Apesar da polaridade política, há pelo menos um indicador que, concretamente, unifica a governança brasileira. A violência contra presos, criminosos e suspeitos, descontadas as honrosas e episódicas exceções.
Semana sangrenta, parece campeonato.
Desde domingo, a operação da PM na Baixada Santista, em São Paulo, organizada como resposta vingativa ao homicídio de um soldado da Rota, contabiliza (por enquanto) 16 mortos –entre eles, o pedreiro, o indigente, o garçom.
Na quarta-feira, dez pessoas foram mortas a bala em operação da Polícia Civil e da PM no Rio de Janeiro.
Ainda no domingo, na zona rural de Itatim, Bahia, ação da PM deixou oito cadáveres, dois adolescentes. Em 2022, houve apenas um homicídio no município.
Os responsáveis pelas operações não se intimidam. Dizem agir conforme a lei e lamentam as mortes que acontecem em confrontos. A culpa é dos bandidos, que ostentam ou não antecedentes criminais. Se indício de abuso policial surgir, será investigado: é o que se promete e o que nunca se cumpre.
O Brasil se acostumou a maus-tratos e morticínios em favelas e presídios. Os policiais que matam continuam nas ruas. A suspeita justifica tudo.
Bolsonarista de carteirinha, o governador de São Paulo saúda, bravamente, a matança de Guarujá, como dano colateral corriqueiro e compreensível na guerra travada contra o crime.
A Bahia é governada pelo PT desde 2007. O Rio de Janeiro é sempre destaque. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os dois estados concentram mais de 43% dos abatidos.
O país registrou no ano passado uma pequena redução (1%) no número de mortos em intervenções policiais. Mas é muita gente, 6.429 pessoas, 17 por dia, a grande maioria formada por jovens e negros.
O noticiário da semana mostra, ainda, a constrangedora informação de que na penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, estado governado por petistas, os "custodiados" não têm direito a papel higiênico. O item é perigoso. Nele se pode escrever. Pode virar "massa" para ocultar objetos e esconderijos, como nos filmes sobre Alcatraz.
Depois de anos e anos, com avanços e recuos e muita resistência corporativa, tentando estabelecer, bem ou mal, protocolos para a redução do número de mortos em confronto, o enfrentamento ao crime em São Paulo sofre uma perigosa inflexão ideológica sob o comando de Tarcísio.
A homenagem política ao coronel Erasmo Dias, expoente da repressão durante a ditadura militar, faz parte da sinalização. O governador chafurda no mesmo chiqueiro golpista e miliciano do ex-presidente Bolsonaro, defensor perpétuo da tortura e da impunidade do policial corrupto e assassino.
O homem escolhido pelo governador para comandar as polícias paulistas, como mostra reportagem da Folha, não escondia o orgulho de ser matador de "ladrão".
Há caminhos institucionais para a redução da letalidade policial, entre eles a generalização do uso de câmeras nos uniformes. O tempo passa e as referências humanistas e republicanas para o combate da criminalidade vão ficando para trás, como um instrumental fora de moda.
Independentemente da cor ideológica, há governadores que fecham os olhos diante da violência policial sistemática e pandêmica para não criar arestas políticas.
Há governadores que fazem da licença para matar uma política pública.
Em matéria de resultado, para quem mata e para quem morre, a diferença é aparentemente nenhuma.
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