Caro presidente Jair Bolsonaro,
Já deu para entender que você não gosta de ambientalistas. No entanto, há uma coisa que nos une, e é em nome dela que lhe escrevo. Essa coisa se chama Brasil.
Você diz que ama o Brasil. Prometeu colocar "o Brasil acima de tudo". Meus colegas e eu também amamos o Brasil. Trabalhamos para que o país se desenvolva com igualdade de oportunidades, ao mesmo tempo conservando o imenso ativo que é seu patrimônio natural.
Sei que pessoas próximas a você gostam de dizer que nós agimos em nome de interesses inconfessáveis. Já estamos acostumados: a direita diz que somos quintas-colunas do comunismo internacional; a esquerda nos chama de agentes dos EUA. Isso tudo é tão verdadeiro quanto a tal mamadeira do WhatsApp, presidente.
Para citar apenas um caso, as ONGs que se opuseram à hidrelétrica de Belo Monte foram acusadas pelo governo do PT de serem uma "força demoníaca" atravancando o progresso. Pergunte ao seu ministro da Justiça, que ajudou a desbaratar a corrupção em Belo Monte, qual era a real força demoníaca operando ali.
De qualquer forma, presidente, nos próximos quatro anos você terá uma oportunidade ímpar de dar um cala-boca nos ambientalistas. Mas não será mandando a gente para a tal ponta da praia; seu triunfo final contra as ONGs será provar que nós estamos errados.
Por exemplo: você disse na posse que o Brasil terá um agronegócio pujante "
em perfeita harmonia com a preservação ambiental". A obrigação que impõe a si mesmo com isso é a de derrubar a taxa de desmatamento na Amazônia e no Cerrado. E já neste ano! Se o agro é assim tão sustentável que não precisa de nenhum controle, vai ser mole.
Da mesma forma, seu governo parece determinado a desmontar o licenciamento ambiental. Começou a fazê-lo com uma canetada, criando um fast-track dentro da Secretaria de Governo para grandes obras.
Precisará provar, não para nós, mas para o Ministério Público, que isso não acarretará falta de rigor ou obras que ponham os investimentos e a vida dos brasileiros em risco, como
a barragem da Samarco.
A quase extinção da governança climática federal nos primeiros dez dias de seu governo é um movimento ideológico ousado, que parece integrar um pacote pronto de maluquices da direita americana.
Não existe nenhuma razão para o Brasil se afastar da economia limpa, que é uma de suas grandes vantagens comparativas.
O Brasil é o sétimo maior emissor de carbono do mundo e, se nós abandonarmos os esforços de corte de emissões, estaremos botando cada cidadão deste país em risco inaceitável. Segundo o IBGE, só entre 2013 e 2017, mais de 2.700 municípios do país sofreram com secas severas, e mais de 1.700 com enchentes.
No curto prazo, o negacionismo professado pelo seu chanceler e seus "garotos" tende a ser desastroso para a imagem do agronegócio e das empresas brasileiras.
Acordos comerciais importantes podem fazer água, mercados podem se fechar e investidores que exigem salvaguardas climáticas e ambientais podem resolver botar seu dinheiro em outros lugares.
Claro, pode ser que nada disso aconteça, que o Brasil milagrosamente escape de eventos extremos mais intensos e que nossas commodities produzidas em terra indígena e com desmatamento criminoso e violência "bombem" no exterior. Torço para estar errado, mas não conto com isso.