quarta-feira, 13 de julho de 2022

Elio Gaspari - De Tancredo.Neves para Lula@PT, FSP

 

Estimado patrício,

Enquanto estive por aí, nunca nos bicamos. Vosmicê tinha um certo desprezo pela minha forma de fazer política e nunca me apoiou. Procure lembrar: eu nunca lhe dei resposta. Escrevo-lhe porque vejo que está numa situação parecida com a minha em 1984. Tem a seu favor o monstro de boa parte da opinião pública, essa linda expressão do meu amigo Juscelino Kubitschek. Contra, terá que lidar com preconceitos, mentiras, e, sobretudo, com pessoas dispostas a desvarios para cortar seu caminho.

Gostaria que essas linhas lhe ajudassem a lidar com as ameaças, provocações e violências que virão por aí.

Eu pedi que fossem evitadas bandeiras vermelhas nos meus comícios. Em Belo Horizonte apareceram duas, carregadas por policiais federais. Mandei soltá-los e guardei reservas. Acredite que o Centro de Informações do Exército, o CIE, teve a ideia de pregar em Brasília cartazes em que eu era retratado com um fundo vermelho, foice e martelo. Usaram soldados do Comando Militar do Planalto. Acabaram presos. Menosprezei o incidente e dei graças a Deus pois a infâmia juntara-se à burrice.

Lula durante ato na Cinelândia, no Rio - Mauro Pimentel-7.jul.22/AFP

O presidente da ocasião dizia que eu estava cada vez mais comprometido com as esquerdas radicais. Ele chegou a contar ao ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, que eu estava cercado por radicais. (Uma semana depois, recebi um relato dessa conversa.) O então ministro do Exército proclamava que "A força estará vigilante e não faltará à nação". O general chefe do CIE fez uma palestra para oficiais dizendo que o país vivia uma situação "pré-revolucionária". Tancredo Neves, revolucionário, veja só.

Eu alertava para suspiros radicais, mas não contava tudo. Veja só: dias antes de um comício fui informado que um pistoleiro boliviano tinha sido contratado para me matar em Goiânia. Fui ao evento, discursei e pedi que não se divulgasse o boato. Naquele dia foram presos mais quatro soldados colando cartazes contra mim. Mandei devolvê-los ao Exército.

Durante minha campanha aconteceram incêndios misteriosos nas sedes do comitê da Anistia de São Paulo e do meu partido em Porto Alegre.

Minha rede de contatos era superior à sua. Afinal, o coronel que recebia os grampos das casas de meus amigos me repassava cópias de algumas transcrições.

As bruxarias armadas contra minha campanha queriam radicalizar o clima político. Não lhes dei essa carta. Mostrava que sabia o que faziam, mas olhava para a frente, porque isso é o que a nação queria. Quanto mais longe eles iam, mais sereno eu ficava, pois o país queria normalidade. Enquanto eles ensandeciam, personificando a anarquia, eu personificava a paz.

Sei que isso não será fácil para seu temperamento palanqueiro, mas só esse caminho será capaz de fortalecê-lo. Não se preocupe com a militância radical, pois ela nos segue por gravidade.

Mesmo assim, convenhamos que seu pessoal leva água para o monjolo dos adversários mais radicais. Vosmicê nunca foi alvo de atentado. Já o capitão Bolsonaro tomou uma facada de um tatarana em Juiz de Fora. Dizer que não houve a facada é uma demasia.

Despeço-me desejando-lhe paz, sucesso e pedindo-lhe que me recomende a Dona Janja.

Tancredo Neves


terça-feira, 12 de julho de 2022

Deirdre Nansen McCloskey - O aborto e o direito à privacidade, FSP

 O caso da menina brasileira de 10 anos que foi estuprada, engravidou e então uma juíza e promotora pediram que desse à luz uma (outra) criança chegou ao Washington Post.

Virou notícia aqui porque, como vocês podem ter ouvido falar, o Brasil, nesse quesito, é nosso futuro. "Brasil, país do futuro... sempre." A reportagem cita o Ministério da Saúde brasileiro declarando que todo aborto é crime. Em junho, nossa Suprema Corte decidiu, por seis votos a três, deixar que estados criminalizem o aborto.

Juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina - Solon Soares/Agência Alesc

A decisão expõe em seu país e no meu uma ânsia autoritária de usar os poderes coercivos do estado para regulamentar a conduta privada. A liberdade é ótima nos mercados, dizem os conservadores. Mas não no quarto. E, na visão deles, o útero das mulheres deve ser socializado.

O Brasil, como muitos países católicos que seguem o exemplo francês, teve o bom senso de não criminalizar o comportamento homossexual, como fizeram os países protestantes do norte. Mas agora, nos EUA, os tribunais, que há décadas vêm sendo preenchidos por juízes indicados por autoritaristas republicanos, estão rapidamente retrocedendo por esse caminho sombrio. O direito à privacidade está ameaçado.

Se o estado da Virgínia declarar —como fez até ser impedido por uma Suprema Corte de maioria liberal, em 1967— interesse em impedir casamentos entre brancos e negros, os juízes da Suprema Corte agora não vão intervir.

Um fato divertido ou assustador, dependendo do seu senso de humor, é que o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas, o mais radical inimigo da privacidade, é negro e é casado com uma mulher branca. Antes do processo, muito apropriadamente intitulado Loving vs. Virginia, 388 U.S. 1 (1967), Clarence Thomas teria sido encarcerado. Podemos esperar que ele seja encarcerado em breve na Virgínia.

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O argumento apresentado pela Suprema Corte é que assuntos como esse devem ser legislados, não decididos por um tribunal. Ou seja, os conservadores estão dizendo que não existe um direito fundamental à privacidade, como o direito do controle sobre o próprio corpo —pelo menos se você tem cromossomos XX.

Quem tem cromossomos XY ficaria indignado se a Suprema Corte não protegesse o seu direito privado de tomar comprimidos de Viagra para combater a impotência masculina. Mas as mulheres são meros receptáculos...


A não ser que você impeça que isso aconteça, o Estado vai regulamentar sua vida cada vez mais. Tanto a esquerda quanto a direita, tanto Lula quanto Bolsonaro, são a favor de nos converter em escravos do Estado. Importadores. Banqueiros. E menininhas.


Tradução de Clara Allain


Alvaro Costa e Silva Na caverna mágica de Arthur Lira, FSP

 Além do orçamento secreto, Arthur Lira criou uma sala idem para atender apaniguados do centrão. Com sessões de mentirinha, que duram um minuto, a Câmara dos Deputados virou um mocó, um valhacouto, uma caverna oculta.

Nos últimos dias, correndo para escapar às restrições do período eleitoral, foram liberados R$ 6,1 bilhões da burra secreta, objeto mágico que ao mesmo tempo sustenta o governo e potencializa a corrupção. Um dos absurdos foi descoberto pelo repórter Breno Pires: em Pedreiras, cidade do Maranhão com 39 mil habitantes, a prefeitura afirma que fez 540,6 mil extrações dentárias. Quer dizer, arrancaram 14 dentes de cada morador. Com ou sem anestesia?

A derrama de dinheiro garante a aprovação da proposta de emenda à Constituição que entra para a história como a mais apelidada de todas. É a PEC das Eleições, mas também a PEC Kamikaze, a da Pedalada Fiscal, a dos Bilhões, a do Vale-Tudo, a da Bomba Fiscal, a dos Combustíveis, a das Bondades, a do Desespero, a do Medo do Lula. Tenha o nome que tenha, é uma fraude, que trata o eleitor como otário. A bondade tem prazo de validade até o fim do ano. A maldade de jogar o país no abismo, essa fica para depois.

No Senado a votação foi esmagadora. Não surpreende diante da revelação de que a eleição do presidente da casa, Rodrigo Pacheco, desfalcou a burra em R$ 2,3 bilhões. Pacheco escanteou a CPI do MEC —que implica a chapa Bolsonaro-Braga —Netto para Deus sabe quando.

Em sua cruzada para superar as façanhas de Eduardo Cunha, Arthur Lira age para assegurar que o depois será como o agora. Move-se para que o STF limpe sua ficha suja e, antes mesmo de reeleito para o comando da Câmara, articula uma manobra para manter o controle do orçamento secreto, independentemente do resultado das urnas e de quem será o próximo ocupante do Palácio do Planalto. O abracadabra há de ser um privilégio só dele.