terça-feira, 8 de novembro de 2022

Produção agropecuária fica mais cara neste ano, mas ainda há lucro, Mauro Zafalon - FSP

 

O ano de 2022 está sendo bastante diferente dos anteriores. Produzir ficou bem mais caro, mas os lucros não deixaram de vir para boa parte das atividades agropecuárias brasileiras.

Eventos climáticos adversos, que afetaram de forma diferente as diversas regiões produtivas do país, e os efeitos externos, que trouxeram forte aceleração nos preços dos insumos, estão sendo os principais desafios para o campo.

Os custos vieram dos fertilizantes, dos agroquímicos, do diesel, da energia elétrica, da ração e, para algumas atividades como a do café, também da mão de obra.

Pulverização em lavoura de soja
Pulverização em lavoura de soja no Mato Grosso - Folhapress

A demanda externa ainda elevada e as dificuldades na reposição dos estoques mundiais de grãos, principalmente devido a questões geopolíticas envolvendo Rússia e Ucrânia, mantiveram os preços das commodities em alta.

Grandes fornecedores de grãos e de óleos vegetais para o mercado internacional, Ucrânia e Rússia ajudaram a manter os preços aquecidos, mas a guerra entre elas provocou forte aceleração dos custos de produção, devido à importância da Rússia no fornecimento de fertilizantes.

O próximo ano não será menos desafiador. Os custos de produção continuam elevados, e a recessão mundial afeta a demanda por vários produtos do agronegócio.

PUBLICIDADE

Com relação aos preços para os produtos nacionais, a expectativa é de um reajuste para baixo no mercado internacional, mas sem grandes mudanças porque os estoques ainda estão sendo repostos.

Para avaliar o cenário vivido pelo produtor brasileiro neste ano e as perspectivas para 2023, o Projeto Campo Futuro, parceira do Sistema Cenar/CNA com departamentos de universidades como USP, Federal de Viçosa e Federal de Lavras, pesquisou 11 atividades agropecuárias em 116 municípios de 21 estados.

Entre os aumentos dos custos, a liderança fica com os fertilizantes, que participaram com um percentual bem maior neste ano no COE (Custo Operacional Efetivo).

Nesse embate de custos, preços e receitas, os produtos que levam vantagens ganham mais espaço. É o caso da soja e milho, que vêm ocupando áreas maiores.

A soja teve custo operacional efetivo 35% maior neste ano, com queda de 8,3% na receita bruta, em relação a 2020/21, quando o custo era menor, e a receita, maior.

O preço médio da soja aumentou 38%; e a receita média bruta, apesar da queda de produtividade, subiu 17,8%. Das 26 regiões pesquisadas, apenas duas tiveram margens bruta e líquida negativas.

Para o próximo ano, os pontos positivos para a soja são a continuidade da demanda, estoques abaixo da média e óleos vegetais em alta. O ponto negativo poderá vir de uma desaceleração econômica.

A cultura do milho teve alta de 31,1% no custo médio na safra de verão e de 56,7% na de inverno. A receita bruta caiu 7%.

Para 2023, as incertezas vêm de possíveis efeitos climáticos, dúvidas sobre o acordo de exportações entre Rússia e Ucrânia e demanda internacional.

Os preços do café subiram 42% na safra 2021/22, mas os custos tiveram elevação de 63%. Os fertilizantes participaram com 35% dos custos operacionais efetivos, enquanto a mão de obra ficou com 28%.

Em 2023, a queda nos estoques mundiais pode dar sustentabilidade aos preços, mas há uma recuperação da produção em alguns países. A alta de custo e as demandas da Europa e dos EUA vão definir receitas.

No caso dos suínos, apenas 36% das regiões pesquisadas apresentaram margem líquida neste ano. As esperanças são boas vendas neste final de ano e aumento do poder de compra dos consumidores.

A avicultura de corte não conseguiu arcar com os custos fixos, ocorrendo prejuízos no setor. Para este final de ano, é esperada uma alta nas exportações e uma oferta interna menor.

O arroz, que perde espaço na área semeada, teve alta de 20,3% nos custos operacionais efetivos e queda de 19% nas receitas brutas. Com a mesma tendência, a cultura do feijão passou por um aumento de 31,3% nos custos nas duas primeiras safras, mas teve recuo de 44,5% na receita bruta.

As receitas na pecuária de cria e engorda caíram 9,7% nos últimos 12 meses, enquanto 5 das 12 regiões pesquisadas com a atividade leiteira tiveram margem líquida negativa.

O trigo, com safra recorde e preços em alta, obteve margem bruta positiva em todas as regiões avaliadas pelo Projeto Campo Futuro. Porém, o custo médio de produção, com alta de 34%, inibiu o aumento líquido das receitas.


Democratas americanos não esqueceram nada e não aprenderam nada, João Pereira Coutinho - FSP

 1. As notícias da morte de Donald Trump foram manifestamente exageradas. É a primeira conclusão no dia em que os americanos votam nas midterms.

Depois de perder as presidenciais em 2020 e de ter galvanizado as tropas para a espantosa invasão do Capitólio, eis que o velho Donald pode retomar a controle do Congresso com mini-Trumps feitos à sua imagem e semelhança.

O Donald, lógico, espera por bons resultados para anunciar a sua candidatura para 2024.

Existem duas formas de explicar o fenômeno. A primeira, cultivada pela sabedoria instalada, é afirmar que metade da América é racista, fascista e homofóbica —e sentir aquele prazer intelectual que é muito comum nas pessoas que só pensam com metade do cérebro.

"Um camaleão repousa sobre uma cápsula de remédio. As metades da cápsula são vermelha e branca. O camaleão também tem seu corpo dividido nessas duas cores, no entanto, a ordem das cores estão invertidas em relação às da cápsula, como no símbolo chinês do Yin/Yang."
Ilustração de Angelo Abu para a coluna do João Pereira Coutinho - Folhapress


A outra é procurar razões para a sobrevivência do trumpismo usando o cérebro todo.

PUBLICIDADE

É isso que faz Ruy Teixeira na revista (de esquerda) Atlantic. Ponto prévio: Teixeira é um dos raros cientistas políticos americanos que, em matérias eleitorais, eu leio com atenção.

Tese dele: os democratas afastam-se irremediavelmente da sua base tradicional —a classe trabalhadora branca, mas não só branca: os hispânicos também saltam do barco— e optam por temas que só satisfazem as elites culturais e acadêmicas.

Nas eleições de hoje, elegeram o aborto (são a favor), as armas (contra) e a defesa da democracia (contra Trump), mas as preocupações da maioria estão na economia, na inflação e no crime.

Os democratas pagaram caro esse descaso em 2016 e corrigiram a soberba em 2018, nas midterms daquele ano: Teixeira demonstra que a vitória da esquerda na Câmara dos Representantes se deveu a uma recuperação do voto entre os trabalhadores rurais, descontentes com as falsas promessas de Trump e finalmente escutados pelos democratas moderados.

Essa tendência se manteve nas eleições presidenciais de 2020, garantindo vitórias decisivas em Michigan, na Pensilvânia e no Wisconsin —e surpresas no Arizona e na Geórgia. Mas foram vitórias tangenciais, relembra Teixeira, facilmente reversíveis em época de crise.

A crise chegou e, perante ela, os democratas retornam ao lugar do crime —a retórica sobre "o cesto dos deploráveis", que tão bons resultados deu com a nossa Hillary —deixando os temas relevantes para a direita trumpista.

Como se dizia dos antigos Bourbons, não esqueceram nada e não aprenderam nada.

2. Sou o Zelig dos sotaques. Sim, Zelig, aquele personagem de Woody Allen que mudava a sua fisionomia dependendo das companhias. Como se fosse um camaleão humano.

Foi minha mulher quem detectou o problema quando eu recebia um entregador da Uber Eats. O rapaz era indiano. Eu falava inglês com ele, mas com sotaque indiano. Fazia lembrar Apu, o desenho animado dos "Simpsons".

Não era a primeira vez. Com estafetas brasileiros, o mesmo problema: eu, falando a língua de Camões, mas com ligeiro sotaque carioca.

Isso é ofensivo, disse ela, que desconfiava de intenções malévolas. Defendi-me com vigor: era apenas para ser bem compreendido, nunca para ofender.

Mas depois meditei. Não é apenas com sotaques estrangeiros que meu Zelig gutural se manifesta. Em Portugal, é a mesma coisa, dependendo da geografia. No Alentejo, falo como um alentejano. Em Lisboa, como um lisboeta. Até nos Açores falo como um açoriano, o que não deixa de ser um feito digno de medalha olímpica.

Não sei o que diria um psicanalista deste distúrbio. Mas desconfio que meu mimetismo é produto de uma simpatia doentia. Terei cura?

Pergunta errada. A pergunta certa é saber se não haverá no meu caso uma base genética a ser estudada pela ciência. A falta de empatia pode ser tão letal como a ansiedade e a depressão, sobretudo em tempos de polarização política.

Agora imaginemos o milagre: um comprimido que permitisse a qualquer pessoa mimetizar as ideias reaças ou esquerdistas daquele membro da família que se tornou insuportável nos almoços de domingo.

Antes do repasto, você tomava uma dose. Depois, durante quatro horas, poderia falar as mesmas besteiras que ele. Sem esforço e até com alegria.

Passado o efeito, você regressava à sua condição normal, já em casa, longe daquele tio ou primo.

Quantas famílias não seriam salvas com uma pequena ajuda da indústria farmacêutica?

Lula pode usar decisão do STF sobre renda mínima para bancar Bolsa Família de R$ 600 em 2023 sem PEC, OESP

 O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi aconselhado a usar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a regulamentação da lei que institui a renda básica para pagar o Auxílio Brasil (que deve voltar a chamar Bolsa Família) de R$ 600 a partir de 2023 sem precisar de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ter sido aprovada.

Essa alternativa, discutida entre ministros do STF e o presidente eleito, é a quarta proposta na mesa apresentada à equipe de transição.

Em decisão proferida em 2021, o STF obrigou o governo a pagar uma renda básica da cidadania com base na lei 10.835 de 2004 de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy que nunca tinha sido regulamentada. Pela decisão na época, o benefício deveria começar a ser pago a partir de 2022. A ação foi ajuizada pela Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul em nome de um morador de rua. Nenhum dos 11 ministros do Supremo votou contra a regulamentação. O relator do processo foi o ministro do STF Gilmar Mendes.

Em 2021, o STF obrigou o governo a pagar uma renda básica da cidadania com base na lei 10.835 de 2004, que nunca tinha sido regulamentada. Pela decisão, o benefício deveria começar a ser pago a partir de 2022
Em 2021, o STF obrigou o governo a pagar uma renda básica da cidadania com base na lei 10.835 de 2004, que nunca tinha sido regulamentada. Pela decisão, o benefício deveria começar a ser pago a partir de 2022 Foto: Dida Sampaio/Estadão

A lei brasileira, esquecida na gaveta por quase duas décadas, institui por etapas a renda básica de cidadania, começando pelos mais necessitados, até se tornar universal. A expectativa agora é que o Executivo planeje as etapas seguintes até chegar à renda básica universal e incondicional.

O argumento que foi colocado na mesa é que o governo eleito poderá fazer esse pagamento via crédito extraordinário, despesa que fica fora do teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação). O governo Bolsonaro alegou que cumpriu a decisão com a zeragem da fila do benefício.

Continua após a publicidade

Segundo apurou o Estadão, essa possibilidade foi citada, sem entrar em detalhes, na reunião de ontem de Lula com integrantes da equipe de transição, coordenada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Essa porta de saída via decisão do STF para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 foi deixada aberta para Lula, mas a equação do presidente eleito é apostar na conversa com o Congresso e tentar resolver na política antes da decisão final sobre o caminho a ser seguido.

Uma fonte da equipe disse ao Estadão que, para resolver o problema urgente do pagamento do benefício social, o STF precisaria ser explícito quanto à possibilidade de transcender todas as regras fiscais: teto de gastos, regra de ouro e meta de resultado primário. Isso para não ficar a insegurança jurídica, preocupação que ronda a equipe.

A estratégia até agora tem sido de seguir por dois caminhos: negociação de uma PEC ampla para abrir caminho às principais promessas de campanha e fazer ao mesmo tempo uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para ver a possibilidade jurídica de fazer o pagamento do Auxílio em janeiro sem precisar da aprovação da PEC. Uma proposta não exclui a outra.

Antes da chegada de Lula hoje em Brasília, estão previstas uma série de reuniões da equipe de transição com o comando da Câmara, Senado e da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e lideranças partidárias.

Na reunião de ontem, os técnicos apresentaram o custo das principais promessas de campanha, mas o ponto destacado por Lula na reunião foi o de que ele precisa ter as informações para que todos (inclusive a imprensa) entendam as razões do que vai ser executado de despesas e com quais finalidades.

Lula reforçou a necessidade na aposta do diálogo política para discutir com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que a proposta seja devidamente construída e não haja ruídos. No fim do dia de hoje, se espera o resultado dessas conversas para fechar o texto.

A sugestão de usar a decisão do STF se junta a outras três propostas:

Continua após a publicidade

1) Aprovar a PEC da transição ampla, que afastaria as regras fiscais para pagar o Bolsa Família, permitindo a edição de um crédito extraordinário

2) Consulta ao TCU para editar uma Medida Provisória com crédito extraordinário no início do ano que vem sem precisar da regra fiscal

3) Consulta ao TCU para de usar o orçamento do Auxílio Brasil já previsto para pagar R$ 405. Essa solução segura o pagamento por oito meses, o que necessitaria de uma PEC mais para frente. Mas daria tempo para uma negociação.

Política

A discussão orçamentária para acomodar as promessas de campanha de Lula e permitir o aumento de gastos em 2023 está envolvida na disputa política para as presidências da Câmara e do Senado e na manutenção ou não do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão que consiste na transferência de verba a parlamentares sem critérios de transferência em troca de apoio político.

Na política, quem é a favor da PEC está se articulando ao presidente da Câmara para a proposta passar ainda neste ano, e acha que a chance é antes da eleição das mesas do Congresso, porque o comando atual tem que mostrar boa vontade. Quem é contra acha que não dá pra ficar na mão do Centrão.