quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Centro vai apoiar Huck contra PT e Bolsonaro, diz ex-senador Jorge Bornhausen, FSP

'Oráculo' da centro-direita critica Doria e vê chance de parlamentarismo já para 2022

Igor Gielow
SÃO PAULO
O centro deverá apoiar Luciano Huck na disputa com o PT para enfrentar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno em 2022, deixando João Doria (PSD) de lado. E o poder real no país pode acabar nas mãos de um primeiro-ministro.
As previsões foram feitas por um dos mais experientes observadores da cena política brasileira, o ex-senador catarinense Jorge Bornhausen.
Aos 81 anos, ele é um dos principais oráculos ouvidos por atores do centro à direita, mesmo tendo deixado a vida partidária em 2010.
O ex-senador Jorge Bornhausen - Mastrangelo Reino-1º.set.11/ Folhapress
Para ele, que segue ativo em seu escritório de advocacia no Itaim Bibi, em São Paulo, "Bolsonaro conseguiu fazer o que nunca conseguimos, juntar o centro, os bons e os ruins". No momento, "recaiu todo sobre o Rodrigo Maia", referindo-se ao presidente da Câmara, mas 2022 será outra história.
Maia é do DEM, antigo PFL, partido associado à carreira de Bornhausen —que foi duas vezes senador, ministro da Educação (governo Sarney), embaixador em Portugal e governador de Santa Catarina.
Para ele, o DEM, o PSD e outras siglas de centro estarão com o apresentador global Huck (sem partido) em 2022. 
E o governador tucano de São Paulo, Doria? "Falta a ele uma condição política importante: ser paciente. Ele deveria esperar. Ele não tem grupo político, não conversa", diz.
Hoje, Maia é aliado do tucano. "É um cerca-lourenço [a popular conversa mole para obter vantagens]. O DEM é muito mais Huck do que Doria", afirmou o ex-senador, próximo do PSD, partido que ajudou a montar e que é controlado por Gilberto Kassab, seu afilhado político.
Huck é um nome fomentado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que recentemente cobrou que o apresentador se posicione como líder político.
O global já demonstrou disposição de disputar a diversos interlocutores, mas quer adiar o anúncio para afastar-se do escrutínio inevitável.
Na avaliação de Bornhausen, Huck e um nome do PT irão disputar a vaga no segundo turno contra Bolsonaro (PSL). "O presidente manterá seus 25%, 30% de apoio, apesar de tudo", afirmou.
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O "tudo" em questão é balbúrdia política que marca o bolsonarismo no poder. "Ele saiu atacando todos, chamando tudo de velha política. Antes, era quase impossível aprovar um projeto sem apoio do Executivo. Isso mudou."
Para ele, o símbolo do revigoramento do Congresso foi a aprovação da reforma da Previdência, processo amplamente creditado a Maia.
"Agora, o Congresso vai rumar para o parlamentarismo. Há 50% de chance de isso já ocorrer para 2022", disse ele, descartando o fracasso da experiência nos anos 1960 e a rejeição a ela no voto, em 1993.
Bornhausen aponta um mapa do caminho. Primeiro, o veto às coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020 tenderá a reduzir o quadro partidário.
Segundo, ele acredita que será aprovado no Congresso no ano que vem o voto distrital misto, no qual listas fechadas de candidatos definidas pelas siglas convivem com a eleição de indivíduos.
"Tudo isso vai qualificar a representação. Precisaremos de uma, duas, talvez três eleições para a qualificação ocorrer, mas vai", afirmou.
Com esse arcabouço de partidos mais estruturados, diz, será inevitável rumar ao parlamentarismo.
O reforço das siglas já está em curso. Seu aliado Kassab tem corrido o país para montar palanques, e tem dito a amigos que o PSD sairá como a maior sigla da eleição.
Bornhausen não se impressiona com o que é visto como o baixo nível generalizado na vida pública brasileira. "Há nomes que surgiram aos quais é preciso dar atenção. Um é o da Tereza Cristina [DEM], ministra da Agricultura. Outro é o do Eduardo Leite [PSDB], governador gaúcho", disse.
A ministra faz o que ele chama de "grande trabalho", e ele credita a ela a conclusão do acordo Mercosul-União Europeia. Já o tucano é elogiado como articulador e por ser "corajoso" ao enfrentar as corporações estaduais na discussão sobre a reforma previdenciária e administrativa local.
O ex-senador é crítico de Bolsonaro e, principalmente, da influência de seus filhos e da chamada área ideológica do governo. Mas acha a Esplanada em boa parte de qualidade. "Tem a Tereza, tem o Tarcísio [Gomes, Infraestrutura], tem o Paulo Guedes [Economia], os ministros militares são preparados", diz.
Mas também há "o Itamaraty, a Educação e a Damares [Alves], que nem sei o nome do ministério [da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos]", diz, em tom reprovativo.
Ele acredita que Bolsonaro se manterá amparado na sua base radicalizada, como já vem fazendo hoje, mas enfraquecido. "A economia tem sinais de melhora, mas o desemprego, não."
A cacofonia das brigas bolsonaristas, como a em curso entre o presidente e seu partido, não são um problema tão grave para a economia na visão de Bornhausen. "Elas não afetam nem afetarão votações do Congresso", disse.
O ex-senador votou, "por exclusão porque não voto no PT", em Bolsonaro no segundo turno de 2018. Ele mantém a ojeriza ao partido de Lula, com o qual teve ríspidas discussões no passado —num episódio famoso de 2005, ele comemorou o mensalão porque o escândalo do governo do PT "livraria o país por pelo menos 30 anos dessa raça".
Isso lhe garantiu o ódio dos petistas, em especial do líder, que prometeu em 2010 "extirpar o DEM da política".
Sua primeira opção na eleição foi o tucano Geraldo Alckmin, que despacha em um escritório no andar abaixo do prédio de Bornhausen.
Ele concorda com a avaliação do ex-governador paulista de que o atentado a faca contra Bolsonaro foi determinante para sua vitória. "Ele foi eleito por uma forte reação ao PT. Mas fico em dúvida se seria a mesma coisa [sem a facada], com mais exposição."
Seja como for, ele diz que o Brasil "é um país com azar", citando também duas mortes: a de Tancredo Neves na véspera da posse como primeiro presidente civil após a ditadura, em 1985, e a do deputado Luiz Eduardo Magalhães, considerado um sucessor natural de FHC, em 1998.

Fernando Schüler Meu amigo chileno, FSP

Meu amigo chileno

O fato é que não sabemos precisamente o que se passa, e não é a primeira vez

Logo que estourou a crise chilena, liguei para um velho amigo, professor da Universidade Adolfo Ibáñez, em Santiago. Sujeito prudente, acadêmico de primeira e profundo conhecedor da política chilena. Abatido com a crise, ele sugeriu alguns caminhos, mas reconheceu: “está todo muy convulsionado todavía, falta un tiempo para poder hacer un análisis pausado”.
Horas depois percebi que não precisava me preocupar. A algazarra digital, aqui pelos trópicos, já havia explicado tudo. Pela rapidez das análises, desconfio que tudo já era sabido mesmo antes dos protestos.
À direita, referências difusas ao Foro de São Paulo (sempre ele) ou à inconformidade da esquerda com a última derrota eleitoral; à esquerda, a resposta quase unânime: a desigualdade. A chave que abre qualquer porta, nos dias que correm. Alguns ainda culpavam a previdência chilena. O sujeito tem 18 anos, sente que terá um problema aos 60 e decide saquear o Walmart ou ir à rua com um coquetel molotov, para explodir o metrô de Santiago.
Explicações desse tipo não valem muita coisa. Elas são o feijão com arroz da guerra política de todos os dias. O fato é que não sabemos precisamente o que se passa, e não é a primeira vez. Alguém por acaso sabe o porquê das manifestações de rua de 2013 no Brasil? Especulações há de sobra, e é fácil narrar aqueles episódios todos, mas explicar é algo inteiramente diferente.
Parece claro que estamos diante de um fato novo, nas democracias, ou ao menos em uma escala nova, que é a explosão periódica e caótica de movimentos de rua, sem comando organizado e sem conexão necessária com indicadores sociais ou econômicos. Em 2011, a morte de um jovem negro em Tottenham, em Londres, levou a uma onda de saques na Inglaterra; o movimento dos coletes amarelos, na França, segue a mesma trilha, e a mesma, e inútil, guerra de interpretações.
A desigualdade pode estar na raiz da crise chilena? É possível. O Chile apresenta uma concentração de renda acentuada, ainda que um índice de Gini relativamente baixo na região. É preciso combinar isso com outros aspectos. Estamos cansados de ler sobre os bons indicadores chilenos. Melhor IDH da região, melhor educação básica, economia crescendo. Eles são verdadeiros e nos ajudam a desenhar um cenário, mas no fundo não explicam muito.
No tema da desigualdade, há um problema óbvio: é preciso demonstrar causalidade, não apenas correlação. E alguma regularidade. Algo como: sociedades a partir de um ponto x de concentração de renda (que ponto seria esse?) tendem à revolta. E aí as coisas se complicam. Não digo que não seja possível, mas é preciso mais do que imaginar que essas coisas sejam autoevidentes (elas sempre parecem ser, no mundo da ideologia ou da religião) ou simplesmente dizer um palavrão aos infiéis.
Tempos atrás escrevi um artigo tratando do surgimento de um quinto poder nas democracias. As ondas difusas de opinião que se movem, com alta ou baixa intensidade, no espaço digital. Mas frequentemente emergem nas ruas, ao estilo flash mob, não raro em explosões de violência.
O sociólogo Manuel Castells mapeou mais de 80 países que assistiram a explosões desse novo tipo, em contextos muito distintos. Da Primavera Árabe aos próprios movimentos de estudantes no Chile, em 2006 e 2011, passando pelos Indignados, na Espanha, até o icônico Occupy Wall Street.
São coisas muito diferentes, mas com incômodos traços em comum. Em regra, surgem a partir de um gatilho (os 30 pesos, no caso chileno) e criam um efeito de contágio; são difusos em termos programáticos, reivindicando a um só tempo tudo e muito pouco que possa ser objetivamente negociado. Sua liderança é dispersa (o que leva o sistema frequentemente a não ter o que e com quem negociar) e por fim tudo tende ao efêmero.
Castells tem uma visão algo romântica dos movimentos em rede. Sua violência seria essencialmente reativa e eles seriam fonte de novas formas de democracia. Não é o que se vê nas ruas do Chile, onde a violência está longe de ser reativa. E ela é, por definição, a negação da democracia.
Parece evidente que vivemos uma era de instabilidade, que a internet reduziu brutalmente o custo de organização política, que o indivíduo ganhou poder diante das instituições, que as vias tradicionais de representação envelheceram e ninguém sabe bem como acomodar o quinto poder nos limites da democracia representativa e seus procedimentos.
Daí certo apelo à humildade e à ponderação, de modo que agradeço a meu colega chileno pelo pedido de tempo, por sua sábia e suave não explicação.
Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.