A mulher mais poderosa da história política dos Estados Unidos é conhecida por seus planos. Ter um plano pronto sempre foi importante para Nancy Pelosi. Mas, quando resolveu escrever suas memórias, publicadas na semana passada, nem a ex-presidente da Câmara tinha como prever seu papel em virar ao avesso a corrida presidencial americana.
"The Art of Power" (ainda não publicado no Brasil), de Nancy Pelosi, dispensa clichês de marketing de promoção editorial, já que ela orquestrou, com arte impiedosa, a semanas do lançamento do livro, a expulsão do presidente Joe Biden da campanha de 2024.
Enquanto a nada objetiva imprensa política de Washington raspa o tacho com fontes para recolher elementos de telenovela, nas vésperas da convenção democrata –Biden furioso com Pelosi!; Biden vai faltar ao discurso de Obama em Chicago!– a deputada pela Califórnia mantém uma atitude de distância olímpica ao responder perguntas sobre as extraordinárias últimas semanas desta campanha presidencial.
Não há, na memória política recente, uma arrancada popular como a de Kamala Harris e Tim Walz, a cem dias da eleição. Pelosi, a estrategista, é a primeira a admitir surpresa. Mas, com 84 anos e 19 mandatos, ela é, acima de tudo uma política interessada em vencer eleições. E a aliada de décadas de Biden diz a quem perguntar que não reconhecia mais o presidente, especialmente depois do debate desastroso com Donald Trump.
Pelosi não puxou sozinha o tapete da candidatura Biden em julho, mas foi a mais importante articuladora do desfecho e merece crédito por não se esconder atrás de vazamentos ou terceirizar o empurrão —alô, Obama?
Se a mãe de cinco filhos, filha de um prefeito de Baltimore (Costa Leste) que se elegeu deputada em San Francisco (Costa Oeste), aos 47 anos, não é uma estilista, como seu amigo Barack Obama, ela tem histórias de sobra para contar, como seu papel –que definiu o legado do ex-presidente– em passar o seguro de saúde apelidado de Obamacare, em 2010. Esta colunista é testemunha e foi beneficiada pela mudança em qualidade de vida no acesso ao seguro saúde, graças à obstinação de Nancy Pelosi.
A invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando trumpistas bárbaros incitados pelo ex-presidente, determinados a caçar a deputada, fizeram cocô no seu gabinete, é um episódio no livro que deve informar crônicas sobre a deterioração de democracia americana.
Mas a parte das memórias que mais perturba é o ataque à residência de Pelosi em San Francisco, em outubro de 2022, quando um canadense e trumpista delirante, procurando a deputada, arrombou a porta, atacou seu marido, Paul, a marteladas e quase o matou, demonstrando, depois, surpresa pelo fato de que ele sobreviveu. Pelosi diz que não consegue superar a culpa porque, afinal, era ela o alvo, por sua carreira política, e o ataque traumatizou a família para sempre.
Quando assentar a poeira da atual campanha presidencial, Pelosi deve ser avaliada como uma das mais importantes legisladoras da história política americana –comparável ao brutal e eficaz Lyndon Johnson. No momento, ele é a xerife que corrigiu o curso. Depois de novembro, se o país não escolher o fascismo, ela será lembrada não como uma líder necessariamente querida, mas como uma política que não perdeu tempo em considerar o clichê "primeira mulher" a chegar à liderança da Câmara um obstáculo em seu caminho.
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