terça-feira, 25 de setembro de 2018

Eleição de Bolsonaro é golpe?, FSP

Há uma diferença entre ser possível e dar como líquido e certo

Uma eventual eleição de Jair Bolsonaro significaria o fim da democracia no Brasil? Como eu disse numa coluna publicada alguns dias atrás, golpes clássicos, daqueles que tanques saem às ruas e direitos e garantias fundamentais são suspensos, tornaram-se pouco prováveis. Frequentes na América Latina nos anos 60 e 70, eles se enquadravam na lógica da Guerra Fria, da qual felizmente já nos livramos. 
Ameaças à democracia mais em voga, como ensina Steven Levitsky, vêm de líderes eleitos que vãos aos poucos deturpando instituições como Judiciário e Legislativo a fim de ampliar seu poder. Não há como descartar a possibilidade de que, uma vez alçado à Presidência, Bolsonaro se ponha nessa trilha. Mas há uma diferença entre ser possível e dar como líquido e certo.
Se olharmos para a lista de demagogos que solaparam a democracia em seus países, veremos que quase todos os nomes são de governantes que em algum momento gozaram de grande popularidade, sendo eleitos ou reeleitos por expressivas maiorias. É gente como Vladimir PutinRecep ErdoganViktor OrbánHugo Chávez.
Bolsonaro, se triunfar, já começará com mais ou menos a metade do país fazendo-lhe forte oposição. Também estará longe de qualquer coisa parecida com uma base parlamentar consolidada. O centrão e o MDB, bem o sabemos, apoiam qualquer governo, mas só até certo ponto.
Essas são características que dificultariam uma eventual escalada autoritária bolsonarista, mas não bastariam para impedi-la. Para isso, teríamos de contar com a robustez de nossas instituições, sobre a qual só podemos especular.
Enfim, eleger Bolsonaro não é necessariamente sinônimo de sepultar a democracia, mas esse é um território no qual é melhor não brincar. Mesmo que ele não chegue a adotar nenhuma medida que rompa com a ordem constitucional, tende a fazer um belo estrago nas instituições. 

O arranjo da geringonça, FSP

Sob o comando do premiê António Costa, Portugal deu início a uma expressiva recuperação

O primeiro-ministro de Portugual, António Costa, durante passagem por Londres, em abril deste ano
O primeiro-ministro de Portugual, António Costa, durante passagem por Londres, em abril deste ano - Hannah Mckay/Reuters
Brasil e Portugal viveram, de maneira quase simultânea, cenários que combinavam ações bombásticas de combate à corrupção e momentos de fragilidade econômica. A coincidência permite que se compare como cada país enfrentou a turbulência —e parece cristalino que o segundo se saiu melhor na empreitada.
Em entrevista concedida a esta Folha, o ex-primeiro-ministro socialista português José Sócrates (2005-2011), principal alvo da Operação Marquês, vê uma articulação entre Ministério Público, Justiça e setores da direita para prejudicá-lo.
Não por acaso, ele constrói um paralelo com Luiz Inácio Lula da Silva(PT), que se empenha em desqualificar a Lava Jato por meio do discurso de perseguido pelo Judiciário. Assim, açulou uma polarização política que em nada contribuiu na tarefa de retomar o crescimento —sem desconsiderar, claro, a gestão ruinosa de Dilma Rousseff.
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Portugal, contudo, seguiu por outro caminho. O quadro era de desânimo há três anos: as finanças públicas se encontravam em total desarranjo, e o premiê Pedro Passos Coelho, do Partido Social-Democrata (centro-direita), não conseguiu maioria para governar após as eleições parlamentares de 2015.
Formou-se, então, uma coalizão entre o Partido Socialista e outras legendas menores mais à esquerda, em geral refratárias a alianças —além dos verdes. A esse bloco deu-se a alcunha de geringonça, por sua insólita composição.
Sob o comando do premiê António Costa, o país deu início a uma expressiva recuperação por meio de uma agenda de ajustes que não seguia, ao pé da letra, as imposições dos credores externos —mas sem deixar de cumprir as regras financeiras da União Europeia.
Assim, o governo voltou a aumentar o salário mínimo e dar reajustes ao funcionalismo; em compensação, promoveu cortes de outras despesas e de investimentos em infraestrutura, o que reduziu o déficit orçamentário. A estratégia teve êxito e levou Portugal a uma expansão de 2,7% do PIB em 2017, melhor desempenho desde 2000.
O ciclo virtuoso fez florescer o turismo, importante fonte de receita. Um número crescente de brasileiros viaja ao país ou lá permanece para estudar ou fixar residência.
A situação econômica portuguesa ainda inspira cautela, e a geringonça começa a dar alguns sinais de desgaste. Entretanto parece haver uma base mínima de diálogo e convivência —inclusive do opositor PSD, que aponta falhas, mas reconhece méritos do governo— que muito se distancia da fraturada política brasileira.

Como se fazem leis, FSP

Levantamento mostra que apenas 1% dos projetos de deputados são aprovados pelo Congresso

Plenário da Câmara, em Brasília, em agosto deste ano
Plenário da Câmara, em Brasília, em agosto deste ano - Pedro Ladeira - 1º.ago.18/Folhapress
Quem acompanha o rosário de metas e compromissos nas propagandas de candidatos ao Congresso, por vezes semelhantes a programas de governo, pode acabar decepcionado ao descobrir a real capacidade de influência de um parlamentar nas políticas públicas.
Dados eloquentes a esse respeito se encontram em levantamentodesta Folha acerca da atuação de 452 deputados federais que atuaram nesta legislatura e hoje buscam a reeleição. O grupo apresentou 10,2 mil projetos nos últimos quatro anos, dos quais apenas 114 —1,1%— converteram-se em leis.
Uma enorme maioria, de 80% dos pesquisados, atravessou o mandato sem ver uma única proposta de sua autoria aprovada por seus pares.
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Tais números devem contribuir, sem dúvida, para que eleitores ajustem suas expectativas em relação ao desempenho de seus representantes. Será engano, porém, tomá-los como indicativo de irrelevância de congressistas ou de suas ideias e plataformas.
Em boa medida, é natural a escassez de leis geradas por iniciativas individuais de deputados e senadores. No presidencialismo nacional, espera-se do chefe do Executivo a definição da agenda de prioridades. Tendem a partir do Planalto, pois, os textos que consumirão mais tempo dos legisladores.
Estes têm papel decisivo, entretanto, no debate e na negociação das propostas —um trabalho, mais difícil de mensurar, que envolve atuação em comissões temáticas, acertos partidários e mudança ou rejeição dos diplomas em análise.
Dessa maneira, bem como pela fiscalização dos atos da administração, o Congresso funciona como contrapeso à autoridade presidencial, no arranjo de equilíbrio entre os Poderes que é crucial para qualquer democracia.
Não se está a dizer que tudo corra a contento no modelo brasileiro. Aqui, uma legislação permissiva concorre para a multiplicação de partidos, a maioria deles sem unidade e consistência programática —o que, entre outros problemas, incentiva estratégias oportunistas de deputados e senadores.
Exemplo claro de tal comportamento se dá no exame do projeto de Orçamento, em que os parlamentares, no mais das vezes, limitam-se a chancelar as escolhas do Executivo. A preocupação da maioria é tão somente incluir no texto verbas para redutos eleitorais.
Aprovaram-se, de todo modo, reformas que buscam atenuar essas distorções, casos da cláusula de desempenho (que nega recursos públicos a partidos sem um número mínimo de votos nacionais) e da proibição de coligações em pleitos legislativos (a partir de 2020).
O processo de aperfeiçoamento deve prosseguir de forma paulatina, e só a vigilância do eleitorado levará os congressistas a alterar regras que hoje os beneficiam.