terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Trocas na cúpula do Judiciário criam ambiente hostil a Bolsonaro, FSP

 José Marques

BRASÍLIA

Mudanças nos comandos de cortes superiores e também do tribunal que fiscaliza o orçamento público devem criar um cenário pouco amigável para o presidente Jair Bolsonaro (PL) às vésperas das eleições deste ano.

A partir do segundo semestre, o presidente encontrará à frente das cortes ministros com quem tem menos interlocução ou que já tomaram decisões que desagradaram o governo.

As mudanças acontecerão no STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral), além do TCU (Tribunal de Contas da União), que não faz parte do Judiciário e é um órgão de apoio do Congresso.

O presidente Jair Bolsonaro em evento no Rio de Janeiro - Alan Santos-31.jan.21/PR

Para o entorno de Bolsonaro, a troca na presidência do TSE é considerada a mais delicada. Entre outros processos, a corte julga irregularidades relacionadas às eleições.

A partir de agosto, quem ficará à frente da corte eleitoral é o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, considerado por bolsonaristas como inimigo.

Aliados do presidente classificam a atuação de Moraes ao longo dos últimos anos como arbitrária. Para eles, ele tem tomado decisões politizadas no STF e, por isso, afirmam temer uma postura similar no TSE.

O primeiro embate de 2022 já ocorreu na semana passada, no episódio envolvendo um depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal.

O ministro autorizou no ano passado investigações sobre episódios envolvendo Bolsonaro, mandou prender aliados como Roberto Jefferson (PTB), Daniel Silveira (PSL-RJ) e até extraditar Allan dos Santos, do Terça Livre. Moraes é relator dos inquéritos das fake news e das milícias digitais.

Fora do grupo mais próximo do governo, Moraes é elogiado por ter colocado freio nas ofensivas do presidente contra o Supremo e instituições, apesar de reconhecerem excessos em suas decisões.

A expectativa entre aliados do chefe do Executivo é que o ministro continue com uma atuação linha-dura à frente da corte eleitoral, mas menos do que no Supremo. As eleições em uma das maiores democracias do mundo terão espectadores internacionais, o que pode levar Moraes a ser mais cuidadoso, nessa visão.

Na corte eleitoral, na ocasião do julgamento que rejeitou a cassação da chapa presidencial por participação em esquema de disparo em massa de fake news em 2018, Moraes fez reprimendas que desagradaram a Bolsonaro.

O ministro disse que, se esse tipo de irregularidade voltar a se repetir nas próximas eleições, os responsáveis serão cassados e "irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia".

O Judiciário retoma as atividades regulares nesta nesta terça-feira (1º), quando haverá uma sessão solene por videoconferência no Supremo. Como de praxe, Bolsonaro foi convidado, mas não participará.

O STF pretende julgar ainda no primeiro semestre deste ano temas que podem afetar as eleições, como a validade das federações partidárias e a possibilidade de afrouxamento da Lei da Ficha Limpa. Também irá firmar entendimento sobre a prática de "rachadinha".

O ano passado foi marcado por conflitos do governo com as cortes, especialmente o STF. O auge ocorreu nos atos de raiz golpista do 7 de Setembro, em 2021. O presidente chegou a dizer que descumpriria decisão judicial de Moraes e chamou-o de canalha.

O Supremo terá mudança de presidência em setembro, quando deve assumir a ministra Rosa Weber.

Ela é relatora do inquérito que investiga Bolsonaro sob suspeita de prevaricação na negociação para a compra da vacina indiana Covaxin. A PF concluiu em relatório apresentado nesta segunda (31) que não viu crime do presidente.

Em decisões do ano passado, a magistrada adotou um tom crítico em relação a atitudes do governo federal diante da pandemia da Covid-19. Chegou a afirmar que era gravíssima a eventual existência de um gabinete paralelo no Palácio do Planalto para gerir a crise do coronavírus.

Para auxiliares palacianos, a ministra é uma das que menos tem perfil político na corte. Não vai "tomar tubaína" nem com Bolsonaro nem com outras autoridades —o presidente já disse que gosta de indicar para a corte ministros com quem pode tomar junto o refrigerante.

Ainda que ela tenha tomado decisões duras para o governo, a ministra é considerada de perfil técnico.

Além disso, a avaliação é que os temas mais sensíveis para Bolsonaro no Supremo já foram analisados, como casos importantes para governo ou para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

No ano passado, o STF esvaziou as investigações contra o filho do presidente ao anular os relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) usados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Ao assumir o governo, o comando do Supremo estava com o ministro Dias Toffoli, que mantinha boa relação com Bolsonaro. Toffoli tentou agir como uma espécie de apaziguador de crises entre os Poderes.

O atual presidente da corte, Luiz Fux, tem evitado embates com o Palácio do Planalto. Diante dos ataques do presidente ao Supremo no ano passado, ele respondeu pontualmente, em defesa da instituição.

No STJ, sairá Humberto Martins, que era um dos favoritos de parte dos aliados do presidente para a vaga de ministro do Supremo, o que não ocorreu.

No lugar dele, a previsão é que seja eleita a ministra Maria Thereza de Assis Moura, também de perfil técnico e conhecida por fazer parte da chamada "ala independente" do STJ, que não é a do atual comando.

Espera-se que sua gestão não seja de embates, mas também que não seja alinhada ao Planalto. A troca ocorrerá em agosto.

A situação do TCU é diferente. A atual presidente do órgão, ministra Ana Arraes, completa 75 anos em 28 de julho e terá de se aposentar.

Um ministro terá de ocupar a presidência até janeiro do ano que vem, quando, pela tradição, será eleito o atual vice-presidente Bruno Dantas.

O próprio Dantas é um dos cotados para ocupar esse posto de forma interina caso o TCU siga precedente do STF de 2014, quando o então presidente da corte Joaquim Barbosa se aposentou e o vice Ricardo Lewandowski assumiu.

Também é possível que haja um mandato-tampão se o TCU decidir fazer uma eleição para o período em agosto. Além de Dantas, é cotado para a presidência do órgão no segundo semestre o ministro Walton Alencar Rodrigues, decano do tribunal.

Dantas, ex-consultor legislativo do Senado, é também interlocutor do mundo político.

Assim, ainda que ele não guarde qualquer proximidade com Bolsonaro e seja crítico muitas vezes, o ministro mantém boas relações com Ciro Nogueira (Casa Civil), por exemplo.

No ano passado, ele fez em uma sessão plenária críticas aos "ataques à democracia" após a realização de um desfile de veículos militares na Esplanada dos Ministérios.

O TCU, apesar do nome, não faz parte do Poder Judiciário. É um órgão de controle externo do governo federal e auxilia o Congresso no acompanhamento da execução orçamentária e financeira do país.

Novo sistema da Fundação SOS Mata Atlântica mostra desmatamento com precisão ampliada em dez vezes, OESP

 Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo

01 de fevereiro de 2022 | 05h00

A devastação ambiental no bioma Mata Atlântica continuou forte no País em 2021. Dados de levantamento do novo Sistema de Alertas do Desmatamento (SAD), da Fundação SOS Mata Atlântica, mostram que o impacto da agressão ambiental em quatro bacias monitoradas registrou 1.103 alertas de desmatamento no ano, num total de 6.739 hectares afetados.  A nova ferramenta, que vai monitorar a devastação de terras da Mata Atlântica e emitir alertas mensais sobre o tamanho dos estragos no meio ambiente, lançado nesta terça-feira, 1.º de fevereiro, identifica o impacto das derrubadas florestais em áreas de até um terço de hectare usando imagens de satélite dez vezes mais aproximadas do que o sistema costumava obter, informa levantamento da ONG.

“Com esses dados novos, mais aproximados, com melhor resolução das áreas afetadas, temos indícios de desmatamento ilegal”, afirma Luís Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica. Ele destaca que além da novidade da periodicidade mensal das informações, que serão reunidas em relatórios trimestrais publicados no site da Fundação, há o ganho adicional porque o novo sistema aponta o tamanho detalhado do estrago. “O novo SAD permite ver o impacto com  um nível de detalhes dez vezes maior”, afirma o diretor da SOS Mata Atlântica.

Os novos dados mostram que o desmatamento segue ocorrendo mesmo com a Lei da Mata Atlântica em vigor e afeta até áreas próximas de cidades, como acontece no Estado de São Paulo. O levantamento mostra que o novo sistema monitora, em média, a área de um campo de futebol. A maioria dos alertas de desmatamento (70%) se refere a perdas de vegetação em áreas menores do que três hectares, segundo o novo perfil do desmatamento da Mata Atlântica. São pequenos cortes de floresta natural, o que impõe dificuldades à fiscalização, conta o especialista.

Mata Atlântica
Trecho da Mata Atlântica na Rodovia dos Imigrantes, no Estado de São Paulo  Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

 A maioria dos alertas, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, ocorreu em áreas rurais com predomínio de uso agropecuário (93,7%), apontando a expansão do setor como o principal vetor do desmatamento neste bioma. “Há uma expansão de lavouras”, explica Guedes Pinto, comentando os dados em entrevista ao Estadão.

“O que a gente vê agora, com esses dados mais aproximados do satélite, é que os produtores rurais aprenderam, infelizmente, a desmatar aos poucos, em pequenas áreas. Com essa prática, ficava muito mais difícil a detecção pelo satélite, justifica Guedes Pinto.  “Era uma tentativa de evitar o controle do satélite”, afirma.

De acordo com esses dados da Fundação, pelo menos 91 alertas e 144 ha de desmatamento foram identificados na bacia do Rio Tietê, na Mata Atlântica do Estado de São Paulo, onde houve uma distribuição diferenciada do impacto: 34,8% dos alertas foram localizados em áreas urbanas, consequência da expansão das cidades. De acordo com o estudo, há “um importante vetor de desmatamento na região metropolitana de São Paulo”.

Perdas

“Continuamos perdendo florestas antigas e maduras, porém cada vez mais observamos também o corte de matas jovens, que estão em regeneração”, afirma Guedes Pinto. Ele argumenta que esse tipo de vegetação afetada tem um papel de conectar os remanescentes florestais mais antigos e prover serviços ecossistêmicos. “É o caso da conservação da água”, diz. “Mas muitas dessas áreas em regeneração são desmatadas antes de a vegetação atingir um estágio de maior maturidade, quando podem acumular mais carbono e abrigar maior biodiversidade”, explica o especialista.

Segundo Guedes Pinto, normalmente o satélite enxergava somente o desmate ocorrido em áreas de 30 mil m2. “Agora passamos a ver até 3 mil m2, um terço de um campo de futebol, e em qualquer tipo de fragmento de florestas, as antigas e também em florestas mais jovens, que estão em regeneração”.

 A maioria dos alertas (70%) se refere a perdas menores que três hectares, ressaltando o novo perfil do desmatamento da Mata Atlântica. De acordo com o especialista, é a soma de pequenos cortes de floresta natural, o que impõe dificuldades à fiscalização.

Guedes Pinto conta ainda que o projeto envolveu quatro regiões de relevância para o monitoramento: as bacias do Rio Tietê (SP), do Rio Iguaçu (PR), do Rio Jequitinhonha (BH e MG), mais o município de Bonito (MS). O levantamento reúne dados da devastação coletados pela Fundação, com parceria da s empresas Arcplan e MapBiomas. Todos os dados do SAD Mata Atlântica serão disponibilizados na plataforma MapBiomas Alerta e os resultados serão reunidos em boletins publicados pela Fundação SOS Mata Atlântica em: http://sosma.org.br/alertas.

O primeiro boletim, com resultados parciais do desmatamento do bioma no período e apoio também da Fundação Flex, mostra que  Minas Gerais, Bahia, Paraná e São Paulo estão entre os campeões do desmatamento no bioma nos últimos anos. E o município de Bonito, no Mato Grosso do Sul, considerado área de relevância para a qualidade da água, foi o o local que registrou mais impacto entre 2019 e 2020.

“Nesses Estados, escolhemos bacias hidrográficas onde o problema costuma ser mais crítico, principalmente em função da expansão agropecuária. A bacia do Rio Tietê em São Paulo não está entre as regiões de maior desmatamento do Brasil, mas tem a particularidade de ser uma região de metrópoles e grandes cidades, onde a expansão urbana também ameaça a Mata Atlântica”, explica o diretor da Fundação SOS Mata Atlântica.

Bacia do Iguaçu é campeã em alertas

Pelos dados do levantamento do novo SAD, a bacia do Iguaçu (PR e SC) foi a campeã em número de alertas com esse perfil: 423. Na bacia do Iguaçu também foi registrada a maior quantidade total de alertas, 528 (48%). A área desmatada (1.162 ha), no entanto, ficou abaixo da detectada na região de Bonito (MS), onde 137 alertas (12%) identificaram 3.223 ha desmatados.

Nota da Fundação SOS destaca ainda que a bacia do Rio Jequitinhonha (BA e MG) “teve a segunda maior área desmatada (2.212 ha ou 33% de toda a mata perdida)”. A maior parte dos alertas ocorreu em Minas Gerais (240 ou 22%), com 743 ha desmatados. Na Bahia foram mapeados 107 alertas (9%), porém maiores em área, que somaram 1.469 ha de desflorestamentos. Em todas as regiões monitoradas, 14 municípios têm desmatamentos que totalizam mais de 100 ha, sendo Nioaque (MS) o primeiro da lista, somando 1.260 ha.

Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, todo o bioma passa a ser monitorado seguindo os limites do mapa de aplicação da Lei da Mata Atlântica. O tamanho médio de cada área desmatada da Mata Atlântica vem diminuindo ao longo dos anos. São hoje comuns perdas inferiores a três hectares e em florestas nativas jovens, condições diferentes daquelas tradicionalmente monitoradas pelo Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, colaboração entre o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a SOS Mata Atlântica que se tornou referência ao, ano a ano, desde 1989, acompanhar a cobertura florestal e o desmatamento do bioma.

O SAD Mata Atlântica utiliza uma identificação automatizada baseada na comparação entre imagens do satélite Sentinel 2. O dados são checados, auditados e  cruzados com informações públicas, incluindo as propriedades do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e embargos e autorizações de desmatamento do SINAFLOR/IBAMA, para disponibilização no MapBiomas Alerta, uma plataforma única, aberta e transparente que monitora todo o território brasileiro, informa  material distribuído pela Fundação, uma ONG ambiental brasileira que tem como missão “inspirar a sociedade na defesa da Mata Atlântica”.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

O que é bioeconomia, e qual o lugar do Brasil nesse campo Mariana Vick, Nexo PP

 Artigo afirma que, apesar da abundante diversidade de espécies, Brasil investe pouco na produção de itens que derivam de substâncias naturais e têm alto valor agregado, como remédios. Pesquisadora do BIOTA/FAPESP comenta o cenário ao ‘Nexo Políticas Públicas’

FOTO: RONALDO ROSA/EMBRAPA
De costas, uma pessoa, usando jaleco branco, manuseia o pedaço de uma planta em um aparelho semelhante a um microscópio, debaixo de uma luz forte. Ela usa pinças de laboratório para manusear.
 CIENTISTA ANALISA TECIDO VEGETAL EM LABORATÓRIO DE BIOTECNOLOGIA

A biodiversidade brasileira é uma fonte rica de recursos químicos e biológicos que podem ser usados para criar produtos naturais sofisticados, mas, por não investir o suficiente em tecnologia, o país desenvolveu poucos itens a partir de substâncias encontradas na fauna e na flora.

Um artigo publicado na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências analisa o cenário e aponta caminhos para o Brasil estimular o desenvolvimento de produtos naturais de alta tecnologia, ramo que pode contribuir para o crescimento econômico e estimular novos modelos de produção sustentável.

A publicação, escrita pelas pesquisadoras Vanderlan Bolzani e Marilia Valli, integrantes do BIOTA/FAPESP, um dos parceiros do Nexo Políticas Públicas, destaca o potencial da bioeconomia, segmento que se baseia no uso racional da biodiversidade para criar produtos nas áreas de alimentos, saúde e bioenergia, entre outras.

“As plantas são uma explosão dessas moléculas, dessas substâncias que a gente chama de produtos naturais. E nós os imitamos [na indústria]. Não existe um ser humano que produziu modelos moleculares tão fascinantes quanto a natureza”

Vanderlan Bolzani

professora da Unesp (Universidade Estadual Paulista), integrante do BIOTA/FAPESP e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, em entrevista ao Nexo Políticas Públicas

A produção de novos itens acontece quando pesquisadores isolam determinadas substâncias da fauna e da flora e descobrem que elas podem ter novos usos (aliviar uma dor, por exemplo). A partir de então, eles replicam essas moléculas e podem usar a descoberta para novos produtos, como um novo remédio.

“A morfina é o exemplo mais emblemático de uma molécula fascinante produzida pela biodiversidade que aplicamos na medicina”, afirmou Vanderlan Bolzani ao Nexo Políticas Públicas. “Até hoje, apesar de todo o desenvolvimento de analgésicos, ainda usamos a substância ou derivados dela.”

A baixa quantidade de produtos nacionais desenvolvidos a partir de substâncias descobertas no país é incompatível com a pesquisa acadêmica a respeito do tema, segundo o artigo de Bolzani e Valli. Inúmeras substâncias foram isoladas da biodiversidade do país, mas o conhecimento acadêmico ainda não chega à indústria brasileira.

Entre os produtos descobertos no Brasil está a bradicinina, substância do veneno da Jararaca-da-mata. Por inibir agentes que elevam a pressão arterial, ela deu origem a uma classe de remédios que tratam hipertensão, como o Capoten. Outro produto é o óleo essencial da erva-baleeira, base do anti-inflamatório Acheflan.

O que é bioeconomia

A bioeconomia é o conjunto de atividades que visam à produção e à distribuição de bioprodutos, ou seja, produtos que têm origem nos recursos biológicos, como biofármacos, insumos para a bioenergia, alimentos funcionais, produtos biodegradáveis e outros itens derivados de matéria natural.

O segmento se distingue de outros setores que usam os recursos naturais por dois motivos: pelo uso da biotecnologia (entre outros conhecimentos científicos de ponta) e pelo objetivo de construir um modelo de produção sustentável a longo prazo, baseado no uso de recursos renováveis e limpos.

2 trilhões

de euros é quanto a bioeconomia movimenta no mercado mundial, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico)

Um exemplo de iniciativa que pode ser classificada dentro da bioeconomia é o Proálcool (Programa Nacional do Álcool), que surgiu no Brasil nos anos 1970, durante a crise mundial do petróleo. Com o programa, o país passou a produzir etanol para gerar energia a partir da cana-de-açúcar.

FOTO: ADILSON WERNECK/EMBRAPA
Vasos, dentro de ambiente fechado e iluminado, contêm plantas da soja.
 SOJA PLANTADA EM CASA DE CONTENÇÃO PARA PRODUÇÃO DA PROTEÍNA CIANOVIRINA, UM FÁRMACO

A bioeconomia faz parte das estratégias de mais de 40 países para o futuro, segundo o artigo de Bolzani. Por usar produtos naturais no lugar de recursos não renováveis, o setor tem potencial de fazer frente à mudança do clima e a outros desafios relacionados ao ambiente, à economia, à transição energética, à segurança alimentar e à saúde.

Ao Nexo Políticas Públicas, Bolzani disse que a definição de bioeconomia (como produção baseada na natureza) pode ser vaga, e que sua pesquisa tem como foco produtos que “vão além das monoculturas” como soja e açúcar. Entre eles estão medicamentos, produtos de higiene e fragrâncias criadas a partir de ativos identificados na natureza.

“[Apostar na bioeconomia] seria muito interessante para o país”, afirmou a pesquisadora. Ela diz, contudo, que o setor exige investimento. “[Investir] não é uma tarefa simples. É custosa, dispendiosa e, muitas vezes, frustrante, porque as pessoas querem resultados muito rápido.”

Qual o potencial do Brasil

biodiversidade do Brasil é a maior do mundo. A variedade de espécies que se encontram no país inclui cerca de 103 mil animais e 43 mil tipos de vegetais, distribuídos em seis biomas terrestres e três ecossistemas marinhos, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

A quantidade de formas de vida originárias do país abriga plantas de importância econômica mundial, mas também uma diversidade química e biológica que, de acordo com o artigo de Vanderlan Bolzani, traz oportunidades para a inovação baseada em produtos naturais.

20%

do número total de espécies no mundo podem ser encontradas no Brasil, segundo informações do Ministério do Meio Ambiente

A fraca atuação do Brasil nesse campo se explica por opções que fez no passado. O país apoiou o desenvolvimento econômico na exportação de commodities (produtos básicos, como soja e açúcar) e não investiu em tecnologia para transformá-las em produtos de valor agregado, disse Bolzani ao Nexo Políticas Públicas.

A soja, por exemplo, é uma commodity. A isoflavona de soja (substância extraída do grão e usada para aliviar sintomas da menopausa) tem valor agregado e é um produto que demanda maior tecnologia para ser produzido, assim como outros do ramo da bioeconomia.

“Acho que, nos últimos 15 ou 20 anos, o país fez uma opção suicida de deixar de investir em alta tecnologia e começar a importar tudo, porque na época era conveniente, barato”, afirmou Bolzani. “Muitos setores nacionais deixaram de produzir. Mas hoje já não é tão fácil importar, por agora temos a alta do dólar.”

FOTO: AGÊNCIA BRASIL
Homem sem camisa está sozinho num pequeno barco, remando num grande rio. Atrás aparece a vegetação verde.
 HOMEM REMA EM BALSA NA AMAZÔNIA

Além da falta de tecnologia, Bolzani criticou o desmatamento em biomas como a Amazônia. Segundo a pesquisadora, ele traz prejuízos para o conhecimento da biodiversidade. “Não são todos os lugares que têm florestas como a nossa. Quando você perde essa informação biológica [com o desmate], ela não tem volta.”

O artigo que Bolzani escreveu com Marilia Valli defende que o Brasil invista em educação, ciência e infraestrutura para mudar esse cenário. As pesquisadoras afirmaram que o país tem condições de se tornar o líder em uma transição para uma economia sustentável, baseada no uso racional de produtos naturais fabricados com alta tecnologia.

Para tentar resolver um problema que pode ser de acesso à informação, o artigo apresenta o NuBBE, banco de dados de produtos naturais da biodiversidade brasileira. A base disponibiliza 2.223 estruturas de produtos naturais on-line e fornece informações sobre as substâncias. A criação é de Marilia Valli com orientação de Bolzani.