A corrida mundial contra as mudanças climáticas tem uma grande barreira a superar: a elevada emissão de carbono do transporte marítimo.
Um número inquietante é o da Transport & Environment: os 218 navios de cruzeiro da Europa emitiram mais óxidos de enxofre (SOx) do que 1 bilhão de automóveis em 2022, ou 4,4 vezes mais do que todos os carros do continente. Já uma análise da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, calcula que um grande navio de cruzeiro possa consumir até 304.593 litros de combustível por dia.
Mas os números mais relevantes são os da Organização Marítima Internacional (IMO). Seu levantamento divulgado em 2020 revela que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) do total do transporte marítimo aumentaram de 977 milhões de toneladas em 2012 para 1,076 milhão de toneladas em 2018 (alta de 9,6%).
Ainda que a organização aponte alguns ganhos de eficiência na intensidade de carbono, em indicadores como a quantidade de CO2 emitida pelo navio por quantidade de carga transportada por milhas náuticas, a verdade é que esses avanços têm sido insuficientes na medida em que cresce o comércio global no transporte marítimo.
Promover esse capítulo da transição energética, reduzindo o uso de bunker (óleo combustível marítimo), é extremamente desafiador.
Em toda a tonelagem da frota global de navios, menos de 1% possui motor flex, capaz de receber combustíveis alternativos ou renováveis, segundo a plataforma especializada Clarksons Research.
E qual é a dificuldade?
Há muita incerteza sobre quais serão as rotas tecnológicas viáveis e quais serão aceitas como "verdes" em um horizonte de 30 a 35 anos, que é a vida útil de navios de carga.
Nesse cenário, as opções de substituição intermediárias drop-in, com um percentual de biodiesel, tendem a ser cada vez mais valiosas no mercado por não demandarem mudanças no motor nem a construção de novas infraestruturas de armazenamento e transporte do combustível. E por indicarem mais eficiência e segurança do que as soluções adotadas atualmente —especialmente a amônia e o metanol.
Há ainda soluções para novos navios graneleiros, como os Cleambus, da Klaveness Combination Carrier, já em produção na Europa e que poderão navegar com até 40% menos emissões de CO2 por tonelada-milha de carga transportada em comparação com navios padrão.
Em paralelo, hubs portuários como Roterdã e Singapura, segundo a LLoyds List intelligence, devem concentrar a maioria das entregas de biocombustíveis misturados em 2025.
Esse movimento é positivo. A IMO, aliás, fez uma revisão de sua estratégia e definiu metas para 2030, 2040 e 2050 que exigirão uma guinada para os renováveis, conforme destaca relatório da The Getting to Zero Coalition —aliança de pelo menos 200 empresas e organizações que visam colocar em operação navios comercialmente viáveis, movidos por combustíveis net zero, até 2030.
Para apressar a desejada transição energética nos mares, o desenvolvimento de mais opções de embarcações flex já está em marcha. E, aqui, um velho conhecido do público brasileiro se coloca em posição de exercer protagonismo: o etanol.
O biocombustível de cana-de-açúcar já se mostrou bem-sucedido em testes realizados pela Wärtsilä, empresa finlandesa líder global em tecnologias para o mercado marítimo. A substituição de combustíveis fósseis por etanol no transporte marítimo pode reduzir as emissões de CO2 em até 80% em uma rota padrão do Brasil para a Europa.
É lógico que a descarbonização no setor passa também por medidas complementares, inclusive de gestão, como mitigar a ociosidade de cargas (que pode chegar a até 70% em operações de cabotagem na chamada taxa de retorno do Norte para o Sul do Brasil) a partir, por exemplo, da combinação de cargas líquidas e secas. O uso de combustíveis fósseis enquanto os navios estão atracados nos portos também é um ponto que necessita de uma nova alternativa.
São desafios enormes e oportunidades promissoras que merecem igual senso de prioridade em todos os debates sobre descarbonização.
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