segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Por que temos tantos partidos?, Marcus André Melo, FSP

 A ciência política já identificou os fatores que determinam o número efetivo de partidos em um sistema político (Nepp). O principal é a representação proporcional (RP), o modelo mais popular e adotado em 94 países (o voto único em distrito uninominal, “voto distrital”, é adotado em 68).

Mas o efeito da RP é condicional a outros fatores. O decisivo é a magnitude do distrito. No Brasil, os distritos são os estados, e ela varia de 8 a 70 (a mediana é 17). Tudo o mais constante, adotado o distritão, por exemplo, o número de partidos no sistema não se alteraria, como mostrou Gary Cox (Universidade Stanford).

As democracias nas quais o distrito é o próprio país —Holanda, Dinamarca ou Israel— têm o número mais elevado de partidos do planeta. No plano oposto está o Chile, que adotou a RP, mas com magnitude 2, de 1989 a 2015. O Nepp no Brasil não tem paralelo. Uma forma de reduzir o tamanho do distrito seria através de modelos mistos, presentes em 37 países, nos quais os distritos poderiam cair pela metade.

O segundo fator são as cláusulas de barreira contra partidos nanicos. No Brasil, a ausência de uma foi variável crucial para a proliferação de partidos. Uma cláusula fora aprovada em 1995, mas julgada inconstitucional pelo STF, em decisão estapafúrdia, quando ia ser utilizada em 2006. A cláusula introduzida em 2017 periga cair na reforma em curso. Outras decisões do STF também criaram incentivos para a criação de partidos (janelas partidárias, migração em caso de partidos novos etc).

O terceiro fator é o federalismo. No Brasil, vige desde 1946 o princípio do caráter nacional dos partidos, em contraste com outras federações —como Argentina e Índia— onde existem numerosos partidos estaduais.

A proliferação de partidos no país ocorre a despeito dessa proibição. Mas a centralidade das eleições estaduais impacta o número de partidos; o segundo turno também magnifica esse efeito.

Charge de João Montanaro sobre a proliferação de partidos políticos no Brasil - João Montanaro - 27.set.2013

Em quarto lugar, o colossal volume de recursos públicos disponibilizado para os partidos, inclusive para quem não tem voto, converte a criação de partidos em atividade altamente rentável. Mesmo antes da aprovação do Fundo de Campanha, o Fundo Partidário garantia recursos inconcebíveis. As coligações em eleições proporcionais exacerbaram incentivos perversos no mercado de “chapas”. E elas podem voltar.

No debate público, a criação de partidos tem sido vista frequentemente como produto da volúpia incontrolável dos políticos em uma cultura secularmente clientelista. O problema com essa explicação é que ela se aplica virtualmente a tudo. Reduzir o problema a uma questão moral é perder de vista sua complexidade. O problema é institucional.

Morre, aos 77 anos, o marqueteiro Duda Mendonça, OESP

 Redação, O Estado de S.Paulo

16 de agosto de 2021 | 07h01
Atualizado 16 de agosto de 2021 | 12h13

O marqueteiro Duda Mendonça morreu nesta segunda-feira, 16, aos 77 anos, em São Paulo. Ele lutava contra um câncer no cérebro e estava  internado no hospital Sírio Libanês havia mais de dois meses. A informação foi publicada pela coluna do jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo. Desde a internação em São Paulo, a pedido da família, as informações sobre o estado de saúde do publicitário não são divulgadas. Casado com Aline Mendonça, ele deixa quatro filhos.

Duda Mendonça
O publicitário Duda Mendonça Foto: Celso Júnior/Estadão

Durante o tratamento, Duda chegou a ser diagnosticado com covid-19 e precisou ser intubado. Baiano de Salvador, chegou a estudar Administração de Empresas, foi corretor de imóveis e criou, em 1975, sua primeira agência de publicidade, a DM9, que teve Nizan Guanaes como estagiário e depois sócio.

O foco no marketing político veio apenas em 1985, com a conta de Mário Kertész, então candidato à prefeito de Salvador. Pouco tempo depois, elegeu Paulo Maluf para a Prefeitura de São Paulo, ganhando projeção nacional. A mais famosa das campanhas viria em 2002, quando criou o slogan “Lulinha, Paz e Amor” e fez Luiz Inácio Lula da Silva presidente após três tentativas sem sucesso. Também trabalhou com nomes como Miguel Arraes, Ciro Gomes, e Paulo Skaf

Em nota, o ex-presidente prestou pêsames à família e falou sobre a importância do publicitário. "Duda Mendonça foi um gênio da comunicação política. O seu trabalho na campanha de 2002 já está na história como uma das campanhas mais bonitas e sensíveis da nossa história. Em um momento em que o Brasil sofria com uma crise aguda, racionamento de energia e miséria, Duda Mendonça produziu filmes e mensagens de muita sensibilidade, de que a esperança venceria o medo. Aos seus familiares e amigos, meus sentimentos", escreveu Lula.

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Duda Mendonça e Lula durante gravação de programa eleitoral do PT à Presidência em 2002. Foto: FOTO JOEDSON ALVES/AE - 24/04/2002

Responsável pelas campanhas vitoriosas de Lula, em 2006, e Dilma Rousseff (2010 e 2014), o marqueteiro João Santana, que hoje trabalha para Ciro, disse que a morte de Duda é "uma perda irreparável" e que o colega de profissão "foi um divisor de águas no marketing político brasileiro". “Para nossa área, teve o mesmo significado de Boni para a TV brasileira: criador de estilo e renovador de linguagens. Todos nós devemos muito a ele”, completa o texto.

Para o cientista político e presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipesp), Antônio Lavareda, o publicitário foi “o mago das campanhas na TV”. “Genial, Duda simboliza o apogeu do marketing político da Nova Republica. Com uma política fragmentada que se reflete nas listas povoadas de candidatos nas campanhas e na baixa identificação partidária, a propaganda eleitoral cumpre um papel importante, sobretudo no Brasil, de organizar e posicionar as opções disponíveis para o eleitor", disse.

Para Lavareda, Duda deu 'inteligibilidade' às ofertas no mercado eleitoral. "Ele foi sobretudo o mago das campanhas na TV que, antes das redes sociais, monopolizavam a comunicação política. Uma era das campanhas eleitorais praticamente desaparece com ele”, afirmou ao Estadão.

Além de Lula, outros petistas lamentarem a morte de Duda Mendonça. Pelo Twitter, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), escreveu: "Lamento a morte do baiano Duda Mendonça. Publicitário que teve o seu talento reconhecido no Brasil e no mundo. Meus sentimentos para familiares e amigos." O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) usou a rede social para dizer que Mendonça foi um "grande publicitário."

 

Mensalão

Em 2005, em depoimento à CPI dos Correios, Mendonça confessou ter recebido R$ 10,5 milhões pela campanha à eleição de Lula via caixa 2. Ele chegou a virar réu no processo do mensalão, mas foi absolvido em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal

Os ministro concluíram que ele não teria como saber se era ilícita a origem de R$ 10,3 milhões que recebeu em 2002 na campanha de Lula ao Palácio do Planalto. Anos mais tarde, em 2016, teve seu nome envolvido na Operação Lava Jato, sob suspeita de ter recebido R$ 10 milhões para o grupo político do presidente Michel Temer delatado por executivos da Odebrecht. Em 2017, seguindo o caminho de outros dois publicitários do PT, João Santana e Mônica Moura, o marqueteiro assinou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal.


Mathias Alencastro O desmanche de uma ilusão no Afeganistão, FSP

Cabul foi cercada, o presidente Ashraf Ghani entregou o cargo, e a ocupação militar do Afeganistão vai terminar com a volta ao poder do grupo que abrigou a Al Qaeda, responsável pelo maior ataque contra os Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial. O fim de um ciclo tão trágico como inevitável.

A comunidade internacional nunca encontrou uma solução para o desafio da formação do Estado no Afeganistão desde 1989 e a retirada soviética: a descentralização do poder, distribuído entre milícias, chefes de guerra, forças regulares e insurgentes, e a consequente ausência de monopólio da força pelo Estado. Os pomposos programas de reconstrução do sistema legal e dos serviços públicos, animados por professores universitários e consultores internacionais, drenaram fortunas, mas jamais conseguiram tirar o regime da lógica da guerra e da extração.

A velocidade do colapso do aparato militar não deixa de surpreender. Os 150 mil soldados regulares receberam treino, soldo, e armamento, mas a sua vinculação política continuou inexistente. Quando começaram a sentir a mudança de ventos, os soldados recusaram-se a enfrentar os futuros donos do país em nome de um governo e de uma força ocupante em quem nunca acreditaram. A única exceção é o contingente de 50 mil militares forças especiais que, apesar dos meios sofisticados, sofrem contra os insurgentes, mestres na arte da guerra assimétrica. Na ausência da força aérea americana, que garantia a superioridade artificial do exército por meio de devastadores bombardeios, os talebans conquistaram as capitais provinciais sem qualquer oposição no espaço de uma semana, até chegarem ao corredor estratégico entre Kandahar e Cabul nas últimas 48 horas.

Joe Biden deixou claro no seu comunicado oficial publicado no último sábado (14) que não havia alternativa. Ele sabe que o projeto de ocupação do Afeganistão entrou em colapso logo em 2003, quando o presidente George W. Bush mobilizou todo o aparato militar na criminosa invasão do Iraque.

Helicóptero militar sobrevoa cidade
Helicóptero americano Sea Knight deixa a embaixada dos EUA em Cabul - Wakil Kohsar/AFP

A memória dos últimos 20 anos vai ser moldada pelos acontecimentos dos próximos dias. As imagens do fechamento das escolas e do regresso das piores praticas misóginas vão ser cinicamente exploradas pelos republicanos. A omissão de Washington diante do desespero dos civis afegãos que serão perseguidos pelo simples fato de terem acreditado nos Estados Unidos é uma infâmia injustificável.​

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No entanto, se Biden provavelmente se arrepende da sua declaração de 8 de Julho, quando disse confiar na resiliência do governo afegão, ele ainda confia na legitimidade da sua decisão, defendida por especialistas militares e movimentos da sociedade civil. Num gesto de rara coragem política, ele assumiu a responsabilidade de uma herança maldita. Todo o contrário dos seus predecessores, que preferiram sustentar uma ilusão com trilhões de dólares do contribuinte.