domingo, 20 de outubro de 2019

É mais fácil berrar mito do que impor a todos a própria mitologia, FSP


Bolsonaristas carecem de organicidade ideológica, não têm partido e seu enraizamento social é menor do que se avoca


No Dia das Crianças, o filho “príncipe” ou “mitinho” postou no Facebook: “O CPAC não é sobre Bolsonaro, governo ou políticos. É sobre nos identificar, saber o que é ser conservador e levantar nossas bandeiras. Assim, em meu discurso falai [sic] um pouco como combater na guerra cultural dando enfoque na juventude (“farmeme”) e depois discorri sobre a história do marxismo e revoluções do séc. 20, passando por Venezuela até chegar na eleição de 2018”.
Além de esbanjar tanta erudição histórica, Eduardo Bolsonaro completou suas infatigáveis postagens sobre a Conferência de Ação Política Conservadora do último fim de semana envergando uma camiseta com a inscrição “Liberty, Guns, Bolsonaro, Trump” e a legenda “o conceito de LGBT foi atualizado”. 
Muitos conceitos têm sido atualizados pelos bolsonaristas. Conservadorismo é dos prediletos, celebrado com emoção por palestrantes-ministros na conferência. Transbordaram orgulho com o sucesso de sua maneira de ver a política e o mundo. Governam.
E têm lastro. Multiplicam-se iniciativas de apoio. Fóruns conservadores ocorreram ou estão agendados em Ribeirão Preto, Londrina, Belo Horizonte e Recife. Editoras como a É Realizações e coleções como a Biblioteca Antagonista encharcam livrarias com títulos de orientação antiesquerda —além dos nacionais, há traduções de gurus internacionais, como Roger Scruton e Michael Oakeshott
Contas nas redes sociais abundam em adeptos e há youtubers, sites, jornais, seminários e até uma pós-graduação dedicada a depurar as mentes de qualquer esquerdismo. 
Toda esta movimentação para a guerra cultural à maneira norte-americana se cristaliza em pelo menos 70 movimentos sociais antiesquerda criados ao longo do governo Dilma. Não estão para brincadeira. 
Mas daí a considerar tudo isso que bolsonaristas nomeiam “conservadorismo” como fascismo vai passo largo. Vários intelectuais o deram, adotando o termo escorregadio que veste mal o fenômeno. 
Primeiro porque os tempos são outros. A sociedade contemporânea é mais complexa que a do miolo do século 20 e há a memória do Holocausto, obliterada por uns, mas não por todos. 
Sobretudo, os bolsonaristas carecem da organicidade ideológica e da organização política da direita dos anos 1940. Seus cérebros não são o de Goebbels, seu partido não existe e seu enraizamento social é menor do que se avoca. 
Todas as pesquisas de opinião mostram que os bolsonaristas de coração, alegres com todas as estultices do presidente, rodam na casa dos 12%. Franca minoria. Os outros votaram por desagrado com as demais opções disponíveis.
Nas democracias há espaço para as minorias, à esquerda e à direita, desde que não atentem contra o Estado de Direito. Os bolsonaristas prefeririam uma ditadura, verdade, mas suas trapalhadas cotidianas evidenciam a incompetência para impô-la. E os seguidos contrapontos que vêm recebendo no espaço público e nas instituições, no Brasil e no exterior, esclarecem que é mais fácil berrar “mito” que impor a todos a própria mitologia.
Contam com apoio movediço. Enquanto o conservadorismo nos Estados Unidos vem se estruturando desde a Guerra Fria, aqui tudo é mais recente, assistemático e bagunçado. 
Os congressos conservadores ianques têm lideranças políticas e intelectuais de peso, cauda longa de mobilização e aporte da indústria armamentista. As três coisas faltaram à festa tupiniquim. Deixando a cena para o príncipe, nem o pai compareceu
O conservadorismo, com promessa de nova ordem moral e “nova política”, tem apelo. Mas está longe de ter se tornado hegemônico. O Brasil, no aforismo de Tom Jobim, não é para principiantes. Fórmulas prontas, como fascismo, explicam pouco e mal o complicado da vida nacional e as oscilações de opinião conforme as conjunturas. 
Só bots têm coerência ideológica absoluta, gente de carne e osso é contraditória. Instituições também. Veja-se a Fiesp. Até outro dia, ostentava o pato amarelo e o “nossa bandeira jamais será vermelha” e, agora há pouco, se vestiu com a bandeira chinesa.

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Fiesp é iluminada com a bandeira da China comunista, em comemoração aos 70 anos da fundação do país - Rahel Patrasso/Xinhua
Pessoas de baixa renda tampouco são ignorantes prontas para a hipnose de líderes totalitários, como alguns as veem. Se a economia não melhorar, muitos dos que gritam “mito” logo gritarão outra coisa. 
Já o azul-e-rosa da ministra acha contraponto no humanismo cotidiano de cidadãos como o pedreiro Joilson Santos, que dança balé com as filhas autistas. Para o blá-blá-blá conservador, o pai-bailarino respondeu com sábio desdém: “Não tô nem aí”.
Angela Alonso
Professora de sociologia da USP e pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Justiça proíbe cidade de Aparecida de ter estátua gigante de Nossa Senhora, FSP

Monumento doado ao município paulista está desmontado e abandonado em terreno desde 2017

Tânia Campelo
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP)
A Justiça de Aparecida (180 km de São Paulo) proibiu a construção de uma estátua gigante de Nossa Senhora Aparecida e determinou a retirada de cinco obras em homenagem à santa de áreas públicas do município de Aparecida. 
A decisão de primeira instância acata pedido da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) e foi publicada na última segunda-feira (14), dois dias após o feriado do Dia da Padroeira do Brasil (12). A prefeitura informou que vai recorrer da decisão.
As obras foram feitas pelo escultor Gilmar Pinna em 2017, em comemoração aos 300 anos da data em que foi encontrada a imagem da santa no rio Paraíba do Sul.
Nesse mesmo ano, a associação dos ateus ingressou com ação na Justiça questionando a legalidade de terem sido usados recursos públicos e a suposta doação de áreas do município para a construção de monumentos religiosos.
Pinna recebeu R$ 280 mil para construir cinco monumentos em rotatórias da cidade. As obras representam milagres de Nossa Senhora Aparecida e foram custeadas pela Prefeitura de Aparecida com verba do Dade (Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias), da Secretaria do Turismo do governo estadual.
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Já a estátua gigante, que Pinna teria doado ao município, permanece desde 2017 desmontada e amontoada em uma área pública.
De acordo com o projeto, que não saiu do papel, a escultura ficaria com 50 m de altura, e no entorno seria construído um parque temático.
De acordo com a sentença da juíza Luciene Allemand, da 1ª Vara Cível de Aparecida, a prefeitura terá que retirar as obras religiosas dos áreas do município e não poderá financiar outros monumentos religiosos com recursos públicos. Ela também revogou as doações de terrenos para essa finalidade.
O secretário de Justiça e Cidadania, Marco Aurélio de Toledo Piza, afirmou que a prefeitura recebeu a decisão da juíza “com desconforto” e que vai recorrer.
“O argumento utilizado é que o estado é laico e há relativização a respeito disso, a constituição garante a liberdade [...] No caso específico de Aparecida, as imagens que dizem respeito aos milagres de Nossa
Senhora Aparecida e à imagem da santa, que está lá para ser executada, estão intimamente ligadas ao fator histórico e cultural da própria cidade. Há um vínculo muito forte, por consequência, da religião com o município”, disse Piza.
Ele afirma ainda que o turismo religioso é a base da economia de Aparecida. Mais de 12,6 milhões de pessoas visitaram o Santuário Nacional de Aparecida em 2018, de acordo com dados divulgados pela basílica.
Procurada pela reportagem, o Santuário Nacional e a Arquidiocese de Aparecida não se manifestaram sobre a decisão da juíza. 
O escultor Gilmar Pinna e representantes da Atea também foram procurados, mas não haviam se manifestado até sexta-feira (18).

sábado, 19 de outubro de 2019

Chineses estão perto de comprar Linha 6 do Metrô, OESP

Concessionária Move São Paulo, que tem como sócios a Odebrecht, a Queiroz Galvão e a UTC, escolheu a CR20 para negociar venda da concessão da Linha Laranja

Renée Pereira, O Estado de S.Paulo
19 de outubro de 2019 | 04h00
A chinesa CR20, subsidiária da China Railway Construction Corporation (CRCC), foi escolhida pelo consórcio Move São Paulo – formado por Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC – para negociar a compra da concessão da Linha 6 – Laranja do Metrô de São Paulo, apurou o Estado. Três empresas estavam no páreo: além da chinesa, a espanhola Acciona e a americana KT2. Mas a proposta da empresa asiática foi considerada mais vantajosa, segundo fontes próximas ao negócio.
O consórcio, cujos acionistas estão envolvidos na Operação Lava Jato, têm até 11 de novembro para concluir a negociação. Se até essa data não houver um acordo, haverá a caducidade (extinção) da concessão da Linha 6 – hoje o maior projeto do Estado de São Paulo e que vai exigir investimentos da ordem de R$ 10 bilhões.
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Tatuzão. Ramal da Linha 6 do Metrô ligará universidades Foto: Rafael Arbex/Estadão (14/12/2017)
Uma fonte próxima às negociações afirmou ao Estado que a CR20 apresentou uma proposta vinculante no início da semana. A resposta veio em seguida, por meio de uma carta enviada à companhia chinesa, informando que a proposta havia sido aceita, mas com algumas condições que precisavam ser validadas. Até ontem a chinesa não havia respondido.
Segundo uma outra fonte próxima ao negócio, a escolha dos chineses foi discutida numa reunião ocorrida na quarta-feira com o governador de São Paulo, João Doria, o secretário de Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, o secretário da Fazenda, Henrique Meireles, e os acionistas da concessionária Move São Paulo. Há uma preocupação com o cronograma para não ultrapassar a data da caducidade da concessão.
Concluídas as negociações, é preciso assinar o contrato de compra e venda da Linha 6 e passar pela aprovação do Estado. Esse processo não deve representar problema uma vez que o governador já manifestou, em outras ocasiões, simpatia pela transferência da concessão para os chineses. Procurada, a Secretaria de Transportes Metropolitanos afirmou que houve uma reunião na quinta-feira, mas não confirmou a escolha da proposta dos chineses. A concessionária também não quis se pronunciar. A CR20 não respondeu.
Além das empresas que estavam na disputa, alguns fundos de investimentos também estavam interessados em fazer proposta pela concessão. Mas, após a reunião, se retiraram do processo, dizem fontes.

Caducidade

O contrato de concessão foi assinado em 2013 com a Move São Paulo e as obras iniciadas em 2016. Mas, com o envolvimento das empresas na Lava Jato, o consórcio ficou sem financiamento para continuar a construção. No ano passado, na gestão de Marcio França (PSB), o governo paulista chegou a declarar a caducidade da concessão pelo descumprimento do contrato. A empresa deveria ter retomado as obras, mas não seguiu o cronograma por falta de dinheiro.
A declaração de caducidade saiu em dezembro. De acordo com o decreto, a extinção passaria a valer em agosto deste ano, mas Doria adiou a data para 11 de novembro, dando mais tempo para o consórcio negociar a venda da concessão. A caducidade não seria a melhor saída nem para o consórcio nem para o governo já que provocaria uma disputa judicial de anos.

Linha vai ligar universidades

A Linha 6 – Laranja de metrô foi concedida ao consórcio Move São Paulo, formado pelas construtoras Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC, em 2013. O empreendimento, conhecido como a “linha das universidades”, terá 15 quilômetros de extensão e ligará a região de Brasilândia e Freguesia do Ó, na zona norte, à região central de São Paulo. No total, serão 15 estações.
Na época da assinatura do contrato, a demanda prevista para o trecho era de 633 mil passageiros por dia, percorrendo centros educacionais, como Unip (Universidade Paulista), PUC (Pontifícia Universidade Católica), Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), Mackenzie e FMU (Faculdade Metropolitanas Unidas), num trajeto de 27 minutos. 
A maior parte das obras será subterrânea e deverá utilizar dois shields – equipamentos de escavação conhecidos como tatuzões – para construção dos túneis.