quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Mauricio Stycer Odiados, mas bons de votos, FSP (definitivo)

 

A degradação do espetáculo da política na televisão alcançou novos patamares nas últimas semanas. Nos EUA, durante um debate, Donald Trump falou que imigrantes haitianos estão comendo animais de estimação em uma pequena cidade em Ohio. Em São Paulo, também em um debate, em resposta a uma provocação, José Luiz Datena atirou uma cadeira em Pablo Marçal.

Não surpreende que os três protagonistas dessas cenas tenham muita experiência profissional no campo da comunicação. De forma consciente ou não, seguem a cartilha de Roger Stone, o consultor político que ajudou a eleger Trump em 2016, defendendo que o seu candidato apostasse num show que mistura desinformação e ultraje.

Em um artigo recente no The New York Times, Michael Hirschorn, diretor e dono de uma produtora de televisão, defendeu a tese de que esses personagens ultrajantes da política encontraram inspiração em reality shows.

Hirschorn recorre à trajetória do vencedor do "Survivor", reality pioneiro da era moderna, no ano 2000. Richard Hatch, abertamente gay, com postura arrogante e rude, foi o primeiro "jogador" de um programa desse tipo. Manipulou os adversários para sobreviver, fez alianças com "inimigos" e enganou a produção do programa para avançar em uma das rodadas da competição.

Richard Hatch (esq.), vencedor do reality show "Survivor", ao lado dos finalistas Rudy Boesch e Susan Hawk - Fred Prouser - 23.ago.00/Reuters


A certa altura do programa, Hatch parecia ser o homem mais odiado dos Estados Unidos. Ganhou a competição e saiu de Bornéu com um cheque de US$ 1 milhão.

O recado foi compreendido por produtores de TV em todo o mundo. O que funcionava em reality show eram pessoas se comportando mal, figuras que amamos odiar, sem medo da exposição, dizendo e fazendo coisas que muitos espectadores gostariam de poder fazer.

Escreve Hirschorn: "Os mais astutos sabiam como comandar e controlar a atenção, como estender seu momento sob os holofotes e construir sua marca —participação em outros programas, seguidores nas redes sociais, acordos de patrocínio, influência, poder. Nessa busca, a vilania, longe de ser um prejuízo, era cada vez mais um trunfo".

Vendo Trump falar sobre comedores de gatos, o autor observa: "A política, ao que parece, internalizou a lógica dos reality shows". E acrescenta: "Como ele pôde dizer todas essas coisas ultrajantes? Ele não sabe que as pessoas vão ficar chocadas? Bem, é claro, ele as diz especificamente por que as pessoas ficarão chocadas".

Restaurante em Chicago aproveita fala de Trump em debate sobre 'imigrantes que comem cães e gatos' - Scott Olson/Getty Images via AFP


Sem tempo nenhum na propaganda eleitoral gratuita em rádio e televisão, Pablo Marçal (PRTB) entendeu que os debates poderiam ser uma ferramenta extremamente útil para a construção da imagem que deseja projetar. Ele busca fixar no eleitorado a ideia de que é o único a falar a verdade, que é um "de fora", sem compromissos com o supostamente corrompido mundo da política.

Até aí, pouca novidade. Bom de lábia, raciocínio rápido e abusando da arrogância, Marçal se posiciona como alguém que foi isolado pelos demais candidatos. Uma vítima do "sistema". Para enfrentar essa situação, o candidato à Prefeitura de São Paulo construiu um personagem ultrajante, que fala barbaridades e ofende os rivais sem alterar o tom de voz. Como um vilão de reality show.


Candidato por um partido nanico, sem nenhum representante no Congresso, Marçal não precisaria ser convidado a participar de debates na TV, segundo a legislação eleitoral. Mas sua presença, encarnando esse personagem, rende audiência.

Agradeço ao amigo Zeca Camargo a sugestão de leitura do artigo de Michael Hirschorn.

Uso de cigarros eletrônicos por adolescentes nos EUA cai para menor nível em dez anos, fsp

Christina Jewett
THE NEW YORK TIMES

O número de adolescentes nos Estados Unidos que relataram usar cigarros eletrônicos em 2024 despencou de um pico atingido há cinco anos. Isso aumentou as esperanças de que a tendência entre os adolescentes de fumar vapes se reverta.

Em uma pesquisa anual realizada de janeiro a maio em escolas dos EUA, menos de 8% dos estudantes do ensino médio relataram usar cigarros eletrônicos no último mês, o nível mais baixo em uma década.

Isso é muito menos do que o ápice, em 2019, quando mais de 27% dos estudantes do ensino médio que participaram da pesquisa relataram que fumavam vapes —cerca de 500 mil adolescentes a menos do que no ano passado.

O uso de cigarros eletrônicos por adolescentes cai para o nível mais baixo em 10 anos - Ezequiel Becerra/AFP

Os dados são da Pesquisa Nacional sobre Tabaco entre Jovens, um questionário preenchido por milhares de estudantes do ensino médio e fundamental que é administrado anualmente pela FDA (agência que regulamenta drogas e alimentos) e pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano.

No geral, constatou-se menos de 6% dos estudantes do ensino médio e fundamental relataram usar cigarros eletrônicos no último mês, quase 8% menos que no ano anterior.

diminuição do uso de vapes entre os estudantes do ensino médio foi responsável em grande parte pela queda deste ano; o uso no ensino fundamental permaneceu bastante estável, com 3,5% relatando que haviam fumado cigarros eletrônicos, em comparação com 4,6% no ano anterior.

"Essa queda contínua no uso de cigarros eletrônicos entre os jovens de nosso país é uma vitória monumental para a saúde pública", disse Brian King, diretor da divisão de tabaco da FDA.

Especialistas em saúde pública disseram que vários fatores podem ter contribuído para a queda no uso de vapes entre adolescentes, incluindo proibições de tabaco com sabor em cidades e estados, uma blitz de fiscalização contra vendedores de vapes com sabor e três campanhas de mensagens públicas direcionadas a jovens sobre os perigos do cigarro eletrônico.

Alguns compararam a notícia à queda no consumo de cigarros tradicionais, que atingiu cerca de 1,6% dos adolescentes, um número significativamente baixo.

Muitos grupos de saúde pública têm levantado alarmes sobre os potenciais efeitos dos cigarros eletrônicos em jovens, incluindo a exposição a toxinas e carcinógenos —alguns dos quais ainda são desconhecidos. Os níveis de nicotina nesses produtos podem ser muito altos, aumentando o risco de vício e lesão nos cérebros em desenvolvimento dos adolescentes.

"Definitivamente, as percepções de risco do cigarro eletrônico aumentaram", disse Kathy Crosby, presidente da Truth Initiative, um grupo sem fins lucrativos que faz campanha contra o uso de vapes entre jovens. "E à medida que você vê o aumento nas percepções de risco, também vê o uso diminuindo."

Existem campanhas mundiais para proibir vapes descartáveis ou limitar consideravelmente o acesso para reduzir o uso entre adolescentes. Países da União Europeia pressionaram por uma proibição de vapes com sabor e um limite nos níveis de nicotina. O Congresso pressionou a FDA nos últimos anos para intensificar a fiscalização, especialmente contra importações ilícitas de cigarros eletrônicos com sabores, como banana e pêssego.

Uma grande empresa de tabaco, a Reynolds American, também pediu à FDA que reprimisse os vapes descartáveis e com sabor que vêm da China. As empresas de cigarros tradicionais estão visando substituir as receitas perdidas com a renda dos cigarros eletrônicos.

A FDA enfatizou que muitas marcas, como os vapes Elf Bar que têm sido populares entre os adolescentes, não estão autorizadas para venda.

King da FDA também disse que os esforços da agência em liderar uma série de apreensões e multas de cigarros eletrônicos ajudaram a impulsionar a queda no uso entre adolescentes. Isso incluiu "esmagar" empresas que vendem vapes Elf Bar, disse ele. A pesquisa deste ano com os estudantes mostrou que os adolescentes ainda preferiam o Elf Bar, com mais de um terço classificando a marca como a favorita.

A FDA e outras agências apreenderam milhões de dólares em cigarros eletrônicos no Aeroporto Internacional de Los Angeles e no porto de Chicago neste ano e no final de 2023.

Deirdre Lawrence Kittner, diretora do Escritório de Tabagismo e Saúde da CDC, disse que outros fatores podem ter reduzido a taxa de uso de vape entre adolescentes, incluindo uma campanha em 2023 incentivando educadores do ensino médio e fundamental a conversar com os alunos sobre o uso de cigarro eletrônico.

Medir a tendência decrescente no uso de vapes entre adolescentes ao longo dos anos desde o pico foi difícil durante a pandemia. Especialistas alertam em relação a comparações diretas ano a ano na crise de saúde pública, quando as escolas estavam fechadas.

 

Os condutores e as cavalgaduras, Sergio Rodrigues - FSP

 O coach é puxado por cavalgaduras —e se faz tempo que isso já não é necessariamente uma verdade literal, não há motivo para descartar a metáfora. Pelo contrário: ela prova que a etimologia é cheia de tesouros ocultos.

O substantivo "coach" chegou à língua inglesa em meados do século 16, vindo do francês "coche", com o sentido de carruagem grande e fechada de quatro rodas —como se sabe, um veículo de tração animal.

A palavra tinha mais prestígio internacional que o filme do Waltinho. Entre outras línguas, marcava presença no alemão "Kutsche". A fonte estava no húngaro "kocsi" —cujo sentido original era carruagem feita na localidade de Kocs, vizinha de Budapeste, onde se fabricava desde o século 15 um veículo confortável, amplo, com suspensão de molas.

Nem é preciso ir tão longe para encontrar a primeira acepção de coach. "Kocsi" chegou à nossa língua nessa época como "coche", a mesma grafia assumida pela palavra em francês e espanhol.

O termo é tão pouco usado hoje quanto a coisa em si, mas deixou uma marca viva no cocheiro, condutor de coches, seges, diligências, cabriolés, carruagens em geral —e presença quase obrigatória em romances de época.

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Foi no inglês que, no século 19, o coach começou a se desdobrar em novos sentidos. O de vagão de passageiros no transporte ferroviário —e, mais tarde, de ônibus— é uma simples metonímia, algo fácil de compreender. O de tutor e treinador é metafórico e requer explicação.

Cocheiros conduzem carruagens em Nova York (EUA) - Stan Honda - 2.jan.14/AFP

Consta que começou como gíria de estudantes da Universidade de Oxford por volta de 1830 o uso de coach para nomear o professor que, com aulas particulares, ajudava um aluno a se sair bem na temporada de provas.

E o que uma coisa tem a ver com a outra? A ideia é que o coach conduzia, transportava confortavelmente o estudante rumo à aprovação. Como se o levasse de carruagem. Sem o coach, o coitado teria que ir a pé.

Gírias são gírias, costumam ter vida curta. No entanto, três décadas mais tarde, essa acepção tutorial da palavra tinha penetrado com força no vocabulário esportivo. Nascia assim o sentido de coach como treinador, pessoa que prepara atletas para uma competição. E este pegou.

Pegou tanto que, no século 20, a ideia de coaching transbordou aos poucos do mundo do esporte para qualquer outro em que alguma forma de mentoria fosse necessária; o das artes, por exemplo. Até aí, jogo limpo.

Só recentemente o coach degenerou. Surgiram aqueles que apregoam ensinar seus pupilos a serem bem-sucedidos —não numa modalidade esportiva, não numa atividade artística, mas na própria vida. Na busca da riqueza material e da "felicidade".

Espécie de pastor secular, esse tipo agressivo de charlatão que nossa sociedade tem optado por tolerar —como vem tolerando a praga social das bets e o terrorismo dos piromaníacos— é filho de um tempo em que se cruzam duas curvas contrárias, mas amigas.

A curva descendente dos empregos para as novas gerações, numa economia global que cresce cada vez menos, se cruza com a ascendente do individualismo, da satisfação imediata e do hiperconsumo como únicas medidas de valor humano.

Como diria Brás Cubas, dessa terra e desse estrume é que nasceu essa flor.