terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Novo sistema da Fundação SOS Mata Atlântica mostra desmatamento com precisão ampliada em dez vezes, OESP

 Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo

01 de fevereiro de 2022 | 05h00

A devastação ambiental no bioma Mata Atlântica continuou forte no País em 2021. Dados de levantamento do novo Sistema de Alertas do Desmatamento (SAD), da Fundação SOS Mata Atlântica, mostram que o impacto da agressão ambiental em quatro bacias monitoradas registrou 1.103 alertas de desmatamento no ano, num total de 6.739 hectares afetados.  A nova ferramenta, que vai monitorar a devastação de terras da Mata Atlântica e emitir alertas mensais sobre o tamanho dos estragos no meio ambiente, lançado nesta terça-feira, 1.º de fevereiro, identifica o impacto das derrubadas florestais em áreas de até um terço de hectare usando imagens de satélite dez vezes mais aproximadas do que o sistema costumava obter, informa levantamento da ONG.

“Com esses dados novos, mais aproximados, com melhor resolução das áreas afetadas, temos indícios de desmatamento ilegal”, afirma Luís Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica. Ele destaca que além da novidade da periodicidade mensal das informações, que serão reunidas em relatórios trimestrais publicados no site da Fundação, há o ganho adicional porque o novo sistema aponta o tamanho detalhado do estrago. “O novo SAD permite ver o impacto com  um nível de detalhes dez vezes maior”, afirma o diretor da SOS Mata Atlântica.

Os novos dados mostram que o desmatamento segue ocorrendo mesmo com a Lei da Mata Atlântica em vigor e afeta até áreas próximas de cidades, como acontece no Estado de São Paulo. O levantamento mostra que o novo sistema monitora, em média, a área de um campo de futebol. A maioria dos alertas de desmatamento (70%) se refere a perdas de vegetação em áreas menores do que três hectares, segundo o novo perfil do desmatamento da Mata Atlântica. São pequenos cortes de floresta natural, o que impõe dificuldades à fiscalização, conta o especialista.

Mata Atlântica
Trecho da Mata Atlântica na Rodovia dos Imigrantes, no Estado de São Paulo  Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

 A maioria dos alertas, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, ocorreu em áreas rurais com predomínio de uso agropecuário (93,7%), apontando a expansão do setor como o principal vetor do desmatamento neste bioma. “Há uma expansão de lavouras”, explica Guedes Pinto, comentando os dados em entrevista ao Estadão.

“O que a gente vê agora, com esses dados mais aproximados do satélite, é que os produtores rurais aprenderam, infelizmente, a desmatar aos poucos, em pequenas áreas. Com essa prática, ficava muito mais difícil a detecção pelo satélite, justifica Guedes Pinto.  “Era uma tentativa de evitar o controle do satélite”, afirma.

De acordo com esses dados da Fundação, pelo menos 91 alertas e 144 ha de desmatamento foram identificados na bacia do Rio Tietê, na Mata Atlântica do Estado de São Paulo, onde houve uma distribuição diferenciada do impacto: 34,8% dos alertas foram localizados em áreas urbanas, consequência da expansão das cidades. De acordo com o estudo, há “um importante vetor de desmatamento na região metropolitana de São Paulo”.

Perdas

“Continuamos perdendo florestas antigas e maduras, porém cada vez mais observamos também o corte de matas jovens, que estão em regeneração”, afirma Guedes Pinto. Ele argumenta que esse tipo de vegetação afetada tem um papel de conectar os remanescentes florestais mais antigos e prover serviços ecossistêmicos. “É o caso da conservação da água”, diz. “Mas muitas dessas áreas em regeneração são desmatadas antes de a vegetação atingir um estágio de maior maturidade, quando podem acumular mais carbono e abrigar maior biodiversidade”, explica o especialista.

Segundo Guedes Pinto, normalmente o satélite enxergava somente o desmate ocorrido em áreas de 30 mil m2. “Agora passamos a ver até 3 mil m2, um terço de um campo de futebol, e em qualquer tipo de fragmento de florestas, as antigas e também em florestas mais jovens, que estão em regeneração”.

 A maioria dos alertas (70%) se refere a perdas menores que três hectares, ressaltando o novo perfil do desmatamento da Mata Atlântica. De acordo com o especialista, é a soma de pequenos cortes de floresta natural, o que impõe dificuldades à fiscalização.

Guedes Pinto conta ainda que o projeto envolveu quatro regiões de relevância para o monitoramento: as bacias do Rio Tietê (SP), do Rio Iguaçu (PR), do Rio Jequitinhonha (BH e MG), mais o município de Bonito (MS). O levantamento reúne dados da devastação coletados pela Fundação, com parceria da s empresas Arcplan e MapBiomas. Todos os dados do SAD Mata Atlântica serão disponibilizados na plataforma MapBiomas Alerta e os resultados serão reunidos em boletins publicados pela Fundação SOS Mata Atlântica em: http://sosma.org.br/alertas.

O primeiro boletim, com resultados parciais do desmatamento do bioma no período e apoio também da Fundação Flex, mostra que  Minas Gerais, Bahia, Paraná e São Paulo estão entre os campeões do desmatamento no bioma nos últimos anos. E o município de Bonito, no Mato Grosso do Sul, considerado área de relevância para a qualidade da água, foi o o local que registrou mais impacto entre 2019 e 2020.

“Nesses Estados, escolhemos bacias hidrográficas onde o problema costuma ser mais crítico, principalmente em função da expansão agropecuária. A bacia do Rio Tietê em São Paulo não está entre as regiões de maior desmatamento do Brasil, mas tem a particularidade de ser uma região de metrópoles e grandes cidades, onde a expansão urbana também ameaça a Mata Atlântica”, explica o diretor da Fundação SOS Mata Atlântica.

Bacia do Iguaçu é campeã em alertas

Pelos dados do levantamento do novo SAD, a bacia do Iguaçu (PR e SC) foi a campeã em número de alertas com esse perfil: 423. Na bacia do Iguaçu também foi registrada a maior quantidade total de alertas, 528 (48%). A área desmatada (1.162 ha), no entanto, ficou abaixo da detectada na região de Bonito (MS), onde 137 alertas (12%) identificaram 3.223 ha desmatados.

Nota da Fundação SOS destaca ainda que a bacia do Rio Jequitinhonha (BA e MG) “teve a segunda maior área desmatada (2.212 ha ou 33% de toda a mata perdida)”. A maior parte dos alertas ocorreu em Minas Gerais (240 ou 22%), com 743 ha desmatados. Na Bahia foram mapeados 107 alertas (9%), porém maiores em área, que somaram 1.469 ha de desflorestamentos. Em todas as regiões monitoradas, 14 municípios têm desmatamentos que totalizam mais de 100 ha, sendo Nioaque (MS) o primeiro da lista, somando 1.260 ha.

Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, todo o bioma passa a ser monitorado seguindo os limites do mapa de aplicação da Lei da Mata Atlântica. O tamanho médio de cada área desmatada da Mata Atlântica vem diminuindo ao longo dos anos. São hoje comuns perdas inferiores a três hectares e em florestas nativas jovens, condições diferentes daquelas tradicionalmente monitoradas pelo Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, colaboração entre o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a SOS Mata Atlântica que se tornou referência ao, ano a ano, desde 1989, acompanhar a cobertura florestal e o desmatamento do bioma.

O SAD Mata Atlântica utiliza uma identificação automatizada baseada na comparação entre imagens do satélite Sentinel 2. O dados são checados, auditados e  cruzados com informações públicas, incluindo as propriedades do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e embargos e autorizações de desmatamento do SINAFLOR/IBAMA, para disponibilização no MapBiomas Alerta, uma plataforma única, aberta e transparente que monitora todo o território brasileiro, informa  material distribuído pela Fundação, uma ONG ambiental brasileira que tem como missão “inspirar a sociedade na defesa da Mata Atlântica”.

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