de ser alvo de disparo de criminosos. Crédito: Reprodução

A execução do ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, é mais um capítulo da força do crime organizado no País. Se não frear a escalada das facções, o Brasil corre o risco e se tornar um país dominado pelo tráfico de drogas, alerta o promotor Lincoln Gakiya, que investiga o Primeiro Comando da Capital (PCC) há cerca de 20 anos.

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A polícia ainda investiga o atentado contra Ferraz Fontes, mas já identificou dois dos seis suspeitos - um deles têm ligação com o PCC. A vítima foi fuzilada na segunda-feira, 15, em uma emboscada na segunda-feira, 15, em Praia Grande (SP), onde era secretário-municipal.

Com cerca de 40 anos de carreira na Polícia Civil, o ex-delegado-geral foi o responsável pelo indiciamento de Marcola, líder máximo do PCC, nos anos 2000. Ele havia se aposentado da corporação havia dois anos.

“Isso é a falência do Estado. O Brasil caminha a passos largos para se tornar um narcoestado, se nada for feito. Não quero ser um profeta do apocalipse, mas não dá para ser muito otimista”, disse ao Estadão Gakiya, membro do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco) do Ministério Público Estadual.

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Um narcoestado é um país onde as instituições são infiltradas pelo poder e pela riqueza de organizações de tráfico de drogas, resultando na corrupção de agentes públicos e na influência do crime organizado em políticas governamentais.

Gakiya compara a execução do ex-policial ao ataque do PCC contra o delator Vinícius Gritzbach, em novembro de 2024, no Aeroporto de Guarulhos.

“Embora os executores fossem policiais militares cooptados, tinha o envolvimento do PCC no crime de mando, porque ele era jurado pelo PCC”, afirmou o promotor.

“O que precisa entender é que o PCC escalou, é uma organização criminosa que já saiu dos muros do sistema prisional. Não é mais uma facção de prisão, já ganhou as ruas”, acrescentou.

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Segundo Gakiya, que acompanha a investigação sobre o caso, um dos suspeitos já esteve no sistema prisional e é vinculado ao PCC. Ele ressalva que o envolvimento da facção na execução ainda precisa ser confirmado pela investigação.

“Que é de uma organização criminosa, não tenho dúvida. Os executores são criminosos profissionais e o suspeito é ligado ao PCC. Não quer dizer que necessariamente tenha sido obra do PCC, mas há essa ligação.”

As cenas do crime mostram que os assassinos tinham treinamento. O grupo fez um tocaia à espera de Ferraz Fontes e o perseguiu de carro. Depois, três bandidos desceram do automóvel, armados com fuzis, para executá-lo enquanto outro ficou à espera, na retaguarda.

Segundo ele, a infiltração da facção - como na economia informal e em alguns setores no mercado financeiro - mostra o avanço do crime organizado. “Essa associação do PCC, que já é uma máfia, com esses outros tipos de criminosos, como os do mercado financeiro, de empresas, aumenta a periculosidade do PCC e fazem com que a gente precise ter realmente uma legislação nova no País”, destaca o membro do MP paulista.

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“Por isso, defendo uma legislação antimáfia para que preveja um tipo penal mafioso. É um fenômeno que não existia quando foi criada a Lei das Organizações Criminosas que tem hoje”, continua.

Ele diz não ter receio nenhum de apontar a facção como organização mafiosa. “Não digo que o PCC é uma organização terrorista porque perante nossa legislação, não são considerados terroristas, já que precisa ter ali motivação de raça, religião ou política. Se eles explodirem o Metro da Sé às 7 horas da manhã numa segunda feira, não será considerado ato terrorista, mesmo sendo assinado pelo PCC. O que costumo dizer é que os atos que praticam são de natureza eminentemente terrorista.”

Ministério prevê projeto para fortalecer combate a facções

O Ministério da Justiça e Segurança Pública diz que está em discussão na pasta um projeto para fortalecer o combate às facções criminosas. Além de endurecer a legislação com o objetivo de estancar a atuação desses grupos, o projeto prevê proteção a agentes do Estado que atuam no enfrentamento a esses grupos.

A ANISTIA DE 1979 , Alexandre Marcos Pereira, in APMP

 É curioso como a história pode ser convocada como álibi — e não como memória. A anistia de 1979 foi a dobradiça que permitiu abrir a porta enferrujada do regime; não absolveu o arbítrio, tampouco o transfigurou em virtude. Foi um gesto político situado num processo de distensão: antes dela, a Emenda Constitucional n.º 11, de 13 de outubro de 1978, revogara o AI-5 e reabilitara garantias como o habeas corpus. Só depois veio a lei que concedeu anistia ampla (embora controversa) e encarreirou a transição para a democracia. Pôr na mesma balança esse contexto e o impulso de apagar penas de quem atentou contra as instituições em 2023 é não apenas erro de proporção: é desonestidade de método.

Nos anos de chumbo, a caneta suspendeu direitos, fechou o Congresso, cassou mandatos, normalizou a exceção. O AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968, era o coroamento jurídico do silêncio forçado. Sua revogação não limpou o passado: apenas desarmou a máquina que o reproduzia. A anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, foi o passo político que se seguiu — parte de um pacto social e institucional que, certo ou errado em seus contornos, mirava a superação do estado de exceção e a reinstituição das regras do jogo. Não houve ali uma turvação entre crime comum e “patriotismo performático”; houve a decisão de fechar um ciclo autoritário e reabrir a vida constitucional. 


Corta para o presente. Em 8 de janeiro, o que se viu foi a tentativa de golpe em versão faroeste digital, com botas na gramática da Constituição e selfies sobre cacos de vidro. Dois anos depois, o país tem centenas de condenações — gente real, com nomes e processos, julgada por um tribunal que existe exatamente para ser o guardião do texto que os invasores quiseram rasgar. O que alguns chamam de “excessos punitivos” é, na verdade, o exercício — sujeito a reparos e recursos, como manda o rito — da jurisdição constitucional. O arco é outro, o cenário é outro, o propósito é outro: lá, desmontar um aparelho de exceção; aqui, reafirmar a vigência das regras que impedem sua volta. 


A retórica da equivalência — esse velho truque de ilusionismo — funciona assim: primeiro, embota-se a diferença entre uma ditadura que esvaziou o Estado de Direito e um Estado de Direito que processa quem o atacou; depois, chama-se “pacificação” o nome novo da impunidade. No palco, alguns termos trocam de roupa: “anistia” vira “conciliação”, “anomia” se fantasia de “liberdade”, e a velha indiferença moral aparece penteada de “moderação”. Mas o figurino não engana quem conhece o enredo. 

Há, claro, quem prefira o conforto das linhas borradas. É tentador: comparar 1979 com agora dá ao delinquente um verniz de personagem histórico que nunca foi; transforma o réu recente em “ator de transição”, como se quebrar vidraças e destruir patrimônio público fosse etapa necessária de amadurecimento institucional. O que se pretende, no fundo, é pedir ao calendário que absolva o Código Penal. Só que tempo não é absolvição; é contexto. 

Há palavras que, quando deslocadas, perdem a espinha: “paz”, por exemplo. A paz da democracia não é a paz do esquecimento; é a paz do devido processo. O Brasil, com todos os seus tropeços, já aprendeu isso. Foi preciso revogar o instrumento mais sombrio do regime e, só então, discutir a anistia — parte de um arranjo político complexo, pressionado por mobilização social e pelo cansaço do autoritarismo. Hoje, inverter a flecha causal para recauchutar a impunidade é como tentar começar um livro pelo epílogo e exigir que a história faça sentido. Não faz. 

O que está em jogo, afinal? Não a dosimetria perfeita (sempre debatível), mas a gramática do pacto constitucional: eleições contam; instituições existem; violência tem responsabilidade; mentira pública cobra juros. Chamar a responsabilização de “revanchismo” é um modo esperto de inocentar o ataque à casa de todos. E repetir que “anistiar é pacificar” é esquecer que, sem a restauração prévia das garantias, anistia vira só cortina de fumaça para o próximo incêndio.

 A crônica, se pudesse, terminaria num banco de praça, com gente lendo jornal e crianças correndo, como nas páginas serenas de um domingo qualquer. Mas a serenidade democrática dá trabalho: exige memória específica, nomes próprios, datas definidas. Em 1978, revogou-se o AI-5; em 1979, promulgou-se a anistia; em 2023, houve uma tentativa de ruptura filmada ao vivo; de 2023 para cá, o Judiciário fez o que a Constituição manda: julgar. O resto é ruído interessado, pregação de esquina que confunde megafone com razão. Se há um ponto de contato entre as duas épocas, ele mora na lição negativa: toda vez que o país aceitou “atalhos” — um ato institucional aqui, uma equivalência conveniente ali —, pagou com décadas de silêncio e medo. Hoje, o preço que se pede é outro: paciência com o rito, atenção às provas, debate público sem amnésia. E a certeza de que a benevolência, quando confunde vítima e agressor, não é virtude cívica: é desistência. Por isso, não: não cabe no mesmo quadro a anistia de 1979 e a proposta de varrer para debaixo do tapete as responsabilizações de 8 de janeiro. Uma foi dobradiça para a abertura; a outra seria fratura exposta no Estado de Direito. A história, quando convocada como testemunha e não como cúmplice, sabe distinguir. E é nessa distinção — firme, mas sem ódio — que a democracia encontra, de novo, a sua voz.