segunda-feira, 18 de julho de 2022

Bolsonaro foi incapaz de institucionalizar projeto autoritário da mesma forma que Trump ou Maduro, Mathias Alencastro ,FSP

 Os acontecimentos das últimas semanas dissiparam as dúvidas dos mais céticos sobre o caráter golpista da campanha de Bolsonaro. Para apreender essa situação excepcional, tornou-se comum desenhar paralelos com outros casos internacionais.

Um sem-número de autores já estabeleceu a relação entre a estratégia de Jair Bolsonaro e a de Donald Trump, enquanto outros optam por comparar a situação do Estado brasileiro com a do venezuelano.

Ambos os exercícios são persuasivos e relevantes. No entanto, nas comparações, as diferenças importam tanto como as semelhanças.

O então presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do mandatário brasileiro, Jair Bolsonaro, em evento na Flórida em 2020 - Alan Santos/Palácio do Planalto

Praticamente todas as análises sobre a relação entre Bolsonaro e Trump omitem uma diferença: o papel do Partido Republicano na formação, sustentação e transformação do trumpismo. O principal feito político de Trump não foi vencer a Presidência, para a qual bastou-lhe conquistar o colégio eleitoral, mas ganhar as prévias do Partido Republicano e, sobretudo, colonizá-lo ideologicamente como nenhuma outra liderança desde Ronald Reagan. No jogo bipartidário, quem controla o partido controla o campo político no seu todo.

No entanto, o controle do partido pode ter sido insuficiente para garantir a sobrevida de Trump e do seu projeto político. Hoje, pela primeira vez desde a sua derrota nas urnas em 2020, a parte do eleitorado republicano que apoia uma nova candidatura de Trump caiu abaixo dos 50%Ron DeSantis, o governador da Flórida, surge como o herdeiro desse voto ideológico ao apostar na distinção crescente entre Trump e trumpismo dentro do partido.

A ausência de base partidária de Bolsonaro, que sempre vagueou entre legendas e fracassou miseravelmente quando tentou criar a Aliança pelo Brasil, deve ser sempre levada em consideração na hora de avaliar a sua resiliência política pós-eleição.

O paralelo entre Brasil e Venezuela é ainda mais difícil de sustentar, por causa do papel do petróleo. Está caracterizado na ciência política que nos petro-Estados, onde a maioria absoluta da renda deriva de um recurso controlado pelo Estado, o governante tem uma capacidade de acumular e distribuir poder e prebendas.

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Essa característica tornou a militarização dos regimes fundamentalmente distinta. No Brasil, os militares ocuparam setores estratégicos do Estado sem, no entanto, se assenhorearem de partes consideráveis do setor produtivo.

Na Venezuela, os militares assumiram o setor produtivo graças à intervenção do Estado. Tornou-se comum ver generais criando empresas privadas ou se sentando nos conselhos de administração de empresas que trabalham diretamente com o poder público.

A acumulação de riqueza possibilitada pelo petro-Estado serviu de incentivo para os militares ficarem ao lado de Maduro mesmo nos momentos mais críticos.

Está claro que Bolsonaro foi incapaz de institucionalizar o seu projeto autoritário com as mesmas ferramentas de Trump ou de Maduro. Isso não o torna menos perigoso ou hostil. Mas ainda é preciso determinar em que medida ele foi capaz de se apropriar do aparelho do Estado por outros meios. Porque uma coisa é certa: nenhum autoritário vive só de ideologia e internet.

Elogio da brevidade, Jornal da Unicamp

 Após submeter várias cidades-estado da Grécia, Filipe da Macedônia teria indagado aos líderes de Esparta se eles o receberiam como amigo ou inimigo. Nenhum dos dois, responderam. Irritado, enviou uma nova mensagem: “Se eu invadir a Lacônia, irei destruí-los”. Os espartanos responderam com uma palavra: Se.

O efeito literário da brevidade apreende-se em passagens como essa, encontrada em Plutarco. Seu efeito salutar para a vida é percebido com igual facilidade. Por exemplo, nas ocasiões - raras, mas atestadas - em que uma reunião acaba antes do previsto, todos os itens de pauta satisfatoriamente encaminhados. A memória involuntária nos faz reviver o prazer juvenil de descobrir que as aulas foram suspensas e teremos a tarde livre para olhar os lírios dos campos, seguir um batalhão de fuzileiros ou chutar tampinhas.

Admiradores de Montaigne, Proust e  Nava sabem que digressões podem ser ocasiões de sublimes descobertas, como ao deixar a rodovia principal para visitar uma capela setecentista perdida em algum pasto mineiro. Menos interessante é a sensação de que o ônibus fará um longo desvio por estradas ruins em razão da queda de uma barreira, e nos atrasaremos para o compromisso importante ou o retorno ao lar. É o pesadelo da falta de objetividade, o mesmo que nos provocam os discursadores de reuniões e os escritores frios e empolados.

Ler passagens inúteis ou frases sobrecarregadas de filler words é uma experiência à qual rotineiramente nos submetemos como avaliadores de trabalhos acadêmicos, nem sempre conscientes de que incorremos no mesmo erro em nossa escrita. Em nosso métier, a objetividade é uma virtude a ser conquistada palmo a palmo. Ela é obtida por um processo - a edição do texto - hoje facilitado pela tecnologia; mas tal processo será sempre laborioso. “O que se escreve com facilidade lê-se com dificuldade, e vice-versa” seria a primeira máxima a memorizar (a segunda: "quem não souber cortar nunca saberá escrever"). Editar o próprio texto é uma tarefa incansável, a ser delegada, a partir de certo ponto, ao amigo atento ou a um profissional. O bom amigo será impiedoso, quando convocado a colaborar na faina de simplificar nossa escrita. O bom profissional deve ser igualmente incisivo. Pensando nesses casos,  formulei as considerações abaixo.

Elogio da brevidade
“Paisagem”, por Thomaz Perina (1982). Crédito: Acervo do Museu de Artes Visuais da Unicamp (MAV)**

Um texto se beneficia de uma linguagem correta, clara e concisa. Podemos pensar em quatro etapas para uma revisão eficiente, cada uma com um propósito específico.

1. Em um nível mais básico, trata-se de observar detalhes de digitação e parâmetros consensuais de formatação, como margens, tipologia, maiúsculas, itálicos, etc.

2. A vernaculidade implica a adequação às normas ortográficas, verificação de concordância e regência, uso correto da crase, pontuação etc. A norma padrão deve ser pensada com vistas à clareza do texto: sem obsessões puristas, mas com atenção ao que pode produzir ruídos na leitura.

3. Sendo a clareza o parâmetro principal, o revisor deve tentar neutralizar tudo aquilo que possa prejudicar a compreensão, a começar pelos desvios normativos aludidos. Cabe evitar construções ambíguas ou pouco fluentes, comuns em períodos muito longos, e um vocabulário impreciso ou demasiadamente especializado. Colabora de modo especial para um discurso inteligível a escolha consciente de termos correntes pertinentes (usitatis uerbis et propriis). Correntes seriam os termos presentes na linguagem cotidiana; pertinentes, os que pertencem de modo especial ao assunto de que tratamos. Deve-se tentar encontrar um termo preciso porém acessível ao leitor. Por exemplo, dizer que um professor “participou” de uma pesquisa com medicamentos não é tão adequado quanto dizer que ele “colaborou” com ela (distinguindo-o dos voluntários que testaram o medicamento). Áreas científicas dependem de um léxico muito específico, que torna possível descrever seus aspectos técnicos; o leitor assimila mais facilmente essa dimensão específica quando o autor efetua a mediação entre o vocabulário técnico e uma terminologia mais usual, por meio de apostos, notas, etc.

4. Observe-se que um vocabulário pertinente pode conferir força ao texto. Assim, dizemos que o navio zarpou (e não partiu) após içadas as velas (não terem sido levantadas) etc. O vocabulário adequado também pode promover economia. No lugar de dizer que fulano “conversou com alguém para convencê-lo a não fazer algo”, pode-se dizer que ele “o dissuadiu” ou “o demoveu”. Outros exemplos: “os soldados marcharam” (andaram em formação), “fulano foi conivente com o ato” (não participou dele, mas tampouco o impediu), “alguém desplugou o cabo” (tirou-o da tomada) etc. 

Pode-se obter brevidade eliminando frases. Se digo que voltei de um lugar, se entenderá que partira para lá. No lugar de narrar um evento com frases separadas, repetindo elementos, pode-se agrupá-las em um mesmo período.

  • “À tarde, Simão veio de Atenas a Megara; quando chegou a Megara, preparou uma cilada para a donzela; depois que preparou a cilada, tomou-a à força ali mesmo” (28 palavras).
  • “Tendo vindo à tarde de Atenas para Megara, Simão preparou uma cilada à donzela e ali mesmo a tomou à força” (21 palavras).

O exemplo acima veio da Retórica a Herênio V (I. a.C). A diferença no número de palavras (7) pode parecer pequena, mas corresponde a 25% do trecho. Vejamos aquele proposto por W. Strunk e E. B. White (Elements of Style, 1935):

  • “Macbeth era muito ambicioso. Isso o fez desejar ser rei da Escócia. As bruxas contaram a ele que esse desejo se realizaria. O rei da Escócia à época era Duncan. Encorajado por sua esposa, Macbeth assassinou Duncan. Isso tornou possível a ele, então, suceder a Duncan como rei.” (48 palavras)
  • “Encorajado por sua esposa, Macbeth realizou sua ambição e a predição das bruxas, assassinando Duncan e tornando-se rei da Escócia em seu lugar.” (23)

O discurso ganha se contido pelas balizas do necessário e do suficiente: a falta o deixa incompleto, o excesso obscurece o assunto. Um defeito compromete a integridade do texto, o outro, sua clareza. "E é  preferível deixar de lado não só o que atrapalha, mas também aquilo que, mesmo não atrapalhando, em nada ajuda” (Retórica a Herênio). Strunk e White fornecem o mantra do escritor que aspira à eficácia: OMIT NEEDLESS WORDS.  Citemos o trecho mais amplamente:

Omita palavras desnecessárias – Uma escrita vigorosa é concisa. Uma sentença não deve conter palavras desnecessárias, um parágrafo não deve conter sentenças desnecessárias, pela mesma razão que um desenho não deve conter linhas desnecessárias e uma máquina, peças desnecessárias. Isso não nos obriga a usar apenas sentenças curtas, ou evitar detalhes, abordando os temas apenas em linhas gerais, mas a ter consciência de que cada palavra conta. Muitas expressões de uso comum violam esse princípio.

não há qualquer dúvida de que sem dúvida que
usado com o objetivo deusado para     
de uma maneira apressada   apressadamente  
esse é um tema que   esse tema 
sua situação era uma situação estranha sua situação era estranha
a razão disso é que   porque

 

A expressão “o fato que” é especialmente enfraquecedora.

devido ao fato que uma vez que
a despeito do fato de que  apesar de
chamar a atenção dele para o fato quelembrá-lo que 
estava ciente do fato desabia que
o fato de que ele não tenha sido bem-sucedidoseu fracasso
o fato de que eu tivesse chegado minha chegada

“É importante destacar que…” e similares são expressões ordinariamente desnecessárias. A própria informação em si, quando notável, já produzirá destaque suficiente.

É importante destacar que, além desse estudo recentemente publicado, a pesquisadora participa de outros quatro estudos de terapia gênica …”

“Além do estudo publicado, a pesquisadora colabora com outros quatro estudos de terapia gênica …” 

***

Brevity is the soul of wit. Shakespeare, Hamlet.

Muitos escritores fizeram o elogio da brevidade. Cito alguns:

“Lo bueno, si breve, dos veces bueno. Y aún lo malo, si poco, no tan malo”. Gracián, Oráculo Manual.

“A verdadeira eloquência consiste em dizer tudo aquilo que é necessário, e apenas o que é necessário.” La Rochefoucauld, Máximas.

Contra os que censuram a brevidade.  Algo dito brevemente pode ser produto e colheita do que foi longamente pensado”. Nietzsche, Humano, demasiado humano, af. 127.

“Ao fazer a revisão, corte, onde possível, os atributos dos substantivos e verbos. Você coloca tantos atributos que fica difícil para a atenção do leitor não se perder, e ele se cansa. É compreensível quando escrevo: ‘o homem sentou-se na grama’; é compreensível por ser claro e não reter a atenção. Ao contrário, é pouco inteligível e pesado para o cérebro se escrevo: ‘um homem alto, de peito cavado, porte discreto e barbicha ruiva sentou-se na grama verde, já pisoteada pelos transeuntes; sentou-se sem fazer ruído, olhando tímida e temerosamente à sua volta.’ Isso demora a entrar no cérebro, e a literatura deve entrar imediatamente, num átimo”. Tchékhov, “Carta a Maksim Górki”.

“Haverá maior sinal de respeito ao leitor que o laconismo? Assumir um ar grave, explicar-se, demonstrar, meras marcas de vulgaridade. Quem aspira à elegância não deve temer a esterilidade, antes empenhar-se nesse sentido, sabotar as palavras em nome da Palavra, causar o mínimo prejuízo ao silêncio, não se afastar dele senão para nele melhor reimergir”. Cioran, Antologia do Retrato.

Nossas mentes estão saturadas; nosso tempo é curto e as distrações, muitas. A brevidade, diz Joseph MacCormack (The Brief Lab), é a corda que se lança a alguém que naufraga em um mar de estímulos comunicativos. Em um texto, ela deve estar acima de todas as considerações de segunda ordem, implicadas, por exemplo, em formas como “os alunos e as alunas”. Por que usá-las, se todos os gêneros, como sabemos, estão contemplados no plural costumeiramente empregado em português? Essa duplicação inútil produz ainda um outro ruído, o do egocentrismo do autor - seu desejo de registrar uma postura ideológica. Se você quer fazer campanha pela igualdade, use o espaço adequado - o panfleto -, e lembre-se que, como no texto acadêmico ou jornalístico, o leitor será sensível ao grau máximo de clareza e brevidade. Se você quer ser contundente, seja breve, pois as palavras são como os raios do Sol: quanto mais condensadas, mais intensamente ardem (Robert Southey).

***

*Alexandre Soares Carneiro é professor assistente doutor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

** Nascido em Campinas, Thomaz Perina reelabora sua arte em sentido mais abstrato após a 1ª Bienal de Arte de São Paulo (1951), inspirado em artistas como Picasso e Max Bill. "Eu quero o mínimo para falar", dizia ele, sintetizando sua técnica. No final de sua carreira, passou a adotar a reta e o círculo como os elementos essenciais de sua obra. Com isso, consegue ser simples, sintético, sem excessos.Após submeter várias cidades-estado da Grécia, Filipe da Macedônia teria indagado aos líderes de Esparta se eles o receberiam como amigo ou inimigo. Nenhum dos dois, responderam. Irritado, enviou uma nova mensagem: “Se eu invadir a Lacônia, irei destruí-los”. Os espartanos responderam com uma palavra: Se.

O efeito literário da brevidade apreende-se em passagens como essa, encontrada em Plutarco. Seu efeito salutar para a vida é percebido com igual facilidade. Por exemplo, nas ocasiões - raras, mas atestadas - em que uma reunião acaba antes do previsto, todos os itens de pauta satisfatoriamente encaminhados. A memória involuntária nos faz reviver o prazer juvenil de descobrir que as aulas foram suspensas e teremos a tarde livre para olhar os lírios dos campos, seguir um batalhão de fuzileiros ou chutar tampinhas.

Admiradores de Montaigne, Proust e  Nava sabem que digressões podem ser ocasiões de sublimes descobertas, como ao deixar a rodovia principal para visitar uma capela setecentista perdida em algum pasto mineiro. Menos interessante é a sensação de que o ônibus fará um longo desvio por estradas ruins em razão da queda de uma barreira, e nos atrasaremos para o compromisso importante ou o retorno ao lar. É o pesadelo da falta de objetividade, o mesmo que nos provocam os discursadores de reuniões e os escritores frios e empolados.

Ler passagens inúteis ou frases sobrecarregadas de filler words é uma experiência à qual rotineiramente nos submetemos como avaliadores de trabalhos acadêmicos, nem sempre conscientes de que incorremos no mesmo erro em nossa escrita. Em nosso métier, a objetividade é uma virtude a ser conquistada palmo a palmo. Ela é obtida por um processo - a edição do texto - hoje facilitado pela tecnologia; mas tal processo será sempre laborioso. “O que se escreve com facilidade lê-se com dificuldade, e vice-versa” seria a primeira máxima a memorizar (a segunda: "quem não souber cortar nunca saberá escrever"). Editar o próprio texto é uma tarefa incansável, a ser delegada, a partir de certo ponto, ao amigo atento ou a um profissional. O bom amigo será impiedoso, quando convocado a colaborar na faina de simplificar nossa escrita. O bom profissional deve ser igualmente incisivo. Pensando nesses casos,  formulei as considerações abaixo.

Elogio da brevidade
“Paisagem”, por Thomaz Perina (1982). Crédito: Acervo do Museu de Artes Visuais da Unicamp (MAV)**

Um texto se beneficia de uma linguagem correta, clara e concisa. Podemos pensar em quatro etapas para uma revisão eficiente, cada uma com um propósito específico.

1. Em um nível mais básico, trata-se de observar detalhes de digitação e parâmetros consensuais de formatação, como margens, tipologia, maiúsculas, itálicos, etc.

2. A vernaculidade implica a adequação às normas ortográficas, verificação de concordância e regência, uso correto da crase, pontuação etc. A norma padrão deve ser pensada com vistas à clareza do texto: sem obsessões puristas, mas com atenção ao que pode produzir ruídos na leitura.

3. Sendo a clareza o parâmetro principal, o revisor deve tentar neutralizar tudo aquilo que possa prejudicar a compreensão, a começar pelos desvios normativos aludidos. Cabe evitar construções ambíguas ou pouco fluentes, comuns em períodos muito longos, e um vocabulário impreciso ou demasiadamente especializado. Colabora de modo especial para um discurso inteligível a escolha consciente de termos correntes pertinentes (usitatis uerbis et propriis). Correntes seriam os termos presentes na linguagem cotidiana; pertinentes, os que pertencem de modo especial ao assunto de que tratamos. Deve-se tentar encontrar um termo preciso porém acessível ao leitor. Por exemplo, dizer que um professor “participou” de uma pesquisa com medicamentos não é tão adequado quanto dizer que ele “colaborou” com ela (distinguindo-o dos voluntários que testaram o medicamento). Áreas científicas dependem de um léxico muito específico, que torna possível descrever seus aspectos técnicos; o leitor assimila mais facilmente essa dimensão específica quando o autor efetua a mediação entre o vocabulário técnico e uma terminologia mais usual, por meio de apostos, notas, etc.

4. Observe-se que um vocabulário pertinente pode conferir força ao texto. Assim, dizemos que o navio zarpou (e não partiu) após içadas as velas (não terem sido levantadas) etc. O vocabulário adequado também pode promover economia. No lugar de dizer que fulano “conversou com alguém para convencê-lo a não fazer algo”, pode-se dizer que ele “o dissuadiu” ou “o demoveu”. Outros exemplos: “os soldados marcharam” (andaram em formação), “fulano foi conivente com o ato” (não participou dele, mas tampouco o impediu), “alguém desplugou o cabo” (tirou-o da tomada) etc. 

Pode-se obter brevidade eliminando frases. Se digo que voltei de um lugar, se entenderá que partira para lá. No lugar de narrar um evento com frases separadas, repetindo elementos, pode-se agrupá-las em um mesmo período.

  • “À tarde, Simão veio de Atenas a Megara; quando chegou a Megara, preparou uma cilada para a donzela; depois que preparou a cilada, tomou-a à força ali mesmo” (28 palavras).
  • “Tendo vindo à tarde de Atenas para Megara, Simão preparou uma cilada à donzela e ali mesmo a tomou à força” (21 palavras).

O exemplo acima veio da Retórica a Herênio V (I. a.C). A diferença no número de palavras (7) pode parecer pequena, mas corresponde a 25% do trecho. Vejamos aquele proposto por W. Strunk e E. B. White (Elements of Style, 1935):

  • “Macbeth era muito ambicioso. Isso o fez desejar ser rei da Escócia. As bruxas contaram a ele que esse desejo se realizaria. O rei da Escócia à época era Duncan. Encorajado por sua esposa, Macbeth assassinou Duncan. Isso tornou possível a ele, então, suceder a Duncan como rei.” (48 palavras)
  • “Encorajado por sua esposa, Macbeth realizou sua ambição e a predição das bruxas, assassinando Duncan e tornando-se rei da Escócia em seu lugar.” (23)

O discurso ganha se contido pelas balizas do necessário e do suficiente: a falta o deixa incompleto, o excesso obscurece o assunto. Um defeito compromete a integridade do texto, o outro, sua clareza. "E é  preferível deixar de lado não só o que atrapalha, mas também aquilo que, mesmo não atrapalhando, em nada ajuda” (Retórica a Herênio). Strunk e White fornecem o mantra do escritor que aspira à eficácia: OMIT NEEDLESS WORDS.  Citemos o trecho mais amplamente:

Omita palavras desnecessárias – Uma escrita vigorosa é concisa. Uma sentença não deve conter palavras desnecessárias, um parágrafo não deve conter sentenças desnecessárias, pela mesma razão que um desenho não deve conter linhas desnecessárias e uma máquina, peças desnecessárias. Isso não nos obriga a usar apenas sentenças curtas, ou evitar detalhes, abordando os temas apenas em linhas gerais, mas a ter consciência de que cada palavra conta. Muitas expressões de uso comum violam esse princípio.

não há qualquer dúvida de que sem dúvida que
usado com o objetivo deusado para     
de uma maneira apressada   apressadamente  
esse é um tema que   esse tema 
sua situação era uma situação estranha sua situação era estranha
a razão disso é que   porque

 

A expressão “o fato que” é especialmente enfraquecedora.

devido ao fato que uma vez que
a despeito do fato de que  apesar de
chamar a atenção dele para o fato quelembrá-lo que 
estava ciente do fato desabia que
o fato de que ele não tenha sido bem-sucedidoseu fracasso
o fato de que eu tivesse chegado minha chegada

“É importante destacar que…” e similares são expressões ordinariamente desnecessárias. A própria informação em si, quando notável, já produzirá destaque suficiente.

É importante destacar que, além desse estudo recentemente publicado, a pesquisadora participa de outros quatro estudos de terapia gênica …”

“Além do estudo publicado, a pesquisadora colabora com outros quatro estudos de terapia gênica …” 

***

Brevity is the soul of wit. Shakespeare, Hamlet.

Muitos escritores fizeram o elogio da brevidade. Cito alguns:

“Lo bueno, si breve, dos veces bueno. Y aún lo malo, si poco, no tan malo”. Gracián, Oráculo Manual.

“A verdadeira eloquência consiste em dizer tudo aquilo que é necessário, e apenas o que é necessário.” La Rochefoucauld, Máximas.

Contra os que censuram a brevidade.  Algo dito brevemente pode ser produto e colheita do que foi longamente pensado”. Nietzsche, Humano, demasiado humano, af. 127.

“Ao fazer a revisão, corte, onde possível, os atributos dos substantivos e verbos. Você coloca tantos atributos que fica difícil para a atenção do leitor não se perder, e ele se cansa. É compreensível quando escrevo: ‘o homem sentou-se na grama’; é compreensível por ser claro e não reter a atenção. Ao contrário, é pouco inteligível e pesado para o cérebro se escrevo: ‘um homem alto, de peito cavado, porte discreto e barbicha ruiva sentou-se na grama verde, já pisoteada pelos transeuntes; sentou-se sem fazer ruído, olhando tímida e temerosamente à sua volta.’ Isso demora a entrar no cérebro, e a literatura deve entrar imediatamente, num átimo”. Tchékhov, “Carta a Maksim Górki”.

“Haverá maior sinal de respeito ao leitor que o laconismo? Assumir um ar grave, explicar-se, demonstrar, meras marcas de vulgaridade. Quem aspira à elegância não deve temer a esterilidade, antes empenhar-se nesse sentido, sabotar as palavras em nome da Palavra, causar o mínimo prejuízo ao silêncio, não se afastar dele senão para nele melhor reimergir”. Cioran, Antologia do Retrato.

Nossas mentes estão saturadas; nosso tempo é curto e as distrações, muitas. A brevidade, diz Joseph MacCormack (The Brief Lab), é a corda que se lança a alguém que naufraga em um mar de estímulos comunicativos. Em um texto, ela deve estar acima de todas as considerações de segunda ordem, implicadas, por exemplo, em formas como “os alunos e as alunas”. Por que usá-las, se todos os gêneros, como sabemos, estão contemplados no plural costumeiramente empregado em português? Essa duplicação inútil produz ainda um outro ruído, o do egocentrismo do autor - seu desejo de registrar uma postura ideológica. Se você quer fazer campanha pela igualdade, use o espaço adequado - o panfleto -, e lembre-se que, como no texto acadêmico ou jornalístico, o leitor será sensível ao grau máximo de clareza e brevidade. Se você quer ser contundente, seja breve, pois as palavras são como os raios do Sol: quanto mais condensadas, mais intensamente ardem (Robert Southey).

***

*Alexandre Soares Carneiro é professor assistente doutor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

** Nascido em Campinas, Thomaz Perina reelabora sua arte em sentido mais abstrato após a 1ª Bienal de Arte de São Paulo (1951), inspirado em artistas como Picasso e Max Bill. "Eu quero o mínimo para falar", dizia ele, sintetizando sua técnica. No final de sua carreira, passou a adotar a reta e o círculo como os elementos essenciais de sua obra. Com isso, consegue ser simples, sintético, sem excessos.

Tecnologia ajuda a mapear qualidade de ruas e calçadas, Jornal da Unicamp

 No período em que morou na Itália, a aluna e pesquisadora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU/Unicamp), Marcela Noronha, não precisava de carro. Ela ia para todos os lugares a pé. A realidade é diferente em Campinas, onde a arquiteta vive atualmente. Aqui, o uso dos veículos, próprios ou coletivos, é quase indispensável para sair de casa. A experiência fez Marcela repensar sobre o que torna as ruas urbanas tão caminháveis em determinadas regiões e perigosas ou até inviáveis para os pedestres em outras.

O resultado da pesquisa foi o desenvolvimento de um novo método de avaliação que utiliza a computação e a matemática para auxiliar os projetistas e planejadores urbanos. A tecnologia, com pedido de patente depositado pela Inova Unicamp, mapeia o desenho das ruas e fornece informações quantitativas que podem dar suporte a projetos privados ou políticas públicas de mobilidade urbana de forma automatizada.

O método, que compõe o Portfólio de Tecnologias da Unicamp, avalia o nível de serviço de ruas e calçadas a partir de 11 padrões descritos na literatura e alguns desenvolvidos pela inventora durante o doutorado-sanduíche, incluindo cruzamentos, faixas de estacionamento até o raio de giro das esquinas e a arborização das vias. A análise desses indicadores gera uma nota global que vai de A até E, informando se a via está ou não cumprindo seu papel ou se precisa, no caso de ruas já existentes, ser “retrofitada”, para a viabilização de um adensamento urbano sustentável. O termo retrofit, já abrasileirado, indica a adaptação de uma infraestrutura com o objetivo de ajustá-la para novas necessidades que não foram previstas no projeto inicial.

“Cada rua tem diferentes tipologias, fluxo de carros, número de faixas e largura da calçada. O que fizemos foi pensar quais são essas regras e como elas se combinam, com base na gramática da forma”, disse Marcela, que foi orientada pela docente Maria Gabriela Caffarena Celani, da FECFAU. Pela nova metodologia é possível comparar o estado inicial e final de uma rua para saber, antes do início da obra, o impacto que as intervenções podem causar no fluxo, segurança, acessibilidade e no nível de conforto para motoristas e, principalmente, para os pedestres.

Análises automatizadas

A metodologia foi testada em State College, no distrito de Centre County, localizado no Estado norte-americano da Pensilvânia. O levantamento, feito sob a orientação de José Pinto Duarte, professor de arquitetura e paisagismo da Universidade Estadual da Pensilvânia (Penn State University), apontou diversos problemas de caminhabilidade na pequena cidade universitária.

Segundo Duarte, há uma crença de que adaptar uma malha urbana a condições de tráfego diferentes para, por exemplo, promover o tráfego de pedestres em vez do veicular, implica em grandes alterações no traçado das ruas e é dispendioso. “O interessante nesta nova abordagem é que ela permite identificar os pontos chave em que alterações mínimas no traçado permitem atingir o impacto geral desejado. Assim, as intervenções são pontuais, podem ser feitas de forma incremental e com custos mínimos diferidos no tempo”, explica.

Tecnologia ajuda a mapear qualidade de ruas e calçadas
Abordagem possibilita intervenções pontuais com custos reduzidos

A aplicação da metodologia nas ruas do distrito gerou um desenho aprimorado, ampliando o espaço destinado para os pedestres. A partir da sintaxe espacial, foram definidas as hierarquias viárias e as ruas com maior fluxo de pedestres na malha inicial do distrito e a proposição de alterações que incluíam a instalação de faixas de estacionamento junto às guias, travessias de pedestre elevadas e até a transformação de uma das ruas em calçadão. Após o “retrofit”, o conceito de uma das vias passou da nota E para B, melhorando a caminhabilidade.

O modelo foca no uso de regras e indicadores geométricos que simplificam a coleta de dados e permitem a automação do processo, podendo ser implementado em uma ferramenta de computador. Outra vantagem da metodologia está na capacidade de gerar múltiplas opções de intervenção para uma mesma rua, o que abre o diálogo com os projetistas, inclusive em processos participativos, nos quais a escolha não é determinada somente pela percepção do usuário ou apenas pelo resultado da máquina.

O trabalho vai fornecer subsídios para o plano de desenvolvimento da área do antigo CIATEC 2, no Polo de Alta Tecnologia de Campinas, como lembra a professora Celani. “Um projeto de urbanização da área está sendo desenvolvido com o objetivo de propor a aplicação de diversos conceitos de cidade sustentável, que incluem a mobilidade ativa como um de seus principais atributos. O trabalho de Marcela vai fornecer dados para esse projeto e certamente contribuirá para seu sucesso”, disse. “Existem vários manuais e regras de boa conduta, mas não um conjunto que te explique passo a passo qual a melhor solução para os diferentes tipos de vias. Conseguimos reunir tudo isso e intervir nesse universo complexo da sustentabilidade, fazendo pequenas modificações e produzindo cidades mais inteligentes, pensadas desde a fase do projeto”, finaliza Marcela.

Esta reportagem foi publicada originalmente na página da Inova Unicamp.