quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Jorge Abrahão Pandemia, mudança climática e eleições municipais: relação a ser considerada por eleitores e políticos, FSP

 Cada vez mais cresce a conscientização de que há uma relação entre a pandemia e a crise ambiental. Que o modelo de desenvolvimento, de produção e consumo, ao gerar um enorme impacto no meio ambiente —por meio, por exemplo, do desmatamento e da exploração descontrolada da biodiversidade—, gera desequilíbrios que facilitam o surgimento de epidemias e pandemias.

Por isso, na mais recente eleição municipal na Europa, a da França, o tema ambiental foi decisivo e os candidatos que deram centralidade a ele foram vencedores nas principais cidades como Paris, Marselha, Lyon e Bordeaux. Foi justamente nas cidades grandes que os maiores impactos da pandemia foram experimentados, uma vez que nelas os confinamentos foram mais severos, provocando uma maior clareza sobre a relação entre a exploração dos recursos naturais e a crise do novo coronavírus. Não ocorreu o mesmo nas cidades menores, o que pode explicar a razão pela qual nelas os partidos que venceram nos grandes centros não obtiveram o mesmo resultado.

Com a Covid-19 houve uma mudança de paradigma, tornando mais clara a responsabilidade do nível local de organização do poder e a necessidade de criar centros urbanos com maior grau de autossuficiência. O debate político transita do discurso sobre o estado menor —que prega menos investimentos em serviços públicos como saúde, ciência e educação— para uma valorização do estado de bem-estar social assim como da importância da ação local. Foi nesse contexto que projetos com bandeiras ecológicas encontraram eco.

As propostas nestas cidades contemplaram diversos temas. Em Paris, a cidade de 15 minutos propõe que a população consiga acessar em 15 minutos de distância a pé ou de bicicleta de sua casa todos os serviços de necessidade básica como saúde, educação, parques, serviços gerais e oportunidades de trabalho. Em Marselha, a coalizão ecológica chamada "Printemps Marseillais" defendeu em seu programa "Ecologia, Agricultura Urbana, Alimentação e Bens Comuns", um projeto de cidade no qual a agricultura urbana seria uma oportunidade de emprego e também a principal provedora de alimentos para a população local.

Em seu mais recente livro "Onde Aterrar: como se orientar politicamente no Antropoceno", Bruno Latour, antropólogo, sociólogo e filósofo francês, argumenta que a política é a relação que se constrói entre terra e pessoas. Latour convida os seus leitores a repensarem o conceito de território, uma vez que esse não se limita mais às fronteiras nacionais. A globalização fez com que nós cada vez mais dependamos de recursos de outros territórios, tanto os naturais como do trabalho de outras populações. De acordo com Latour, nós devemos re-apropriar o conceito de natureza e entender que somos parte dessa.

A mudança climática também traz à tona as nossas desigualdades sociais, já que os privilégios socioeconômicos permitem que uma elite se ausente ou se relacione com os impactos dos eventos climáticos de forma diferente do que os mais pobres. As dependências em torno do território se organizam de diferentes formas: aqueles que possuem recursos para viajar, consumir produtos como ar-condicionado ou alimentos de qualidade estão dando respostas individuais a um problema coletivo. Assim, os menos privilegiados são os mais dependentes dos territórios no nível local e, por isso, serão as maiores vítimas desse processo. Daí a importância da política e, no curto prazo, das eleições municipais.

No Brasil, a relação entre a pandemia e meio ambiente ainda não foi reconhecida como deveria. Na pandemia, foi justamente nos territórios mais vulneráveis (onde há mais favela, menos saneamento básico e menos leitos) que ocorreram mais mortes. De acordo com a edição especial do Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, no auge da pandemia os distritos com menor renda média familiar mensal registraram 2,7 vezes mais óbitos por Covid-19 do que os distritos que concentram mais renda.

Outro dado que ganhou destaque nesse levantamento: os dois distritos com maior idade média ao morrer registravam, em junho, um número baixo de óbitos por Covid-19: Moema (81 anos) e Jardim Paulista (80 anos), com 130 dos falecimentos. Enquanto isso, dos três distritos com menor idade média ao morrer, dois mantinham número alto de falecimentos pela doença: Grajaú (59 anos) e Cidade Tiradentes (57 anos), com 460 mortes —isso significa 3,5 vezes mais óbitos que os dois distritos com maior idade média ao morrer. Por aqui, lamentavelmente, a raça e o CEP foram determinantes no número de mortes.

Nas eleições municipais, a relação da pandemia com o meio ambiente, como ocorreu na França, deverá ser tratada. Até porque a ligação com nossas vidas é diária e permanente.

É só pensarmos no esgoto que polui os rios, nos resíduos que poluem as terras, rios e mares, na poluição dos carros e dos ônibus que provocam doenças respiratórias e acentuam a produção de CO2, no exagerado uso que fazemos de plástico, no trajeto e qualidade de nossa alimentação, na ausência de áreas verdes, parques e praças, e, por fim, na necessidade de mobilidade ativa com calçadas de qualidade e ciclovias.

Chama a atenção como as cidades e o modo de vida moderno fazem com que não nos sintamos parte da natureza, como se fosse algo externo e alheio à nossa vida. Se a política é a relação entre a terra e as pessoas, nós devemos abraçá-la urgentemente. Não dá para cuidar das pessoas sem cuidar da terra e, se não cuidamos da terra, não haverá solução para nossos problemas. Será importante verificar de que maneira os candidatos estão relacionando os temas e compreendendo a natureza como centro de um projeto de cidade. No fundo, somos todos natureza e dela dependemos. O desafio é a política incorporar esse conceito e os eleitores fazerem dele fator decisivo de sua escolha.

Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Ruy Castro Mãos na cumbuca, FSP

 

Amigos de São Paulo, Minas Gerais e Brasília têm me cumulado de mensagens sobre mais um governador do Rio apanhado com a mão na cumbuca —e que mão e que cumbuca. Mas que novidade há no fato de que, com poucas exceções, o Rio vem sendo governado por canalhas?

E não é de hoje. Há um firme controle por eles da totalidade do Executivo e do Legislativo e de parte do Judiciário locais —controle esse que começou desde que a fusão decretada pelo ditador Ernesto Geisel, em 1975, por motivos políticos e sem consulta às populações, entregou a rica Guanabara ao sistema dominado pelo pior do atrasado Estado do Rio. Foi esse sistema que gerou Moreira FrancoAnthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Luiz Fernando Pezão, todos fluminenses, o carioca Sérgio Cabral e o paulista (de Jundiaí) Wilson Witzel. O eleitorado do interior do Estado domina o da cidade do Rio à base de 60% para 40%.

Só que todos os luminares citados foram ou estão sendo investigados, incriminados ou denunciados por corrupção passiva e ativa, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. E cinco deles, até agora, já conheceram a grade. Garotinho e Rosinha gozam de uma porta giratória, mas Cabral está condenado a 294 anos. Significa que, mal ou bem, algo ainda funciona: a lei.

Poderia ser uma inspiração para a Justiça de outros Estados, cujas populações, nas últimas décadas, também têm feito escolhas discutíveis. Os brasilienses, por exemplo, elegeram Agnelo Queiroz, Paulo Octávio, José Roberto Arruda, Rogério Rosso e Joaquim Roriz. Os mineiros, Fernando Pimentel, Antonio Anastasia, Aécio Neves, Eduardo Azeredo e Newton Cardoso. Os paulistas, João Doria, Geraldo Alckmin, José Serra, José Maria Marin, Luiz Antônio Fleury, Orestes Quércia, Paulo Salim Maluf e o pai de todos, Adhemar de Barros.

Todos eles, cheios de processos nas costas. Apenas não foram condenados. E alguns nunca serão.

Pela primeira vez, entramos em uma recessão antes de recuperar as perdas da anterior, FSP

 

Silvia Matos e Luana Miranda

Economistas e pesquisadoras do FGV IBRE

Os dados do IBGE divulgados nesta terça-feira (1º) confirmaram o forte impacto da pandemia sobre a atividade econômica brasileira no segundo trimestre deste ano. A retração recorde de 9,7% em relação ao primeiro trimestre é maior do que a queda acumulada registrada nas últimas nove recessões enfrentadas pelo país desde a década de 80. O cenário torna-se ainda mais desafiador pelo fato de ser a primeira vez que entramos em uma recessão antes de recuperar as perdas da anterior.

A forte queda do PIB no segundo trimestre foi resultado de contribuições negativas disseminadas entre os principais setores da economia, à exceção da agropecuária que exibiu ligeiro avanço.

Os destaques negativos entre os setores da economia concentram-se nas atividades mais afetadas pelas políticas de distanciamento social. Conforme destacado no Boletim Macro IBRE há vários meses, a categoria de outros serviços –que inclui os serviços de alojamento, alimentação, saúde e educação privada, entre outros –sentiu os efeitos da crise de forma muito intensa.

Da mesma maneira, os serviços da administração pública também despencaram diante do adiamento das aulas na rede pública de educação e da redução dos serviços na rede pública de saúde. Essas duas categorias juntas (outros serviços e serviços da administração pública) respondem por quase 50% dos serviços totais no PIB.

Ainda em relação aos serviços, outra categoria que sofreu os efeitos da menor circulação de pessoas foram os transportes, cuja retração chegou a quase 20% em relação ao primeiro trimestre. O comércio também registrou queda recorde no período, e o desempenho dessa atividade poderia ter sido ainda pior na ausência das políticas públicas de compensação de renda que mais do que compensaram a queda da renda do trabalho.

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O setor industrial, por sua vez, retraiu mais de 12% em relação ao primeiro trimestre. A indústria de transformação reduziu a produção em resposta à menor demanda especialmente por bens de consumo duráveis e bens de capital. A construção civil, atividade intensiva em mão de obra, também reduziu as atividades durante o período de crise.

Pelo lado da demanda, o consumo das famílias desabou 12,5% na comparação com o trimestre anterior. Os dados do Monitor do PIB do FGV IBRE indicam que aproximadamente metade da queda é explicada pela redução do consumo de serviços e a outra metade, pelo menor consumo de bens duráveis e semiduráveis. Tudo indica que as políticas de transferência de renda tiveram papel fundamental na sustentação do consumo de bens. O consumo de serviços, por outro lado, ainda está longe de retomar o patamar pré-crise.

O desempenho desfavorável da construção civil e da produção de bens de capital puxou o investimento para baixo, que agora se encontra 37,3% abaixo do pico registrado em 2013. O elevado nível de incerteza, especialmente aquela relacionada ao quadro fiscal do país, limita a capacidade de recuperação futura do investimento, apesar do patamar historicamente baixo dos juros reais.