segunda-feira, 18 de julho de 2022

Bolsonaro foi incapaz de institucionalizar projeto autoritário da mesma forma que Trump ou Maduro, Mathias Alencastro ,FSP

 Os acontecimentos das últimas semanas dissiparam as dúvidas dos mais céticos sobre o caráter golpista da campanha de Bolsonaro. Para apreender essa situação excepcional, tornou-se comum desenhar paralelos com outros casos internacionais.

Um sem-número de autores já estabeleceu a relação entre a estratégia de Jair Bolsonaro e a de Donald Trump, enquanto outros optam por comparar a situação do Estado brasileiro com a do venezuelano.

Ambos os exercícios são persuasivos e relevantes. No entanto, nas comparações, as diferenças importam tanto como as semelhanças.

O então presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do mandatário brasileiro, Jair Bolsonaro, em evento na Flórida em 2020 - Alan Santos/Palácio do Planalto

Praticamente todas as análises sobre a relação entre Bolsonaro e Trump omitem uma diferença: o papel do Partido Republicano na formação, sustentação e transformação do trumpismo. O principal feito político de Trump não foi vencer a Presidência, para a qual bastou-lhe conquistar o colégio eleitoral, mas ganhar as prévias do Partido Republicano e, sobretudo, colonizá-lo ideologicamente como nenhuma outra liderança desde Ronald Reagan. No jogo bipartidário, quem controla o partido controla o campo político no seu todo.

No entanto, o controle do partido pode ter sido insuficiente para garantir a sobrevida de Trump e do seu projeto político. Hoje, pela primeira vez desde a sua derrota nas urnas em 2020, a parte do eleitorado republicano que apoia uma nova candidatura de Trump caiu abaixo dos 50%Ron DeSantis, o governador da Flórida, surge como o herdeiro desse voto ideológico ao apostar na distinção crescente entre Trump e trumpismo dentro do partido.

A ausência de base partidária de Bolsonaro, que sempre vagueou entre legendas e fracassou miseravelmente quando tentou criar a Aliança pelo Brasil, deve ser sempre levada em consideração na hora de avaliar a sua resiliência política pós-eleição.

O paralelo entre Brasil e Venezuela é ainda mais difícil de sustentar, por causa do papel do petróleo. Está caracterizado na ciência política que nos petro-Estados, onde a maioria absoluta da renda deriva de um recurso controlado pelo Estado, o governante tem uma capacidade de acumular e distribuir poder e prebendas.

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Essa característica tornou a militarização dos regimes fundamentalmente distinta. No Brasil, os militares ocuparam setores estratégicos do Estado sem, no entanto, se assenhorearem de partes consideráveis do setor produtivo.

Na Venezuela, os militares assumiram o setor produtivo graças à intervenção do Estado. Tornou-se comum ver generais criando empresas privadas ou se sentando nos conselhos de administração de empresas que trabalham diretamente com o poder público.

A acumulação de riqueza possibilitada pelo petro-Estado serviu de incentivo para os militares ficarem ao lado de Maduro mesmo nos momentos mais críticos.

Está claro que Bolsonaro foi incapaz de institucionalizar o seu projeto autoritário com as mesmas ferramentas de Trump ou de Maduro. Isso não o torna menos perigoso ou hostil. Mas ainda é preciso determinar em que medida ele foi capaz de se apropriar do aparelho do Estado por outros meios. Porque uma coisa é certa: nenhum autoritário vive só de ideologia e internet.

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