Os acontecimentos das últimas semanas dissiparam as dúvidas dos mais céticos sobre o caráter golpista da campanha de Bolsonaro. Para apreender essa situação excepcional, tornou-se comum desenhar paralelos com outros casos internacionais.
Um sem-número de autores já estabeleceu a relação entre a estratégia de Jair Bolsonaro e a de Donald Trump, enquanto outros optam por comparar a situação do Estado brasileiro com a do venezuelano.
Ambos os exercícios são persuasivos e relevantes. No entanto, nas comparações, as diferenças importam tanto como as semelhanças.
Praticamente todas as análises sobre a relação entre Bolsonaro e Trump omitem uma diferença: o papel do Partido Republicano na formação, sustentação e transformação do trumpismo. O principal feito político de Trump não foi vencer a Presidência, para a qual bastou-lhe conquistar o colégio eleitoral, mas ganhar as prévias do Partido Republicano e, sobretudo, colonizá-lo ideologicamente como nenhuma outra liderança desde Ronald Reagan. No jogo bipartidário, quem controla o partido controla o campo político no seu todo.
No entanto, o controle do partido pode ter sido insuficiente para garantir a sobrevida de Trump e do seu projeto político. Hoje, pela primeira vez desde a sua derrota nas urnas em 2020, a parte do eleitorado republicano que apoia uma nova candidatura de Trump caiu abaixo dos 50%. Ron DeSantis, o governador da Flórida, surge como o herdeiro desse voto ideológico ao apostar na distinção crescente entre Trump e trumpismo dentro do partido.
A ausência de base partidária de Bolsonaro, que sempre vagueou entre legendas e fracassou miseravelmente quando tentou criar a Aliança pelo Brasil, deve ser sempre levada em consideração na hora de avaliar a sua resiliência política pós-eleição.
O paralelo entre Brasil e Venezuela é ainda mais difícil de sustentar, por causa do papel do petróleo. Está caracterizado na ciência política que nos petro-Estados, onde a maioria absoluta da renda deriva de um recurso controlado pelo Estado, o governante tem uma capacidade de acumular e distribuir poder e prebendas.
Essa característica tornou a militarização dos regimes fundamentalmente distinta. No Brasil, os militares ocuparam setores estratégicos do Estado sem, no entanto, se assenhorearem de partes consideráveis do setor produtivo.
Na Venezuela, os militares assumiram o setor produtivo graças à intervenção do Estado. Tornou-se comum ver generais criando empresas privadas ou se sentando nos conselhos de administração de empresas que trabalham diretamente com o poder público.
A acumulação de riqueza possibilitada pelo petro-Estado serviu de incentivo para os militares ficarem ao lado de Maduro mesmo nos momentos mais críticos.
Está claro que Bolsonaro foi incapaz de institucionalizar o seu projeto autoritário com as mesmas ferramentas de Trump ou de Maduro. Isso não o torna menos perigoso ou hostil. Mas ainda é preciso determinar em que medida ele foi capaz de se apropriar do aparelho do Estado por outros meios. Porque uma coisa é certa: nenhum autoritário vive só de ideologia e internet.
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