quinta-feira, 31 de maio de 2018

Novo frete mínimo pode piorar vida do caminhoneiro, FSP


Raquel Landim
SÃO PAULO
tabela de preços mínimos de frete, publicada nesta quarta-feira (30) pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), será de difícil aplicação por conta da sua complexidade e pode gerar um mercado paralelo no país, provocando distorções na economia.
Essa é avaliação dos alguns dos principais setores envolvidos —como transportadoras e empresas que contratam os fretes —ouvidos pela Folha. A garantia de um preço mínimo de frete foi uma exigência dos caminhoneiros autônomos para encerrar a paralisação. 
Entidades que representam caminhoneiros dizem que os cálculos da ANTT contemplam os custos dos fretes, e que agora será preciso esclarecer dúvidas que ainda restam entre os motoristas.
De acordo com a resolução publicada pela ANTT, a tabela base é dividida por tipo de carga (granel sólido, granel líquido, refrigerado, produtos perigosos e carga geral) e por distância. A cada 100 quilômetros, o valor mínimo a ser pago pelo frete é alterado.
A ANTT também disponibilizou na Internet uma planilha em Excel para que o caminhoneiro pondere o valor-base pela quantidade de eixos e pela idade do seu veículo, o que também vai afetar o valor do frete.
Para Elisangela Lopes, assessora técnica de infraestrutura e logística da CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária), é muito provável que a tabela de frete mínimo acabe não sendo obedecida, dada a sua complexidade e também aos recursos escassos da ANTT para fiscalizar sua aplicação.
“Sem nenhum demérito ao caminhoneiro, o Excel é um programa complicado de mexer. O governo não deixou claro qual será a multa para quem descumprir, nem como a ANTT vai fiscalizar. A agência hoje não possui gente o suficiente para garantir a aplicação da tabela”, disse a especialista.
Segundo Flavio Benatti, presidente da Federação de Empresas de Transporte de Carga de SP e da seção de cargas da Confederação Nacional de Transportes, “a tabela pode acabar sendo um tiro no pé dos autônomos”. 
Para ele, os contratantes podem acabar decidindo que, com o preço mínimo, é melhor ter frota própria ou trabalhar com empresas com mais estrutura. Benatti diz que as empresas de transporte, que ele representa, são contra qualquer tipo de tabelamento.
Roberto Queiroga, diretor executivo da Acebra (Associação das Empresas Cerealistas do Brasil), tem medo do surgimento de um “mercado paralelo de frete”, com caminhoneiros cobrando abaixo do preço mínimo para conseguir uma carga, já que existem hoje mais de 300 mil caminhões ociosos no país, por conta dos estímulos à venda de veículos concedidos pelo governo.
“Se isso acontecer, o contratante do frete que cumprir a lei ficará menos competitivo. A tabela mínima de frete tenta derrubar a lei de oferta e demanda, o que é impossível”, afirmou.
A tabela da ANTT é simples demais para um mercado muito complexo, diz Ramon Alcaraz, presidente da Fadel Transportes, uma das maiores transportadoras de bebidas do país, com 1.000 veículos próprios e 500 agregados.
“A intenção até pode ser boa, mas o perigo é deixar o mercado ainda mais confuso”, diz ele.
Uma das principais dificuldades no estabelecimento de preços mínimos é o chamado “frete de retorno”, que ocorre quando um caminhão leva um produto até o porto, por exemplo, e depois procura uma carga para não voltar vazio até sua base.
Nesses casos, a tendência hoje é que o motorista aceite preços mais baixos. Se for imposto um valor mínimo, o risco é que o dono da carga prefira uma empresa e o autônomo fique sem trabalho, diz Alcaraz, que é também conselheiro da Abralog (Associação Brasileira de Logística).
Já Roberto Vilela, presidente de uma das três maiores transportadoras de remédios, a RV Ímola, observa que, no seu segmento, a tabela pode ter pouco efeito.
Vilela cita como exemplo um frete de São Paulo a Goiânia, distância de 1.100 quilômetros: “Pagamos R$ 5.000, exatamente o que estabelece a tabela. Em muitos casos, pagamos até mais que o piso estabelecido agora.”
Ele alerta, porém, que o trabalho da ANTT foca grandes volumes, que percorrem grandes distâncias. “Falta atender o autônomo que anda 50 km e fica o dia todo para carregar ou descarregar.”
O especialista em transporte Márcio D’Agosto, professor do programa de engenharia de transporte da COPPE -UFRJ, também diz que, “numa primeira avaliação, houve critério na determinação dos valores mínimos de frete”.
​D’Agosto ressalta que, com os valores divulgados pela ANTT, o peso do combustível no valor do frete ficará entre 30% (no caso do valor mais alto, para cargas perigosas que rodem acima de 2.901 km) e 50% (no valor mais baixo, para cargas gerais que rodem até 100 km).
“Esse é geralmente o custo esperado”, diz o professor.
Ele afirma, no entanto, que o governo deveria ter estabelecido preços diferentes para a carga que vai em conteineres, já que elas precisam obedecer a limites de peso, por um lado, e permitem um transporte mais racional, por outro.
“O governo deveria estimular o transporte multimodal. Mas, infelizmente, não há integração, cada modal é pensado de forma compartimentalizada.”
Nos próximos dias, os setores tomadores de frete vão fazer uma série de cálculos com exemplos concretos para entender se a tabela de preço mínimo vai elevar ou não o custo atual do frete no Brasil.
Um estudo feito pela consultoria Leggio, com base nas regras existentes no projeto de lei que tramita no Congresso e que são parecidas com as da MP publicada pelo governo, estimou um aumento médio do custo do transporte de graneis sólidos, basicamente soja e milho, de 30% na época da safra.
Colaborou Ana Estela de Sousa Pinto

Professor de Birigui dá lição de vida e perseverança, Diário da Região

A história do professor Ronaldo Pereira, de 44 anos, morador em Birigui, chamou a atenção nas redes sociais no começo da semana por causa de uma atividade que ele faz para complementar a renda: reciclagem de lixo. Essa história foi publicada pelo site The Intercept Brasil e repercutiu nacionalmente.
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Pereira é professor desde 2010 e dá aula de História e Sociologia em três escolas de Birigui. Ele foi contratado para dar aula na categoria “O”, uma espécie de trabalho temporário com prazo de três anos. Após esse tempo, o professor entra na chamada “duzentena”, um período de quase 200 dias sem trabalhar – e sem receber.
Só depois disso, ele pode voltar a ser contratado novamente. A Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) aprovou no ano passado projeto de lei complementar reduzindo o tempo da “duzentena”, mas mesmo assim, os professores ainda ficarão um tempo sem receber.
O professor, formado em História, disse à Folha da Região que o contrato dele vence em dezembro deste ano e depois disso, não sabe como vai fazer. O salário dele é de cerca de R$ 1,6 mil para sustentar a mulher, que está desempregada, e a filha.
Por aula, ele recebe do Estado R$ 11,50. O piso da categoria é R$ 2.585, mas no caso de Pereira, o valor depende da quantidade de aulas dadas. Como complemento de renda, ele passou a coletar material reciclável e revender em Birigui.
O primeiro contato dele com recicláveis foi em 2015, quando entrou na “duzentena” e lembrou de uma das escolas em que atuava. “Na escola tinha muitos livros e tinha material reciclável. Eu queria fazer mestrado nessa área, inclusive. Quando entrei na ‘duzentena’, comecei a pegar reciclado. Saía para a rua e recolhia”, contou.
Em março 2015 daquele ano, o irmão dele o apresentou a uma pessoa que estava vendendo uma carretinha para acomodar recicláveis. “Eu não tinha dinheiro para comprar, era R$ 1,6 mil. Conversei com o rapaz e ele dividiu em seis vezes o valor”, lembra.
No entanto, ele disse que hoje não consegue lucrar tanto quanto no início, porque o mercado estaria mais “competitivo” em Birigui. “Antes eu conseguia juntar R$ 1,4 mil por mês, mas agora junto, em média, R$ 400”, afirma.
SEGURANÇA
Antes de começar a dar aulas, Pereira era segurança particular em uma empresa de Birigui. Ele contou que teve a ideia de cursar faculdade quando os colegas de trabalho reclamavam da situação, do pouco dinheiro que recebiam. “Eu falava que eles tinham que estudar, para ter um futuro melhor. Aí, eu mesmo acabei fazendo faculdade pra mudar a minha vida”, lembra.
PROJETO DE LEI
Em dezembro, a Alesp aprovou o projeto de lei complementar que reduz de 200 para 40 dias, no ano letivo de 2018, o prazo estabelecido para celebração de novo contrato de trabalho pelos docentes contratados como categoria “O”.
Com a aprovação, 33 mil professores, que deveriam ficar 180 dias fora da rede estadual, tiveram a oportunidade de participar da atribuição de aulas no início deste ano.
De acordo com o coordenador da subsede da Apeoesp de Araçatuba, Carlos Massaiti Nishikawa, a categoria “O” é a pior que existe no magistério, sem ter direito a nada. “Quase que não tem direito nem a abono.
São dois abonos durante o contrato inteiro. Um professor efetivo, tem oito dias de abono quando casa. O professor de categoria “O” tem só dois dias, não dá tempo nem de ter lua de mel. Em caso de luto, o magistério dá oito dias. No “O” são dois dias. Eu vejo como uma categoria que precisa ser revista. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) considera essa categoria como escrava”, afirma.
A reportagem procurou a Secretaria de Estado da Educação, cobrando explicações sobre a situação de Pereira, mas a informação dada pela assessoria de imprensa é de que a valorização dos docentes está entre as prioridades do Governo de São Paulo e que “a fim de ampliar o corpo docente efetivo de toda a rede estadual, desde o ano passado, já foram nomeados mais de 23 mil docentes aprovados no concurso público realizado em 2010”. A única informação a respeito de Pereira foi que “a remuneração desses profissionais ocorre de acordo com as horas aulas exercidas” e que “o professor Ronaldo Pereira recebeu R$ 1.871,42 em maio”.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

País se revolta contra si e não sabe, FSP

Um tanto como no Junho de 2013, no Maio de 2018 há uma revolta quase geral dos brasileiros contra si mesmos, mas os revoltados não sabem disso. 
Acreditam que a culpa de “tudo que está aí” é do bode expiatório de duas cabeças, a corrupta e a política, que nos impede de chegar até o fim do arco-íris, onde está o pote de ouro a ser aberto e dividido para benefício geral, sem conflitos.
Pesquisa Datafolha mostra que 87% dos brasileiros são a favor da paralisação dos caminhões. Também 87% recusam a solução de aumentar impostos ou cortar gastos a fim de pagar a conta do diesel
Caso os caminhões continuem parados, 88% acham que o governo deve continuar a negociar uma solução, sem recorrer à força. 
Mais da metade dos brasileiros, 56%, acha que o paradão caminhoneiro deve continuar, sem mais.
Quase nove em dez brasileiros estão em revolta desnorteada, uma escassa explicação restante para o apoio quase irrestrito a um protesto que está ou esteve à beira de levar economia e relações sociais ao colapso. 
Como se escrevia nestas colunas na semana passada, anos de recessão, de escândalos corruptos e a nova revolta nova contra impostos e governantes em geral acabaram com a paciência.
Uma elite política quase toda desprezível e que sequestrou o país acabou com a esperança. 
A classe dirigente toda, elites de variada espécie, não são muito melhores, pois tolera essa escória, quando não é cúmplice.
Mas o povo que se revolta contra a mão pesada dos impostos é o mesmo que quer a mão do governo a balançar o berço, subsídios para todos. 
O neopopulismo diz que não há conflito social e político na disputa por recursos públicos e privados. O inimigo é o governante malvado, o corrupto.
As principais lideranças políticas, em uma combinação de ignorância, irresponsabilidade e oportunismo demagógico, deixa circular por aí a ideia de que há maná para todos, que não há apropriação excessiva ou indevida de recursos públicos ou injustiças outras. 
Essa fantasia está para acabar, de um modo ou de outro. Os recursos públicos chegarão ao limite no ano que vem ou em 2020. 
Sem cortes e rediscussão da divisão do bolo, a disputa será feroz e nenhuma saída será indolor.
Candidatos a presidente ratificam a ilusão geral de que “combater a corrupção” ou “cortar cargos comissionados” pode dar conta do problema (há um idiota candidato a governador de São Paulo que veio com essa dos “cargos comissionados”). Líderes do Congresso dizem que há “sobras orçamentárias”.
Como também se escrevia nestas colunas, o paradão caminhoneiro e suas repercussões são um ensaio geral para a crise fiscal que virá. 
Pode ser uma explosão, se tentarem resolvê-la por meio de mais endividamento. Pode ser uma agonia crônica, morte nacional lenta, se for resolvida apenas no corte de gastos, sem mudanças estruturais. Pode ser uma inflação, com o que a vida será um inferno, mas um tanto mais fresco para os ricos e a miséria para os mais pobres. 
Mas a crise virá. Como se escrevia nestas colunas em julho de 2013: “O povo das ruas vai descobrir que o pote de ouro é pequeno; que redividi-lo vai exigir conversa ou conflito. Talvez descubra que boa parte do ouro não está no castelo estatal. No fundo desse castelo do ‘tudo que está aí’, enfim, tem um espelho”.
 
Vinicius Torres Freire
Na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião' e correspondente em Paris.