quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Aposentadoria compulsória não é punição, editorial FSP

 Ser condenado a ficar sem trabalhar recebendo vencimentos mensais de milhares de reais é o sonho de muitos brasileiros. Daí que a aposentadoria compulsória, punição comumente dada a juízes que cometem faltas graves, se tornou símbolo da impunidade assegurada a magistrados no país.

A percepção não está errada, mas o quadro é mais complexo. Nenhum legislador em sã consciência estabeleceria aposentadoria compulsória como castigo. Em teoria, ela seria uma dentre um conjunto de ações que o Estado deveria usar contra juízes suspeitos de improbidades.

A aposentadoria compulsória seria a primeira linha de defesa do poder público, já que permite de forma rápida e descomplicada, por ser procedimento administrativo, privar o magistrado de continuar a delinquir —note-se que um dos crimes investigados é a venda de sentenças.

À medida deveria seguir-se uma ação judicial. Confirmada a culpabilidade, viriam o desligamento da carreira e do salário e até uma pena de prisão. Tal provisão é uma das garantias conferidas a carreiras de Estado, que não deveriam ficar à mercê de procedimentos administrativos.

O problema é que essas ações judiciais com trânsito em julgado só muito raramente se materializam. Levantamento da Folha, com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de 15 dos 27 Tribunais de Justiça, mostrou que só 1% do total de punições a juízes e desembargadores entre 2006 e 2025 foram demissões.

Com a ressalva de que o cenário é incompleto porque nem todos os TJs responderam ao jornal, a maioria das sanções (67%) são mais brandas, como advertência e censura. A aposentadoria compulsória representa 31%. Desde 2006, só sete magistrados foram demitidos por falta grave.

A impunidade, portanto, é real e resulta da mãe de todas as impunidades: o fato de que os processos abertos no Brasil quase nunca são concluídos.

A questão está sendo debatida no âmbito da reforma administrativa. Cogita-se acabar com a aposentadoria compulsória para juízes suspeitos de falta grave e admitir a demissão por procedimento administrativo no CNJ —não mais após decisão judicial com trânsito em julgado.

Melhor do que a situação atual, que pode ser definida como escárnio. Mas não há como deixar de observar que a mudança representaria enfraquecimento das garantias das carreiras de Estado, que, ao menos em teoria, são mais uma proteção à sociedade do que a servidores individuais —em teoria, é bom frisar.

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Fux erra no fundamental e acerta em detalhes, editorial FSP

 Devido a manifestações anteriores, já se imaginava que o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, pudesse ser uma voz destoante no julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e aliados por tentativa de golpe de Estado. Fux superou todas as expectativas, porém.

O magistrado votou por nada menos que a anulação do processo, com o argumento de que o STF seria incompetente para analisá-lo. Mais ainda, advogou a absolvição de Bolsonaro de todas as acusações, que compreendem cinco crimes distintos.

Na primeira parte, disse que os réus já não ocupam cargo público que determine o julgamento pela corte mais alta do país, e portanto o foro adequado seria a primeira instância do Judiciário.

Causa espécie que o ministro não tenha seguido essa tese na enorme maioria dos processos envolvendo os denunciados por participar do ataque às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Não se pode esperar que um magistrado seja infalível ou incapaz de mudar de opinião, mas é sempre problemático quando entendimentos mudam bruscamente num tribunal superior, como o Supremo fez repetidamente com a Operação Lava Jato.

Isso considerado, divergências são normais e, no mais das vezes, saudáveis em uma corte. Trabalha-se em colegiado justamente para que diferentes opiniões e perspectivas possam aprimorar a decisão a ser tomada.

Fux apontou questões pertinentes em seu voto, a começar pela postulação de que, a seguir no STF, o processo deveria ser examinado por todos os 11 ministros em plenário, em vez dos 5 da Primeira Turma. Este jornal já expressou o mesmo ponto de vista.

Outro tema importante diz respeito aos crimes atribuídos a Bolsonaro, previstos na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito de 2021. Mais de um ministro e não poucos especialistas avaliam como redundantes as acusações de tentativa de golpe de Estado (pena máxima de 12 anos) e tentativa de abolição violenta do Estado de Direito (até 8 anos).

A aplicação cumulativa das duas penas, sustentada pelo relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, já resultou em punições que se afiguram excessivas para os integrantes da infantaria bolsonarista de 8 de janeiro.

É evidente que Fux, muito provavelmente um voto vencido e inócuo na decisão, acabou por reforçar o discurso do ex-presidente e de seus apoiadores —que, em qualquer hipótese, repetiriam a versão farsesca de que tudo não passa de perseguição política e judicial. Mais do que isso, listou questionamentos que continuarão nos próximos anos.

Esta Folha reitera seu entendimento de que as evidências apresentadas ao longo do processo são robustas e suficientes para caracterizar uma conspiração criminosa, particularmente as tratativas para um decreto absurdo de Estado de exceção. Fux acerta em detalhes e erra no fundamental: a impunidade seria desastrosa para a democracia brasileira.

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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

SP bate recorde de lançamento com 130 mil novos apartamentos: veja em mapa onde estão os imóveis, OESP

 Notícia de presente

Com imóveis menores e mais caros, São Paulo bateu recorde de lançamentos com mais de 130 mil novos apartamentos em um ano. A média diária supera os 350 lançamentos por dia, de acordo com dados da consultoria Brain Inteligência Estratégica. O número de lançamentos simboliza o apetite do mercado, estimulado pelo Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e pela alta nas vendas.

No intervalo entre junho de 2024 e junho de 2025, mais de 138 mil unidades verticais foram vendidas. É uma alta de 38 mil em relação ao período anterior, o que indica uma demanda aquecida apesar de juros altos.


“O Brasil tem a menor taxa de desemprego e de ocupação e a maior de renda da história”, justifica Fábio Tadeu Araújo, CEO da Brain. “A capacidade de pagamento dos consumidores está boa e as pessoas não vão esperar uma taxa de juros menor para comprar o imóvel, até porque não sabem quando ela vai baixar”, acrescenta o economista.

O último anúncio do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, no final de julho, manteve a taxa Selic em 15% ao ano, o que impacta o custo do financiamento. E o mercado de médio padrão é o que mais tem sofrido com este aperto.

As unidades de médio padrão (de R$ 350 mil a R$ 1,2 milhão) representaram 26,9% das vendas no último ano; seguidas pelos compactos (18,4%) e pelos imóveis de luxo (2,8%). Porém, nenhum segmento é tão relevante quanto o MCMV.





Minha Casa, Minha Vida

O principal segredo para o bom desempenho do mercado imobiliário, segundo Araújo, são os incentivos do programa Minha Casa, Minha Vida.

O segmento econômico foi responsável por 51,9% das vendas e 57% dos lançamentos em São Paulo. Não à toa, a Plano&Plano, incorporadora especializada no setor, lançou mais de 16 mil unidades nos últimos 12 meses, sendo 84% delas dentro do programa.

“A absorção das unidades acompanha o volume de lançamentos, especialmente com as mudanças que aconteceram recentemente”, diz Renée Silveira, diretora de incorporação da companhia, se referindo à expansão do Minha Casa, Minha Vida para a Faixa 4. “O programa ajuda a atender um público que não tem renda para aguentar as taxas altas de juros”, complementa.


A executiva elogia, também, os movimentos do governo para impulsionar o setor no País. Na última semana, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou um acréscimo de R$ 150 bilhões no crédito habitacional com recursos da poupança até o final do ano que vem.

A expectativa é alcançar três milhões de unidades contratadas até 2026 no Brasil — 1,7 milhões foram contratadas até agora.

Enquanto a classe média patina e o bom desempenho do segmento econômico é responsável por inflar o mercado imobiliário em São Paulo, um público passa quase ileso dos efeitos dos juros: os ricos e ultrarricos.

Mesmo que apenas 3,2% das unidades lançadas este ano sejam de luxo, elas correspondem a 29,4% de todo o Valor Geral de Vendas (VGV).

Impacto do alto padrão

O relatório classifica como apartamentos de alto padrão aqueles que custam de R$ 1,2 milhão até R$ 2 milhões durante o lançamento. As unidades de luxo custam de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões e o super luxo engloba aquelas que custam mais de R$ 4 milhões.

“É um público composto por empresários e executivos, uma classe que prosperou bastante nos últimos três anos”, comenta Fábio Tadeu. “Muitas vezes, este comprador consegue pagar a parcela do imóvel com o lucro da aplicação que está no banco. E ele tem o ganho real do aumento do valor do imóvel, que está subindo quase o dobro da inflação”, diz.

Na esteira deste movimento, a incorporadora Cyrela, especializada no mercado de alto padrão, lançou 45 empreendimentos entre junho de 2024 e junho de 2025.

O Epic Cyrela by Pininfarina será o edifício residencial mais alto de São Paulo com 210 metros de altura
O Epic Cyrela by Pininfarina será o edifício residencial mais alto de São Paulo com 210 metros de altura • Divulgação/ Cyrela

Com 17 lançamentos só no último trimestre, a empresa registrou um VGV de R$ 2,9 bilhões e marcou o período com o lançamento do prédio residencial mais alto da cidade. O Epic Cyrela by Pininfarina, em construção na esquina da rua Joaquim Antunes com a Av. Rebouças, terá apartamentos que custam de R$ 11,3 milhões a R$ 20 milhões.

“Os empreendimentos de alto padrão valorizam o entorno e elevam a qualidade arquitetônica da cidade, além de atrair investimentos e gerar empregos.”

Orlando Pereira

Diretor comercial do Grupo Cyrela

“Os empreendimentos de alto padrão valorizam o entorno e elevam a qualidade arquitetônica da cidade, além de atrair investimentos e gerar empregos”, afirma Orlando Pereira, Diretor Comercial do Grupo Cyrela. “O cliente deste segmento está cada vez mais exigente, buscando algo único, diferenciais de design, sustentabilidade e experiências exclusivas”, diz.

Preços em alta, imóveis menores

O crescimento nos números de vendas e lançamentos de apartamentos em São Paulo acontecem em um cenário em que eles estão menores e mais caros. Entre junho de 2024 e junho de 2025, o preço médio do metro quadrado saltou de 14.481 para R$ 15.887, uma valorização de quase 10%. Em contrapartida, o mercado está concentrado em unidades menores.

Atualmente, 85,4% do estoque da cidade é composto por apartamentos de um ou dois dormitórios e 60,3% deles têm até 39 m² de área. “Os imóveis estão menores porque é mais fácil caber no bolso do comprador. O preço do metro quadrado aumentou e diminuir o tamanho equilibra o preço do imóvel”, afirma Fábio Tadeu.


Para Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), os preços são explicados pelo aumento da demanda. “As pessoas querem morar nas regiões mais nobres, perto do trabalho, e nesses lugares existe uma escassez de terrenos. É por isso que o metro quadrado fica mais caro e construir apartamentos menores os torna mais democrático”, diz.

O baixo estoque de imóveis para venda na cidade corrobora a perspectiva do executivo. Segundo o relatório da Brain, atualmente, São Paulo tem pouco mais de 82 mil apartamentos em estoque no mercado primário. Ou seja, empreendimentos que ainda têm unidades à venda com o próprio incorporador e não no mercado de usados.

Deles, apenas 6,6 mil (8,1%) foram construídos antes de 2021 e seriam apontados como ‘encalhados’. “O estoque de São Paulo é baixo e duraria cerca de seis meses. A média histórica na cidade é de cerca de 12 meses”, afirma França. Este é o tempo estimado para zerar o estoque disponível se as incorporadoras parassem de construir.

O aquecimento do setor, diz ele, é sustentado pelas alterações no Plano Diretor. “As pessoas precisam entender que morar em uma cidade grande, como São Paulo, Paris ou Nova York, é conviver com o trânsito e usar transporte público. A capital paulista está preparada, sim, para o crescimento do mercado imobiliário, e os incentivos para incorporar nos eixos de transporte sintetizam isso”.

Lançamentos para quem?

A convicção do mercado imobiliário de que a verticalização ajuda a diminuir o déficit habitacional e democratiza o acesso à habitação não é uma unanimidade. De acordo com Renato Cymbalista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), os mais pobres continuam reservados a localizações periféricas.

“Historicamente, os lugares onde as cidades se verticalizam não são onde as pessoas mais precisam de moradia”, comenta. “Nos últimos anos, foram feitos alguns esforços, como o estímulo do Plano Diretor a Habitações de Interesse Social, mas a execução dessas medidas se tornou muito problemática e investidores burlaram esta medida”, exemplifica.

“Historicamente, os lugares onde as cidades se verticalizam não são onde as pessoas mais precisam de moradia.”

Renato Cymbalista

Professor da FAU-USP

Nesta semana, a Câmara Municipal de São Paulo anunciou os membros da CPI que vai investigar os episódios envolvendo apartamentos populares que receberam incentivos públicos para atender a população mais pobre e foram vendidos para investidores com renda alta.

O caso ganhou holofotes após uma denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra a Prefeitura de São Paulo por encontrar indícios de desvios na destinação destas unidades em bairros, incluindo bairros nobres como Itaim Bibi e Pinheiros.