sábado, 19 de outubro de 2019

Juiz suspende processo contra Deltan e evoca São Jerônimo para criticar ‘desequilíbrio’ entre Ministério Público e magistratura, OESP



O juiz Friedmann Anderson Wendpap, da 1.ª Vara Federal de Curitiba, determinou a suspensão de um processo administrativo do Conselho Nacional de Ministério Público contra o procurador Deltan Dallagnol – envolvendo o episódio em que, em entrevista à rádio CBN, afirmou que três ministros do Supremo formavam ‘uma panelinha’ e passavam para a sociedade uma mensagem de ‘leniência com a corrupção’.
A decisão foi dada no âmbito de uma ação ajuizada pelo chefe da Lava Jato em Curitiba.

Documento

Wendpap entendeu que a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público de instaurar o procedimento administrativo disciplinar contra o procurador seria ‘nula’, ‘em face da decisão terminativa pretérita sobre fato e autor idênticos’.
Após atender o pedido de tutela de urgência feito pelo procurador, Wendpap se disse angustiado pela ‘corrosão’ do equilíbrio entre a magistratura e do Ministério Público. “Evoco São Jerônimo: rideo advocatum qui patrono egeat (‘rio-me do advogado que precise de advogado’)”, escreveu o magistrado.

Os argumentos de Deltan

O procurador indicou que a entrevista à CBN havia sido objeto de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), por falta de decoro e urbanidade.
Durante a entrevista, no dia 15 de agosto de 2018, Deltan afirmou que três ministros do Supremo formavam ‘uma panelinha’ e passavam para a sociedade uma mensagem de ‘leniência com a corrupção’.
Na ocasião, o procurador se referia aos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, ao criticar uma decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.
O procedimento acabou sendo arquivado, por decisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal proferida dia 2 de abril deste ano.
Deltan apontou que, semanas depois, o Conselho Nacional do Ministério Público decidiu abrir um procedimento para analisar o mesmo episódio.
Nesse sentido, o chefe da Lava Jato em Curitiba argumentou que estava sendo julgado pelo mesmo crime mais de uma vez.
Segundo a decisão de Wendpap, Deltan destacou ainda que se ateve-se ‘aos lindes da liberdade de expressão do pensamento’, com o uso de ‘vernáculo respeitoso’.

A decisão

Wendpap considerou que a decisão do CNMP de abrir o procedimento contra Deltan se baseou em ‘premissa equivocava’.
Na avaliação do magistrado, o entendimento do órgão, de que o procedimento administrativo do Conselho Superior do MPF ‘não possuía caráter punitivo e não podia resultar na aplicação de sanção de imediato’ está contaminado pelo ‘erro/pecado original’.
O juiz registrou que, quando o chamado ‘Conselhão’ decidiu abrir o PAD contra Deltan, registrou que ‘houve insuficiência de atuação por parte do Órgão Correicional de origem’. No entanto, para Wendpap, o órgão deveria ‘explicar minuciosamente’ as razões pelas quais chegou a tal conclusão.
“A mera discordância com o resultado da decisão do órgão correicional de origem não legitima a Corregedoria Nacional a re-julgar, entre outros motivos porque a seletividade, a escolha das causas a serem objeto de novo julgamento, macula a imparcialidade. Para julgar de novo, ex ofício, a Corregedoria Nacional deve ater-se à objetividade das situações anômalas exemplificadas na decisão do STF, não à subjetividade da singela discordância”, escreveu o magistrado.

Mulher feita de refém após assalto a Viracopos está na UTI, OESP

José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo
18 de outubro de 2019 | 15h31
Atualizado 18 de outubro de 2019 | 23h30

SOROCABA - Uma mulher de 37 anos, que ficou refém de um criminoso durante o assalto ao aeroporto de Viracopos e foi ferida durante ação da Polícia Militar que matou o assaltante, está em estado que “inspira cuidados” em um hospital de Campinas. A vítima passou por uma cirurgia e continua internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde respira com a ajuda de aparelhos. Segundo nota desta sexta-feira, 18, divulgada pelo Hospital PUC- Campinas, “a paciente encontra-se estável, sedada , em ventilação mecânica e inspira cuidados”.
Assalto a empresa de valores interdita rodovia e causa caos em Viracopos
Caminhões foram incendiados e usados para interditar rodovia perto do aeroporto Foto: WAGNER SOUZA/ FUTURA PRESS
Familiares da vítima disseram que o estado dela é grave. A mulher, que não teve a identidade divulgada, foi rendida durante a fuga dos assaltantes, após o ataque ao terminal de cargas do aeroporto. Um dos criminosos invadiu a casa da família, no residencial Campina Verde, e a tomou como refém, com a filha de 10 meses no colo.
Após 2 horas de negociações com a PM, o criminoso foi alvejado na cabeça por um atirador de elite da polícia. A mulher também foi atingida e levada ao hospital, onde deu entrada às 14h32. O bebê saiu ileso.
Os policiais invadiram a casa e fizeram novos disparos contra o criminoso. De acordo com a PM, a refém teria sido atingida na região dos glúteos por estilhaços do tiro disparado pelo sniper (atirador de elite) que matou o criminoso. Aos familiares, o hospital informou que a mulher foi baleada na região lombar.
Um major da Polícia Militar, com posição de comando em Campinas, também ficou ferido no assalto. Ele foi baleado na perna e levado para o Hospital da Polícia Militar, onde passou por cirurgia na quinta-feira. Nesta sexta, ele continuava internado, mas estável e sem risco de morte.
Em nota, a PM informou que instaurou Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar todas as circunstâncias relativas à ocorrência, conforme determina resolução da Secretaria da Segurança Pública (SSP). O IPM é acompanhado pela Corregedoria . A reportagem entrou em contato com a SSP e aguarda retorno.

Quadrilha tinha arsenal

A quadrilha que invadiu o aeroporto de Viracopos para roubar um carregamento de dinheiro que seria levado de avião para a Inglaterra tinha um arsenal com armas de guerra. Conforme lista divulgada nesta sexta-feira, 19, pela Polícia Federal, foram apreendidas nove armas, entre elas fuzis de alta letalidade, e farta munição com os criminosos.
A PF acredita que cerca de 20 homens participaram da ação: três foram mortos em confronto com policiais militares. Houve ainda cinco feridos, três seguranças, além do policial e da refém. Parte das armas e munições estava no fundo falso de um caminhão de lixo, usado na fuga pelos bandidos.
Foram apreendidos dois fuzis AK 47, um fuzil calibre 5.56, um rifle artesanal calibre .50 com mira telescópica - arma capaz de derrubar um helicóptero -, três pistolas Glock calibre .40, dois revólveres, 13 carregadores, 16 estojos de munição, 423 munições diversas e um capacete balístico. A investigação não descarta que os criminosos que fugiram estivessem com outras armas. As buscas pelos suspeitos continuavam nesta sexta, mas a PF informou que o inquérito sobre o assalto está em sigilo.  
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) vai pedir informações à concessionária do Aeroporto de Viracopos sobre o assalto. De acordo com a agência, “sempre que ocorrem ações de interferência ilícita, é dever da Anac solicitar informações ao operador do aeroporto, visando verificar se todas as normas relacionadas à Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (Avsec) foram adotadas”. Ainda segundo a agência, esse procedimento é protocolar e gera um relatório que se torna objeto de análise pela agência para verificação de “eventuais medidas que não estejam em conformidade”. Não há prazo para o término da análise.

A concessionária informou queViracopos cumpre com todos os requisitos de segurança previstos no setor e o acionamento de todos os procedimentos ocorreu imediatamente à invasão dos dois veículos com os criminosos por um dos portões de segurança. Segundo a nota, todos os procedimentos de segurança foram aprovados pela Anac conforme o Programa de Segurança Aeroportuária apresentado pela concessionária. Informou ainda realizar simulações e exercícios anuais em parceria com as forças policiais.
Conforme a empresa, a Polícia Federal aprovou recentemente, por solicitação da concessionária e da Brink’s, o uso de armamento ostensivo na área do terminal de cargas, ainda que muito inferior ao usado pelos criminosos, o que contribuiu na reação ao crime. “Preocupa o posicionamento de alguns setores que, em vez de abordar a grave questão da segurança pública e do combate ao crime organizado, fez parecer que as empresas que sofreram ação criminosa são responsáveis por supostas falhas de segurança.”
No dia do assalto, quando esteve em Campinas para parabenizar a PM pelas ações contra os assaltantes, o governador João Doria (PSDB) cobrou mais segurança e ações preventivas nos aeroportos federais, como o de Viracopos. “Qual empresa consegue enfrentar quadrilhas de posse de armamentos pesados de guerra? Vale lembrar que, no período de um ano e meio, as áreas restritas dos três maiores aeroportos do Brasil (Galeão, Guarulhos e Viracopos) foram invadidas por criminosos fortemente armados, evidenciando que este é um problema nacional de segurança pública”, reagiu a concessionária.   

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O STF escolherá entre a Constituição e a desordem, Reinaldo Azevedo, FSP

O Brasil padece de muitos males, mas nada é mais nefasto que o populismo judicial

O Supremo deu início nesta quinta (17), dada a conjuntura, a um dos julgamentos mais importantes da sua história. Decidir se o país vai ou não aplicar um dispositivo constitucional, que integra o conjunto dos direitos fundamentais e é cláusula pétrea, não deixa de ser exótico. Mas a tanto fomos levados.
Nas democracias, o direito é o sumo e o vértice do pacto civilizatório. Ninguém lerá ou ouvirá este colunista a sustentar: “Lula é inocente”. Não sei. Não sou Deus nem tenho acesso à sua consciência. Mas afirmo sem receio: “Lula foi condenado sem provas num processo viciado”.
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal - Nelson Jr./STF
Chega, pois, a hora da escolha a um só tempo moral e ética: prefiro correr o risco de absolver um culpado a condenar um inocente. Desdobro o pensamento: o inocente acusado só tem a seu favor a ausência de provas. Se esta passa a ser irrelevante, culpados e inocentes se igualam sob a sanha de justiceiros.
Na quarta (16), o ministro Roberto Barroso, do STF, evidenciou a que descaminhos pode se deixar conduzir um juiz. Na sua intimidade com Deltan Dallagnol, em vez de o maduro instruir o jovem destrambelhado, foi o destrambelhado que desencaminhou o maduro. Já sentenciou Antero de Quental: “A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança.” Escreveu isso aos 23.
Ao comentar o julgamento das ações que tratam da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que define a pena de prisão só depois do trânsito em julgado —em consonância com o inciso LVII do artigo 5º da Carta —, o doutor trocou a toga por uma touca ninja.
Disse a seguinte maravilha, depois de evidenciada a mentira de que o cumprimento da Constituição libertaria 190 mil presos, incluindo homicidas: “Os que são criminosos violentos, em muitos casos, se justificará a manutenção da prisão preventiva. Portanto, no fundo, no fundo, o que você vai favorecer são os criminosos de colarinho branco e os corruptos”.
Eis a demagogia barata a serviço do populismo rasteiro da extrema direita. Explico. O criminoso violento continuará na cadeia com base no artigo 312 do Código de Processo Penal: risco à ordem pública ou de não cumprimento da lei penal.
O mesmo pode acontecer com o criminoso do colarinho branco, ora essa! Também ele está sujeito a tal artigo, com o acréscimo do risco à ordem econômica. E se já não representar risco nenhum? Então aguardará em liberdade os recursos aos tribunais superiores se forem cabíveis.
Ocorre que o doutor atribuiu-se a missão de combater a corrupção mesmo acima da lei. Ou abaixo. Assim como a extrema direita defende a tortura contra criminosos comuns (e, no passado, contra adversários políticos), Barroso não se importa em rasgar a Carta sob o pretexto de caçar corruptos.
Essa é sua nova fachada identitária. Que importa que tal desiderato se dê ao arrepio da Constituição, ameaçando direitos de quem corrupto não é? Paladinos não dão bola para essas firulas. Já houve um tempo no Brasil em que, contra a subversão, valia tudo.
Na mesma quarta, numa altercação com o ministro Alexandre de Moraes, Barroso evidenciou a sua insatisfação com um voto do colega, que estava devidamente ancorado numa lei, que, por sua vez, está amparada pela Constituição. E tonitruou: “Acho que dinheiro público tem de ter contas prestadas” (sic).
E quem não acha? A sugestão óbvia, em sua língua troncha, era a de que qualquer voto diferente do seu implica que o colega defende o assalto aos cofres. Moraes teve de lembrar ao doutor, que levou um pito oportuno de Dias Toffoli, que um juiz impõe as consequências aos faltosos segundo dispõe a lei, não o arbítrio pessoal.
O Brasil padece, sim, de muitos males. E a corrupção é um deles. Mas nada é mais nefasto do que o populismo judicial. Pior quando atravessa o umbral das cortes superiores. Nas democracias, o devido processo legal pode combater os corruptos e preservar o Estado de Direito. Já o populismo judicial corrompe também o combate à corrupção.
A política que aí está é a consequência prática das utopias de Barrosos, Dallagnois e outras flores do mesmo pântano.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.