Estimado patrício,
Enquanto estive por aí, nunca nos bicamos. Vosmicê tinha um certo desprezo pela minha forma de fazer política e nunca me apoiou. Procure lembrar: eu nunca lhe dei resposta. Escrevo-lhe porque vejo que está numa situação parecida com a minha em 1984. Tem a seu favor o monstro de boa parte da opinião pública, essa linda expressão do meu amigo Juscelino Kubitschek. Contra, terá que lidar com preconceitos, mentiras, e, sobretudo, com pessoas dispostas a desvarios para cortar seu caminho.
Gostaria que essas linhas lhe ajudassem a lidar com as ameaças, provocações e violências que virão por aí.
Eu pedi que fossem evitadas bandeiras vermelhas nos meus comícios. Em Belo Horizonte apareceram duas, carregadas por policiais federais. Mandei soltá-los e guardei reservas. Acredite que o Centro de Informações do Exército, o CIE, teve a ideia de pregar em Brasília cartazes em que eu era retratado com um fundo vermelho, foice e martelo. Usaram soldados do Comando Militar do Planalto. Acabaram presos. Menosprezei o incidente e dei graças a Deus pois a infâmia juntara-se à burrice.
O presidente da ocasião dizia que eu estava cada vez mais comprometido com as esquerdas radicais. Ele chegou a contar ao ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, que eu estava cercado por radicais. (Uma semana depois, recebi um relato dessa conversa.) O então ministro do Exército proclamava que "A força estará vigilante e não faltará à nação". O general chefe do CIE fez uma palestra para oficiais dizendo que o país vivia uma situação "pré-revolucionária". Tancredo Neves, revolucionário, veja só.
Eu alertava para suspiros radicais, mas não contava tudo. Veja só: dias antes de um comício fui informado que um pistoleiro boliviano tinha sido contratado para me matar em Goiânia. Fui ao evento, discursei e pedi que não se divulgasse o boato. Naquele dia foram presos mais quatro soldados colando cartazes contra mim. Mandei devolvê-los ao Exército.
Durante minha campanha aconteceram incêndios misteriosos nas sedes do comitê da Anistia de São Paulo e do meu partido em Porto Alegre.
Minha rede de contatos era superior à sua. Afinal, o coronel que recebia os grampos das casas de meus amigos me repassava cópias de algumas transcrições.
As bruxarias armadas contra minha campanha queriam radicalizar o clima político. Não lhes dei essa carta. Mostrava que sabia o que faziam, mas olhava para a frente, porque isso é o que a nação queria. Quanto mais longe eles iam, mais sereno eu ficava, pois o país queria normalidade. Enquanto eles ensandeciam, personificando a anarquia, eu personificava a paz.
Sei que isso não será fácil para seu temperamento palanqueiro, mas só esse caminho será capaz de fortalecê-lo. Não se preocupe com a militância radical, pois ela nos segue por gravidade.
Mesmo assim, convenhamos que seu pessoal leva água para o monjolo dos adversários mais radicais. Vosmicê nunca foi alvo de atentado. Já o capitão Bolsonaro tomou uma facada de um tatarana em Juiz de Fora. Dizer que não houve a facada é uma demasia.
Despeço-me desejando-lhe paz, sucesso e pedindo-lhe que me recomende a Dona Janja.
Tancredo Neves