terça-feira, 8 de outubro de 2024

O ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO, Alexandre Marcos Pereira, APMP


Segundo projeções do IBGE, em 2070, no Brasil, os mais jovens serão apenas 12% da

população e os mais idosos, 37,8%. Essa afirmação revela uma realidade demográfica

iminente: o envelhecimento acelerado da população global. Não é uma novidade que a

expectativa de vida tenha aumentado significativamente nas últimas décadas, fruto do

progresso na medicina, melhorias no saneamento e ampliação do acesso à saúde.

Contudo, essas conquistas trazem consigo desafios complexos para a sociedade, a

economia e a cultura, que precisarão se adaptar a uma estrutura populacional cada vez

mais envelhecida.

A mudança na pirâmide etária, com uma base mais estreita de jovens e um topo mais

largo de idosos, sinaliza uma transformação estrutural que impacta todos os aspectos da

vida moderna. À medida que a população de idosos cresce, o papel do Estado, das

famílias e do mercado de trabalho passa a ser questionado. O crescimento da população

idosa, que em 2070 poderá representar mais de um terço da população em alguns

países, como é o caso do Brasil, aponta para a necessidade urgente de repensar políticas

públicas, especialmente nas áreas de previdência, saúde e assistência social.

Um dos impactos mais evidentes desse envelhecimento populacional é o crescente peso

da previdência sobre as finanças públicas. No sistema atual de muitos países, a

previdência é financiada por um esquema de repartição, no qual os trabalhadores ativos

sustentam as aposentadorias dos inativos. Com uma base cada vez menor de jovens e

trabalhadores, e uma proporção crescente de aposentados, o sistema previdenciário

tradicional se tornará insustentável. Em muitos países, como o Brasil, essa pressão já se

faz sentir, e reformas previdenciárias estão sendo debatidas e algumas já foram

implementadas, visando a aumentar a idade de aposentadoria e ajustar as contribuições

e benefícios.

Entretanto, a questão vai além da simples matemática da arrecadação e do pagamento

de benefícios. A longevidade pode ser considerada uma conquista social, mas é

necessário que seja acompanhada de qualidade de vida. Uma população idosa saudável

pode continuar a contribuir para a economia, reduzindo a pressão sobre os sistemas de

saúde e previdência. Porém, a realidade muitas vezes revela o contrário: o aumento da

idade traz consigo problemas crônicos de saúde, maior dependência de cuidados

médicos e, em muitos casos, dificuldades financeiras para manter uma vida digna. Assim,

o debate sobre a previdência precisa incorporar uma visão holística, que considere tanto

a sustentabilidade fiscal quanto as condições de vida dessa população crescente.

Além da previdência, o sistema de saúde será fortemente impactado por essa nova

realidade demográfica. O envelhecimento da população tende a aumentar 

significativamente a demanda por serviços de saúde, tanto no que se refere à atenção

básica quanto aos cuidados mais especializados e de longo prazo. Doenças crônicas,

como diabetes, hipertensão e demência, que têm maior incidência entre os idosos,

exigem um sistema de saúde mais robusto e preparado para lidar com uma demanda

crescente e contínua.

Além disso, o modelo de cuidado com os idosos também precisará ser revisitado.

Tradicionalmente, o cuidado era fornecido majoritariamente pelas famílias,

especialmente em sociedades mais conservadoras. No entanto, com a crescente

urbanização, mudanças nas dinâmicas familiares e a inserção mais plena da mulher no

mercado de trabalho, esse papel precisa ser redistribuído. A demanda por lares de

idosos, profissionais qualificados em geriatria e sistemas de suporte ao envelhecimento

ativo e saudável tende a crescer exponencialmente.

O aumento da população idosa também terá implicações profundas para a economia.

Uma sociedade com menos jovens e mais idosos pode enfrentar dificuldades para

manter altos níveis de produtividade. Com uma força de trabalho em declínio, a inovação

e o crescimento econômico podem ser afetados, e a pressão sobre os governos para

financiar as crescentes necessidades sociais e de saúde dos idosos pode restringir

investimentos em áreas estratégicas.

No entanto, há também oportunidades econômicas a serem exploradas. O chamado

“mercado prateado”, que abrange produtos e serviços voltados para a terceira idade,

como turismo, lazer, tecnologia assistiva e habitação especializada, está em expansão.

Além disso, políticas que incentivem o envelhecimento ativo e a permanência de pessoas

mais velhas no mercado de trabalho podem contribuir para mitigar parte do impacto

econômico. A criação de ambientes laborais mais flexíveis, que permitem que os idosos

contribuam de forma significativa, mas adaptada às suas capacidades e limitações, será

crucial nesse cenário.

Por fim, o envelhecimento populacional também traz desafios sociais e culturais. Em

uma sociedade que valoriza a juventude e a inovação, como lidar com uma maioria

idosa? Há o risco que os idosos sejam marginalizados ou considerados um “fardo” para

a sociedade, o que pode gerar tensões intergeracionais e aprofundar desigualdades.

Por outro lado, o aumento da longevidade também pode oferecer novas formas de

pensar a sociedade. Com mais tempo para viver, as pessoas podem buscar novas formas

de educação, participação social e contribuição cultural ao longo de toda a vida. O

conceito de “terceira idade” pode ser redefinido, não como um período de declínio, mas

como uma fase de renovação e oportunidades.

Esse cenário exige uma mudança de mentalidade: o envelhecimento deve ser visto como

um processo natural e positivo, desde que acompanhados de políticas que assegurem a

dignidade, a autonomia e a participação ativa dos mais velhos.

O futuro demográfico que se avizinha, com uma população majoritariamente idosa e

uma proporção reduzida de jovens, apresenta desafios imensos para as políticas

públicas, a economia e a cultura. A projeção de que, em 2070, no Brasil, os jovens serão

12% e os idosos 37,8% é um alerta para a necessidade de preparar nossas sociedades

para um novo paradigma de convivência e organização social. Essa transformação pode

ser uma oportunidade para criar uma sociedade mais justa, inclusiva e solidária, mas,

para isso, será necessário agir desde já, repensando o papel dos idosos, as formas de

cuidado e a organização do trabalho e da previdência.

Assim, ao invés de temer o envelhecimento, devemos abraçá-lo como uma nova

fronteira de possibilidades, tanto para os indivíduos quanto para as sociedades. O futuro

será, sem dúvida, mais velho – e a maneira como lidaremos com essa realidade definirá o curso de nossa civilização.

‘Uma BR do mar’: São Paulo e Paraná querem reativar canal marítimo aberto há 70 anos, OESP

 

Foto do author José Maria Tomazela
Atualização: 

Um dos lugares mais selvagens e intocados do litoral do Sudeste, em meio a manguezais e Mata Atlântica, poderá ser frequentado por turistas e pescadores no futuro. Uma parceria entre dois governos de São Paulo e do Paraná pretende reativar um canal marítimo aberto há 70 anos para interligar os litorais dos dois Estados. O Canal do Varadouro, que no passado serviu para o escoamento de pesca e até transporte de passageiros, está desativado para navegação há mais de três décadas devido ao assoreamento.

Canal do Varadouro, no Paraná, será espécie de "BR no mar".
Canal do Varadouro, no Paraná, será espécie de "BR no mar". Foto: Paraná Projetos/Divulgação

O governo do Paraná, que detém a maior parte do canal, entrou com pedido no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para aprofundar e alargar a passagem marítima que sofreu estreitamento ao longo dos anos. O objetivo é criar uma nova rota turística navegável entre os dois Estados.

Área abriga mangues e remanescentes de Mata Atlântica
Área abriga mangues e remanescentes de Mata Atlântica Foto: Divulgação/Paraná Projetos

Para o governo de São Paulo, o projeto pode alavancar o turismo no extremo sul do seu litoral, região que tem grande potencial, mas ainda é pouco procurada pelos visitantes. Apenas o Parque Estadual Ilha do Cardoso, em Cananeia, tem fluxo permanente de turismo ecológico.

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A reportagem pediu informações ao Ibama sobre os estudos para reabrir o Canal do Varadouro, mas não obteve resposta.

Em agosto, o projeto foi apresentado no 9.º Congresso Internacional de Náutica, em São Paulo. “A pesca esportiva é o segundo esporte mais praticado no Brasil, movimentando as regiões costeiras e as cadeias do setor, com a construção de marinas e a indústria de embarcações. É por isso que esperamos concretizar esse projeto do Canal do Varadouro, uma espécie de ‘BR do mar’”, disse, na ocasião, o governador Ratinho Júnior (PSD).

Em março do ano passado, os secretários de turismo do Paraná, Márcio Nunes, e de São Paulo, Roberto de Lucena, assinaram protocolo de intenções de ações conjuntas para revitalizar o Canal do Varadouro. Conforme a Secretaria de Turismo de São Paulo (Setur), a exemplo do Paraná, também foram iniciados estudos para a dragagem da parte paulista do canal. “Estamos em tratativas com o Departamento Hidroviário (órgão do Executivo paulista) e discutindo a melhor forma de fazer a dragagem”, informou.

Projeto prevê trapiches e apoios náuticos maiores para atender às necessidades específicas do turismo.
Projeto prevê trapiches e apoios náuticos maiores para atender às necessidades específicas do turismo. Foto: Reprodução/Secretaria do Planejamento do Paraná

Canal formou ilha

Com seis quilômetros de extensão, o canal liga Paranaguá, no Paraná, a Cananeia, no extremo sul paulista, passando pela ilhas das Peças e de Superagui. Hoje parque nacional, a Ilha do Superagui fazia parte do continente até se tornar ilha devido à abertura do canal, nos 1950. Atualmente, o canal tem trechos não navegáveis – há pontos com bancos de areia em que já é possível atravessar a pé.

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O projeto prevê alargar o curso d’água, deixando o canal com largura mínima de 30 metros, e utilizar dragas para aprofundar a calha em até 2,4 metros. Com isso seria possível a passagem de iates e barcos turísticos, além de permitir a pesca embarcada.

Outra possibilidade, segundo o governo paranaense, é utilizar a rota para transportes de passageiros entre a Baía de Paranaguá e as cidades paulistas de Cananeia, Iguape e Ilha Comprida.

O trecho terá 160 pontos de sinalização náutica com boias, além de apoios náuticos com estrutura de madeira, banheiros, conveniências, ambulatórios e áreas de espera. Nas comunidades de Guapicu, Ararapira, Sebuí e Barbados foram propostos trapiches de pequeno porte. Já nas comunidades de Superagui e Ilha da Peças, com maior potencial turístico, serão construídos píeres para barcos maiores.

O anteprojeto de dragagem e de sinalização náutica do Varadouro foi encomendado pela Secretaria de Planejamento do Estado do Paraná à Universidade Livre do Meio Ambiente (Unilivre), sediada em Curitiba. Um estudo de batimetria identificou 22 pontos em que o canal está muito raso, dificultando a passagem de barcos.

Segundo o secretário de Planejamento do Paraná, Guto Silva, mesmo com o canal assoreado, os habitantes das comunidades tradicionais da região ainda usam a passagem marítima para se locomover em barcos pequenos. “O canal está no coração da Mata Atlântica. Tem potencial para turismo náutico, podendo trazer gente de São Paulo para navegar no litoral do Paraná, o que também vai gerar empregos para os ribeirinhos.”

Os dois Estados têm frota náutica expressiva. A de São Paulo é a maior do País, com 181 mil embarcações, enquanto a do Paraná é a terceira, com 95,1 mil, logo atrás da frota do Rio de Janeiro. Nos dois Estados, quase a metade da frota é composta por barcos aptos para o turismo náutico.

Dados da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) apontam que São Paulo foi o Estado que mais recebeu turistas estrangeiros no primeiro semestre deste ano (1,1 milhão), enquanto o Paraná ficou em quarto lugar (507 mil). Desde o ano passado, o Paraná está na rota dos cruzeiros que viajam pela América do Sul e passaram a fazer escala no Porto de Paranaguá.

Entre dezembro de 2023 e março de 2024, cerca de 24 mil turistas embarcaram e desembarcaram na cidade paranaense onde começa o Canal do Varadouro. O plano é levar esses turistas para a nova atração.

Objetivo dos governos de São Paulo e Paraná e aumentar o potencial para turismo náutico dos dois Estados.
Objetivo dos governos de São Paulo e Paraná e aumentar o potencial para turismo náutico dos dois Estados. Foto: Reprodução/Secretaria do Planejamento do Paraná

Vila fantasma

O Canal do Varadouro está na região do Meridiano de Cananeia que, no início da colonização do País, era palco de embates entre portugueses e espanhóis. A linha do meridiano serviu de referência para o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, assinado em 1494, dois anos após o descobrimento da América.

Em junho de 1804, a Câmara de Cananeia pediu ao governador geral da Capitania de São Paulo a abertura de uma via de comunicação entre a Baía de Paranaguá e a de Cananeia. Em 1820, os próprios moradores da região começaram a abrir o canal – o nome “varadouro” vem da necessidade que tinham na época de arrastar suas canoas para “varar” alguns trechos do canal.

Em 1869, foi ordenada a elaboração de um estudo para as obras de abertura do canal, mas só 90 anos depois, em 1956, ocorreu a efetiva construção do canal e do Porto do Varadouro. A rota era usada para pesca, comércio e turismo. Com as melhorias na rodovia Régis Bittencourt (BR-116) e de outras rodovias, o canal caiu em desuso e sofreu assoreamento. Atualmente, é mais usado por comunidades ribeirinhas.

À margem do canal fica a antiga Vila de São José de Ararapira que, até a década de 1920, pertenceu a São Paulo e chegou a ter cerca de mil moradores. Quando o governo federal, na gestão do presidente Epitácio Pessoa, estabeleceu novos limites entre os dois Estados, a vila passou a ser território do Paraná, anexada ao município de Guaraqueçaba. Os moradores paulistas se mudaram para Cananeia e a vila, com igreja, cemitério, casas e comércio, ficou abandonada.

Dora Kramer - Outra vez por um triz- FSP

 


Se o embate de 2022 entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não se repetiu no primeiro turno da eleição paulistana, ao menos uma simetria ocorreu: a ínfima quantidade de votos que impediram a reeleição do então presidente (menos de 2%) e o triz de pouco menos de 1% que colocou Guilherme Boulos (PSOL) e não Pablo Marçal (PRTB) no segundo turno.

São apontadas razões semelhantes. Há dois anos, os tiros de Roberto Jefferson (PTB) em policiais e a corrida de Carla Zambelli (PL) armada atrás de um desafeto. Agora, o falso atestado de alegada internação de Boulos por consumo de cocaína.

Pablo Marcal (PRTB) vota em Moema; influencer ficou em terceiro lugar na corrida paulistana - Rubens Cavallari/Folhapress

Pode ser que os motivos tenham sido mesmo esses, mas pode ser também que tenham feito apenas o papel da gota d’água que faltava para fazer transbordar o manancial de exageros do conjunto das obras dos pretendidos candidatos antissistema.

Jefferson e Zambelli imaginaram-se inimputáveis, protegidos pela força de um presidente impulsionador da onda de loucura coletiva, cujo ápice se deu no 8 de janeiro. Marçal acreditou no abrigo da lacração na internet onde grassa a mitificação e a manipulação não tem respostas nem consequências à altura.

Enganaram-se. Em ambos os casos, a aludida rebelião não deu certo, embora quase tenha dado. Portanto, temos aí uma boa notícia, outra má e uma terceira em forma de alerta tanto aos arautos da arruaça quanto aos que seguem a cartilha das regras da civilidade.

Estes e aqueles que fiquem atentos ao fato de que a institucionalidade vence porque tem a maioria; e é importante que isso seja mantido. Não necessariamente para deixar as coisas como estão, mas para compreender que é possível fazer valer as demandas por mudanças na política sem pretender destruí-la.

Bolsonaro está inelegível. Marçal obteve projeção, mas não ganhou consistência. Seu partido não conseguiu eleger nenhum vereador e ele amealhou boa quantidade de processos que o obrigarão a responder à polícia e à Justiça. Quis causar e causou. Mas se complicou, podendo ter o mesmo destino de sua fonte de inspiração numa evidência de que a transgressão tem preço e, no Estado de Direito, não é a alma do negócio.