domingo, 6 de agosto de 2023

Egomídia: a ascensão dos influenciadores, Ronaldo Lemos - FSP

 A competição que as mídias e marcas tradicionais enfrentam não se resume só às plataformas. Ela abrange também os influenciadores. Se antes o ecossistema das mídias era dominado por canais ou marcas, hoje assistimos à consolidação da "me-media" ou "egomídia", cujo centro é o "eu". Esse é um fenômeno global que não está só na superfície. É o capítulo mais recente do processo de mudança radical das mídias, com consequências estruturais. Mais gente quer consumir conteúdo de pessoas e menos de empresas ou marcas.

No final do ano passado mais de 75% das marcas tinham um orçamento dedicado a pagar influenciadores, conforme artigo da Harvard Business Review. Além disso, o fenômeno tem desdobramentos econômicos, com influenciadores lançando seus próprios produtos e marcas. Nos EUA há influenciadores que lançaram marcas bem-sucedidas de café, moda, cosméticos, delivery e assim por diante.

As vantagens competitivas do marketing de influência são enormes. Por exemplo, baixo custo de aquisição de novos clientes e de conversão de vendas junto a seguidores fiéis. Além disso, como os influenciadores usam seu próprio conteúdo para vender, ganham em eficiência e velocidade. São também multiplataforma, espalhando sua presença por várias redes e canais diferentes.

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No final do ano passado, mais de 75% das marcas tinham um orçamento dedicado a pagar influenciadores - Catarina Pignato

Possuem também uma vantagem pouco discutida: não se sujeitam a praticamente nenhuma regulamentação, regra, ou normas éticas. Podem comunicar de forma agressiva (ou abusiva) e inclusive vender produtos duvidosos ou prejudiciais que não teriam trânsito em mídias tradicionais. Em outras palavras, não há um CONAR dos influenciadores.

Ou melhor, não havia. Nos EUA a Comissão Federal de Comércio refez no início de julho as diretrizes aplicáveis aos influenciadores, tornando-as mais restritivas. A Inglaterra seguiu o mesmo caminho, e criou regras mais duras desde março. Já na União Europeia praticamente todos os países estão avançando na aprovação de leis e códigos de conduta aplicáveis aos influenciadores. A França é o destaque.

Mesmo em meio a uma polarização política profunda, o país aprovou consensualmente no dia 9 de junho uma nova legislação para regular a atuação dos influenciadores (apelidados pejorativamente no país de "infuvoleurs", mistura de influenciador com ladrão em francês). A lei é abrangente e clara. Define como influenciador quem "mobiliza sua notoriedade de forma onerosa para promover bens, serviços ou mensagens políticas".

Proíbe a divulgação de várias atividades por meio de marketing de influência. Por exemplo, procedimentos estéticos, incluindo cirurgia plástica, produtos falsificados, produtos com nicotina, apostas e jogos de azar em plataformas que possam ser acessadas por crianças. Nesse caso, as plataformas precisam estar inscritas e certificadas pelo governo francês. As penas para o descumprimento são de 2 anos de prisão e multa de 300 mil euros (cerca de R$ 1,6 milhão). Além disso, os influenciadores precisam seguir o Código de Defesa do Consumidor e de Propriedade Industrial, dentre outras diretrizes estabelecidas pela própria lei.

No Brasil não há legislação específica sobre o tema. Ele também ficou ausente do texto da chamada Lei das Fake News, atualmente no Congresso. Mesmo assim, o judiciário brasileiro está em pé de guerra contra vários influenciadores. Não são poucos os casos com pedidos de suspensão de contas de influenciadores. Para evitar casuísmos, melhor seria que as regras para decisões como essas estivessem bem-estabelecidas e fossem claras, como outros países vêm fazendo.

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sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Governadores e bandidos, Luís Francisco Carvalho Filho, FSP

 Apesar da polaridade política, há pelo menos um indicador que, concretamente, unifica a governança brasileira. A violência contra presos, criminosos e suspeitos, descontadas as honrosas e episódicas exceções.

Semana sangrenta, parece campeonato.

Desde domingo, a operação da PM na Baixada Santista, em São Paulo, organizada como resposta vingativa ao homicídio de um soldado da Rota, contabiliza (por enquanto) 16 mortos –entre eles, o pedreiro, o indigente, o garçom.

Na quarta-feira, dez pessoas foram mortas a bala em operação da Polícia Civil e da PM no Rio de Janeiro.

Caveirão da polícia do Rio que levava dois corpos de mortos em operação no Complexo de Israel - Eduardo Anizelli - 2.ago.23/Folhapress

Ainda no domingo, na zona rural de Itatim, Bahiaação da PM deixou oito cadáveres, dois adolescentes. Em 2022, houve apenas um homicídio no município.

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Os responsáveis pelas operações não se intimidam. Dizem agir conforme a lei e lamentam as mortes que acontecem em confrontos. A culpa é dos bandidos, que ostentam ou não antecedentes criminais. Se indício de abuso policial surgir, será investigado: é o que se promete e o que nunca se cumpre.

O Brasil se acostumou a maus-tratos e morticínios em favelas e presídios. Os policiais que matam continuam nas ruas. A suspeita justifica tudo.

Bolsonarista de carteirinha, o governador de São Paulo saúda, bravamente, a matança de Guarujá, como dano colateral corriqueiro e compreensível na guerra travada contra o crime.

A Bahia é governada pelo PT desde 2007. O Rio de Janeiro é sempre destaque. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os dois estados concentram mais de 43% dos abatidos.

O país registrou no ano passado uma pequena redução (1%) no número de mortos em intervenções policiais. Mas é muita gente, 6.429 pessoas, 17 por dia, a grande maioria formada por jovens e negros.

O noticiário da semana mostra, ainda, a constrangedora informação de que na penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, estado governado por petistas, os "custodiados" não têm direito a papel higiênico. O item é perigoso. Nele se pode escrever. Pode virar "massa" para ocultar objetos e esconderijos, como nos filmes sobre Alcatraz.

Depois de anos e anos, com avanços e recuos e muita resistência corporativa, tentando estabelecer, bem ou mal, protocolos para a redução do número de mortos em confronto, o enfrentamento ao crime em São Paulo sofre uma perigosa inflexão ideológica sob o comando de Tarcísio.

A homenagem política ao coronel Erasmo Dias, expoente da repressão durante a ditadura militar, faz parte da sinalização. O governador chafurda no mesmo chiqueiro golpista e miliciano do ex-presidente Bolsonaro, defensor perpétuo da tortura e da impunidade do policial corrupto e assassino.

O homem escolhido pelo governador para comandar as polícias paulistas, como mostra reportagem da Folha, não escondia o orgulho de ser matador de "ladrão".

Há caminhos institucionais para a redução da letalidade policial, entre eles a generalização do uso de câmeras nos uniformes. O tempo passa e as referências humanistas e republicanas para o combate da criminalidade vão ficando para trás, como um instrumental fora de moda.

Independentemente da cor ideológica, há governadores que fecham os olhos diante da violência policial sistemática e pandêmica para não criar arestas políticas.

Há governadores que fazem da licença para matar uma política pública.

Em matéria de resultado, para quem mata e para quem morre, a diferença é aparentemente nenhuma.


Críticas ao Pix, IR de 60%, exploração do espaço sideral: as visões polêmicas de Marcio Pochmann, OESP

 BRASÍLIA – A confirmação do economista Marcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demanda expressa do Planalto, sofreu resistências do Ministério do Planejamento e duras críticas de economistas mais ortodoxos.

Marcio Pochmann, próximo ao PT e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dá aulas na Unicamp, escola de linha econômica majoritariamente heterodoxa. Também foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre o fim do segundo mandato de Lula e o começo do primeiro de Dilma Rousseff. Pochmann sofreu amplas críticas em sua gestão no Ipea, classificada por muitos como intervencionista e ideológica.

Veja a seguir alguns dos posicionamentos mais polêmicos e controversos de Pochmann:

Nomeação de Pochmann para o IBGE foi amplamente criticada por economistas liberais.
Nomeação de Pochmann para o IBGE foi amplamente criticada por economistas liberais. Foto: Nilton Fukuda

Críticas ao Pix

Pochmann se mostrou crítico ao Pix, meio de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central – e que, apenas seis meses após ser lançado, ultrapassou transações de TED, DOC e boleto no País.

No dia 13 de outubro de 2020, o economista publicou no Twitter que, com o Pix, o Banco Central dava “mais um passo na via neocolonial”. “Na sequência vem a abertura financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição perfeita ao protetorado dos EUA”, escreveu.

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Alíquota de até 60% para o IR

Durante o seu mandato à frente do Ipea, Pochmann defendeu uma reforma tributária que acabasse com o Pis e a Cofins, dois tributos federais que incidem sobre o consumo, e que criasse um novo sistema do Imposto de Renda, com 12 faixas de cobrança, em vez das duas existentes à época. O modelo previa a cobrança de uma alíquota de 60% para quem tinha renda superior a R$ 50 mil mensais. Além disso, haveria a cobrança de 1% de imposto sobre grandes fortunas.

Exploração do espaço sideral

Em entrevista à Reuters em setembro de 2021, Pochmann afirmou que o Brasil deveria apostar na geração de riqueza em frentes às quais dedica pouca ou nenhuma atenção, começando pela exploração do “espaço sideral”.

“Brasil não tem GPS. Como podemos dizer que Brasil é país autônomo quando todo seu sistema de informação e comunicação vinculado ao espaço sideral, portanto à internet, depende de empresas que não são brasileiras?”, afirmou.

Na mesma entrevista, Pochmann criticou a concentração do debate econômico à época em temas como a manutenção ou não do teto de gastos e a alta da inflação. “Não quero menosprezar o problema da inflação, sobretudo num País como o nosso, mas estabilizemos a inflação e daí? O que acontecerá? Espontaneamente virão os investimentos? Da onde? Em que setores?”, disse.

Críticas às reformas trabalhista e previdenciária

No mês passado, Pochmann usou as redes sociais para criticar as reformas trabalhista (realizada no governo do ex-presidente Michel Temer) e previdenciária (aprovada durante a gestão de Jair Bolsonaro). Segundo ele, as mudanças nas leis e o “fiscalismo” colapsaram o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Em 2018, durante a campanha presidencial, Pochmann foi um dos responsáveis pelo programa de governo de Lula, que acabou sendo substituído por Fernando Haddad. Em entrevista ao Estadão, à época, afirmou que a Previdência não precisava de uma reformulação geral, apenas ajustes pontuais. Também se disse favorável à revisão da reforma trabalhista, destacou que a Petrobras precisava ter “compromisso com o País” e defendeu uma lei para regulamentar os meios de comunicação.

Jornada de trabalho de 4 horas

Pochmann também defendeu que os ganhos de produtividade obtidos pelo mundo do trabalho já permitiam que a jornada dos trabalhadores pudesse ser de quatro horas por dia, em três dias por semana – o que ajudaria a resolver problemas sociais. “Há singularidade do trabalho hoje: os ganhos de produtividade foram muito significativos e há condições técnicas para reduzir a jornada, sem comprometer o desempenho”, afirmou.

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“Os empresários podem argumentar que não há espaço para redução, assim como no início do século XX muitos não entendiam que a jornada de 14 horas por dia diminuía a produtividade e provocava uma série de doenças no trabalhador”, exemplificou.