quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Lúcia Guimarães - Nancy Pelosi decidiu que Biden devia se aposentar, FSP

 A mulher mais poderosa da história política dos Estados Unidos é conhecida por seus planos. Ter um plano pronto sempre foi importante para Nancy Pelosi. Mas, quando resolveu escrever suas memórias, publicadas na semana passada, nem a ex-presidente da Câmara tinha como prever seu papel em virar ao avesso a corrida presidencial americana.

"The Art of Power" (ainda não publicado no Brasil), de Nancy Pelosi, dispensa clichês de marketing de promoção editorial, já que ela orquestrou, com arte impiedosa, a semanas do lançamento do livro, a expulsão do presidente Joe Biden da campanha de 2024.

Na imagem, o presidente Joe Biden está colocando uma medalha no pescoço de uma mulher, que parece emocionada. Ao fundo, há bandeiras dos Estados Unidos e outras pessoas presentes na cerimônia. A mulher está vestindo um paletó azul e tem cabelo castanho claro. O ambiente é formal, com uma decoração elegante
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, entrega a Medalha Presidencial da Liberdade à ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, durante uma cerimônia na Casa Branca, em Washington - Evelyn Hockstein - 3.mai.24/Reuters

Enquanto a nada objetiva imprensa política de Washington raspa o tacho com fontes para recolher elementos de telenovela, nas vésperas da convenção democrata –Biden furioso com Pelosi!; Biden vai faltar ao discurso de Obama em Chicago!– a deputada pela Califórnia mantém uma atitude de distância olímpica ao responder perguntas sobre as extraordinárias últimas semanas desta campanha presidencial.

Não há, na memória política recente, uma arrancada popular como a de Kamala Harris e Tim Walz, a cem dias da eleição. Pelosi, a estrategista, é a primeira a admitir surpresa. Mas, com 84 anos e 19 mandatos, ela é, acima de tudo uma política interessada em vencer eleições. E a aliada de décadas de Biden diz a quem perguntar que não reconhecia mais o presidente, especialmente depois do debate desastroso com Donald Trump.

Pelosi não puxou sozinha o tapete da candidatura Biden em julho, mas foi a mais importante articuladora do desfecho e merece crédito por não se esconder atrás de vazamentos ou terceirizar o empurrão —alô, Obama?

Se a mãe de cinco filhos, filha de um prefeito de Baltimore (Costa Leste) que se elegeu deputada em San Francisco (Costa Oeste), aos 47 anos, não é uma estilista, como seu amigo Barack Obama, ela tem histórias de sobra para contar, como seu papel –que definiu o legado do ex-presidente– em passar o seguro de saúde apelidado de Obamacare, em 2010. Esta colunista é testemunha e foi beneficiada pela mudança em qualidade de vida no acesso ao seguro saúde, graças à obstinação de Nancy Pelosi.

A invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando trumpistas bárbaros incitados pelo ex-presidente, determinados a caçar a deputada, fizeram cocô no seu gabinete, é um episódio no livro que deve informar crônicas sobre a deterioração de democracia americana.

Mas a parte das memórias que mais perturba é o ataque à residência de Pelosi em San Francisco, em outubro de 2022, quando um canadense e trumpista delirante, procurando a deputada, arrombou a porta, atacou seu marido, Paul, a marteladas e quase o matou, demonstrando, depois, surpresa pelo fato de que ele sobreviveu. Pelosi diz que não consegue superar a culpa porque, afinal, era ela o alvo, por sua carreira política, e o ataque traumatizou a família para sempre.

Quando assentar a poeira da atual campanha presidencial, Pelosi deve ser avaliada como uma das mais importantes legisladoras da história política americana –comparável ao brutal e eficaz Lyndon Johnson. No momento, ele é a xerife que corrigiu o curso. Depois de novembro, se o país não escolher o fascismo, ela será lembrada não como uma líder necessariamente querida, mas como uma política que não perdeu tempo em considerar o clichê "primeira mulher" a chegar à liderança da Câmara um obstáculo em seu caminho.

André Roncaglia será diretor-executivo do Brasil no FMI, FSP

 

São Paulo

Ministério da Fazenda anunciou nesta quarta-feira (14) a indicação de André Roncaglia, economista e colunista da Folha, para representar o Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional).

O economista substituirá Afonso Bevilaqua, diretor-executivo do Brasil no FMI desde 2019. O atual diretor manifestou ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a intenção de retornar ao país no fim de agosto.

Homem calvo, jovem, de olhos claros, de terno escuro e camisa branca posa para foto em pé, cm a mão direita no bolso e o braço esquerdo apoiado sobre uma balaustrada, com um prédio envidraçado ao fundo
André Roncaglia, professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP. Colunista do caderno Mercado a partir de 5.1.2023 - Edu Frazão/Divulgação

Roncaglia tem graduação e mestrado pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e doutorado em Economia do Desenvolvimento pela FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).

Lecionou na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e, no início agosto, se tornou professor da UnB (Universidade de Brasília). É pesquisador associado do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).

Transporte marítimo é a fronteira a ser desbravada no avanço global da descarbonização, Ricardo Mussa, FSP

 A corrida mundial contra as mudanças climáticas tem uma grande barreira a superar: a elevada emissão de carbono do transporte marítimo.

Um número inquietante é o da Transport & Environment: os 218 navios de cruzeiro da Europa emitiram mais óxidos de enxofre (SOx) do que 1 bilhão de automóveis em 2022, ou 4,4 vezes mais do que todos os carros do continente. Já uma análise da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, calcula que um grande navio de cruzeiro possa consumir até 304.593 litros de combustível por dia.

Mas os números mais relevantes são os da Organização Marítima Internacional (IMO). Seu levantamento divulgado em 2020 revela que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) do total do transporte marítimo aumentaram de 977 milhões de toneladas em 2012 para 1,076 milhão de toneladas em 2018 (alta de 9,6%).

Ainda que a organização aponte alguns ganhos de eficiência na intensidade de carbono, em indicadores como a quantidade de CO2 emitida pelo navio por quantidade de carga transportada por milhas náuticas, a verdade é que esses avanços têm sido insuficientes na medida em que cresce o comércio global no transporte marítimo.

Promover esse capítulo da transição energética, reduzindo o uso de bunker (óleo combustível marítimo), é extremamente desafiador.

Em toda a tonelagem da frota global de navios, menos de 1% possui motor flex, capaz de receber combustíveis alternativos ou renováveis, segundo a plataforma especializada Clarksons Research.

E qual é a dificuldade?

Imagem do navio Pryx Ocean e suas duas velas para navegação
O navio Pryx Ocean, que tira energia do vento com duas velas - Reprodução/Cargill


Há muita incerteza sobre quais serão as rotas tecnológicas viáveis e quais serão aceitas como "verdes" em um horizonte de 30 a 35 anos, que é a vida útil de navios de carga.

Nesse cenário, as opções de substituição intermediárias drop-in, com um percentual de biodiesel, tendem a ser cada vez mais valiosas no mercado por não demandarem mudanças no motor nem a construção de novas infraestruturas de armazenamento e transporte do combustível. E por indicarem mais eficiência e segurança do que as soluções adotadas atualmente —especialmente a amônia e o metanol.

Há ainda soluções para novos navios graneleiros, como os Cleambus, da Klaveness Combination Carrier, já em produção na Europa e que poderão navegar com até 40% menos emissões de CO2 por tonelada-milha de carga transportada em comparação com navios padrão.

Em paralelo, hubs portuários como Roterdã e Singapura, segundo a LLoyds List intelligence, devem concentrar a maioria das entregas de biocombustíveis misturados em 2025.

O maior navio de contêineres do mundo, o Ever Alot, com 400 metros de comprimento, ao deixar o porto de Roterdã, nos Países Baixos - Remko de Waal/AFP

Esse movimento é positivo. A IMO, aliás, fez uma revisão de sua estratégia e definiu metas para 2030, 2040 e 2050 que exigirão uma guinada para os renováveis, conforme destaca relatório da The Getting to Zero Coalition —aliança de pelo menos 200 empresas e organizações que visam colocar em operação navios comercialmente viáveis, movidos por combustíveis net zero, até 2030.

Para apressar a desejada transição energética nos mares, o desenvolvimento de mais opções de embarcações flex já está em marcha. E, aqui, um velho conhecido do público brasileiro se coloca em posição de exercer protagonismo: o etanol.

O biocombustível de cana-de-açúcar já se mostrou bem-sucedido em testes realizados pela Wärtsilä, empresa finlandesa líder global em tecnologias para o mercado marítimo. A substituição de combustíveis fósseis por etanol no transporte marítimo pode reduzir as emissões de CO2 em até 80% em uma rota padrão do Brasil para a Europa.

É lógico que a descarbonização no setor passa também por medidas complementares, inclusive de gestão, como mitigar a ociosidade de cargas (que pode chegar a até 70% em operações de cabotagem na chamada taxa de retorno do Norte para o Sul do Brasil) a partir, por exemplo, da combinação de cargas líquidas e secas. O uso de combustíveis fósseis enquanto os navios estão atracados nos portos também é um ponto que necessita de uma nova alternativa.

São desafios enormes e oportunidades promissoras que merecem igual senso de prioridade em todos os debates sobre descarbonização.