sábado, 4 de julho de 2020

Roberto Simon Presidentes estão em baixa na América Latina, FSP

Queda de popularidade é sinal de tormenta política que se aproxima

  • 3

Cifras assustadoras sobre a América Latina rondaram as páginas da imprensa internacional na última semana. Com 8% da população mundial, a região tem hoje 50% das mortes por Covid-19.

Latino-americanos serão também os mais impactados economicamente pelo vírus. O FMI estima uma queda de 9,4% do PIB regional em 2020, do México (-10,5%) ao Peru (-13.9%), da Argentina (-9,9%) ao Brasil (-9,1%). O que é pior, a recuperação pós-crise deve ser bem mais lenta do que em outros cantos do mundo.

Quais serão as consequências políticas desse colapso? Que elas virão e serão enormes, não há dúvidas. Contudo, o rumo da região ainda é altamente incerto, entre cenários escabrosos e outros um pouco mais otimistas.

Na foto, está sentado e fala ao microfone, Vizcarra usando máscara branca. Atrás dele há bandeiras do Peru
Em Lima, o presidente peruano, Martín Vizcarra, usa máscara cirúrgica durante entrevista coletiva sobre o novo coronavírus - 5.mai.20/ Presidência do Peru/ AFP

Se a história latino-americana pode nos servir de guia, tempos de intensa volatilidade política nos aguardam, escreveu Michael Reid, da Economist. Os dois grandes choques econômicos comparáveis –o crash de 1929 e a “década perdida”, dos anos 80– mudaram a natureza de regimes políticos ao redor da região.

Em certo sentido, as décadas de 30 e 80 levaram a caminhos opostos. A primeira, ao enfraquecimento de governos civis e à ascensão (ou à volta) dos militares. Os anos 80, do outro lado, viram a ruína de ditaduras. Em 1981, todos os países do Cone Sul viviam sob regimes militares. Em 1991, a região inteira era governada por civis eleitos.

Os primeiros sinais de turbulência política já se manifestam, com uma queda simultânea na popularidade de diversos presidentes. Com seu terraplanismo sanitário e apetite infinito para crise, Jair Bolsonaro entrou na pandemia em processo de desgaste. Mas mesmo líderes que, ao adotarem medidas drásticas contra o vírus, tiveram saltos de popularidade, agora veem seus índices de aprovação desmanchar.

Por exemplo, a reação inicial do peruano Martín Vizcarra à crise fez com que seu apoio crescesse 35 pontos em pouco mais de uma semana. Mas, apesar das medidas radicais de confinamento e do inédito auxílio a cidadãos e empresas, o país se converteu em um dos epicentros globais da pandemia (uma das razões principais: mais de 70% dos trabalhadores na informalidade). A popularidade de Vizcarra já caiu quase 20 pontos. Sua reprovação triplicou.

Na Argentina, as ações anticrise de Alberto Fernández pareciam ter rompido "la grieta" –a polarização extremada–, com o apoio ao presidente a saltar 25 pontos. Desde então, Fernández perdeu 15 pontos, e o conflito entre kirchneristas e macristas voltou à tona.

Mesmo o mexicano Andrés Manuel López Obrador –o único na região a se aproximar do negacionismo bolsonarista, embora de forma menos extremada– também está em queda. Entre abril e junho, sua aprovação foi de 68% a 56%, segundo uma pesquisa do El Financiero.

O pior da debacle econômica e sanitária ainda está por vir. Conforme a crise se alastra, o sentimento de oposição a governos continuará a crescer. Em um cenário pessimista, a pandemia pode solapar de vez o apoio à democracia na região. Países como o Peru, que terá eleições presidenciais em 2021, poderiam eleger figuras autoritárias e anti-establishment, consolidando uma tendência à brasileira. Ou não.

Segundo o último Datafolha, bolsonarismo e pandemia acabaram por ampliar o apoio à democracia, que alcançou 75%. Em um cenário otimista, a crise enfatizaria a eleitores latino-americanos a importância de governos capazes de realmente melhorar saúde, educação e, de modo geral, a governança.

A pandemia consolidaria uma promessa política feita nos anos 80 e jamais cumprida: uma América Latina democrática e com compromisso social inédito, responsabilidade fiscal e transparência.

A guinada na região virá. Sua direção, resta definir.

Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

Alvaro Costa e Silva, FSP Escorpiões voadores para prefeito

Com base no movimento de reajuste salarial, policiais militares articulam candidaturas em sete capitais

  • 2

reportagem de Fernanda Mena publicada no caderno em que a Folha mostrou o que foi a ditadura militar no Brasil esclarece que a Polícia Militar não se tornou o que é hoje —extremamente violenta— só porque herdou os métodos do regime de exceção. Em muitos aspectos, ela é assim desde a sua implantação, na época do Império, uma guarda armada a serviço das elites, um pequeno exército operado pelas oligarquias.

No Rio, a instituição é ainda mais antiga: em 13 de maio de 1809, dia do aniversário do príncipe regente, dom João 6º criou a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, inspirada na gendarmerie francesa. Ruy Castro desfia seu modus operandi no romance histórico “Era no Tempo do Rei”: “era um dilúvio de fardas azuis”; “seus homens já chegaram à briga na rua da Quitanda brandindo suas talas, distribuindo lambadas por atacado e planejando apurar futuramente quem fora o responsável pelo conflito”.

O historiador Luiz Antônio Simas tem uma tese: “A discussão sobre o que deu errado na Polícia Militar parte de um pressuposto equivocado. O problema das PMs não é ter dado errado. É ter dado certo. Escorpiões não foram feitos para voar como pássaros”.

A questão atual é o surgimento de escorpiões voadores. Incentivados por políticos —Wilson Witzel, durante a campanha, prestava continência até para escoteiro mirim e, eleito governador, ensaiou inventar o posto de general honorífico da PM—, preparam-se para uma aventura inédita.

Com base no movimento que reivindica reajuste de salário e que tem estimulado motins nos estados, policiais militares articulam candidaturas a prefeito em sete capitais. Já nas eleições de 2018 foi registrado um aumento de mais de 300% na participação de agentes de segurança nos Legislativos estadual e federal. Cansados de servir a quem manda bater, eles mesmos querem mandar.

Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Acabou a semana de 5 dias no escritório?, OESP

Claire Cain Miller, The New York Times

04 de julho de 2020 | 05h00

A maioria dos funcionários americanos não está com pressa de voltar ao escritório em tempo integral, mesmo depois que o coronavírus estiver sob controle. Mas isso não significa que eles querem trabalhar em casa para sempre. Como mostram dados diversos, é provável que o futuro, para eles, seja feito de uma semana dividida entre a casa e o escritório.

Pesquisas recentes mostram que empregados e empregadores apoiam esse arranjo. E estudos sugerem que trabalhar alguns dias por semana em cada local pode ser a solução para cancelar os efeitos negativos de cada um e colher os benefícios de ambos. “Não podemos pensar em tempo integral e tempo nenhum”, disse Nicholas Bloom, professor de Economia da Universidade de Stanford, cuja pesquisa identificou vínculos causais entre o trabalho remoto e o desempenho dos funcionários. “Acredito firmemente que, no pós-covid, teremos meio período de escritório.”

Box, Califórnia
A Box, na Califórnia, remodelou o escritório para fazer com que os funcionários queiram voltar a trabalhar; hoje, a política é deixar que eles trabalhem alguns dias em casa. Foto: Matt Edge/The New York Times

De acordo com uma nova pesquisa da Morning Consult, 47% dos que trabalham remotamente afirmam que, quando for seguro voltar ao trabalho, o arranjo ideal seria continuar trabalhando em casa de 1 a 4 dias por semana. Outros 48% trabalhariam em casa todos os dias, e apenas 14% retornariam ao escritório todos os dias.

É provável que os profissionais que podem trabalhar de casa tenham mais educação, renda mais alta e, até agora, venham escapando dos cortes de emprego mais graves da pandemia. Isso pode mudar à medida que a economia continuar sofrendo, o que, segundo analistas, pode afetar as políticas de trabalho em casa de diferentes maneiras: os empregadores podem entrar em pânico e voltar a seus hábitos antigos, ou incentivar o trabalho remoto para cortar custos imobiliários.

Na Pesquisa sobre Incerteza Empresarial – realizada pelo Atlanta Fed, Stanford e Universidade de Chicago –, os empregadores previram que, após a pandemia, 27% de seus funcionários de tempo integral continuariam trabalhando em casa, pelo menos por alguns dias por semana. Outras pesquisas de empresas mostraram que elas esperam que pelo menos 40% dos funcionários continuem trabalhando remotamente.

Em todas as organizações, o trabalho foi mais eficaz quando os funcionários ficaram em casa 1 ou 2 dias por semana, segundo pesquisa da Humu, uma empresa de tecnologia administrada pelo ex-chefe de recursos humanos do Google. “Isso cria uma mudança, na qual o tempo de escritório fica para o trabalho colaborativo, para o trabalho inovador, para realizar essas reuniões. E o tempo de casa é para trabalho focado”, afirmou Stefanie Tignor, diretora de dados e análises da Hamu.

Dificuldades

Nos EUA, alguns experimentos anteriores com trabalho remoto, como na Best Buy e no Yahoo, foram encerrados porque os gerentes concluíram que os trabalhadores remotos não eram responsáveis o suficiente e sentiam falta da colaboração interpessoal.

Mas nas pesquisas sobre trabalho remoto têm sido difícil provar que a localização dos trabalhadores causou certos efeitos e saber se os efeitos seriam diferentes se seus concorrentes, parceiros e clientes também estivessem trabalhando em casa. 

A pandemia obrigou as empresas americanas a experimentar o trabalho remoto em larga escala. E, até agora, os resultados têm sido bastante positivos – mesmo com o enorme estresse da pandemia, a começar pelas escolas fechadas.

Na pesquisa da Morning Consult, realizada entre 16 e 20 de junho com uma amostra representativa de 1.066 americanos, que declararam que seus trabalhos podiam ser realizados remotamente, quase 2/3 disseram ter gostado de trabalhar em casa e apenas 20% disseram que não (os demais não sabiam ou não tinham opinião). Três quartos estão satisfeitos com a maneira como suas empresas lidaram com a transição; apenas 9% não estão. Cinquenta e nove por cento se disseram mais propensos a se candidatar a um emprego que oferecesse trabalho remoto.

Dos 87% que querem continuar trabalhando em casa alguns dias, mesmo depois que for seguro voltar ao escritório, a opção preferida é trabalhar remotamente de 1 a 4 dias por semana. As pessoas de 18 a 44 anos têm uma propensão ligeiramente maior de preferir esse arranjo, assim como as pessoas com formação superior e renda mais alta. As mulheres são um pouco mais propensas que os homens a dizer que querem trabalhar em casa todos os dias.

Mas persistem algumas desvantagens do trabalho remoto. A maioria das pessoas sente falta das conexões sociais no trabalho, constatou a pesquisa. No estudo de Bloom sobre uma empresa de viagens chinesa, metade dos trabalhadores remotos queria retornar ao escritório quando o experimento terminasse. Seus motivos eram solidão, estigma e preterições na hora da promoção. Esses e outros motivos são a razão pela qual Box e outras empresas querem que os funcionários retornem.

A configuração de trabalho ideal, muitos dizem, pode ser aquela em que todos trabalhem em casa ou no escritório nos mesmos dias da semana, e todos saibam quais são os dias para colaboração e quais são os dias para trabalho focado. Pode ser algo difícil de conseguir, pelo menos enquanto o coronavírus ainda representar um risco grave, pois se recomenda que as empresas tenham agendas escalonadas para proporcionar um distanciamento físico maior dentro dos escritórios. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU