quarta-feira, 30 de maio de 2018

País se revolta contra si e não sabe, FSP

Um tanto como no Junho de 2013, no Maio de 2018 há uma revolta quase geral dos brasileiros contra si mesmos, mas os revoltados não sabem disso. 
Acreditam que a culpa de “tudo que está aí” é do bode expiatório de duas cabeças, a corrupta e a política, que nos impede de chegar até o fim do arco-íris, onde está o pote de ouro a ser aberto e dividido para benefício geral, sem conflitos.
Pesquisa Datafolha mostra que 87% dos brasileiros são a favor da paralisação dos caminhões. Também 87% recusam a solução de aumentar impostos ou cortar gastos a fim de pagar a conta do diesel
Caso os caminhões continuem parados, 88% acham que o governo deve continuar a negociar uma solução, sem recorrer à força. 
Mais da metade dos brasileiros, 56%, acha que o paradão caminhoneiro deve continuar, sem mais.
Quase nove em dez brasileiros estão em revolta desnorteada, uma escassa explicação restante para o apoio quase irrestrito a um protesto que está ou esteve à beira de levar economia e relações sociais ao colapso. 
Como se escrevia nestas colunas na semana passada, anos de recessão, de escândalos corruptos e a nova revolta nova contra impostos e governantes em geral acabaram com a paciência.
Uma elite política quase toda desprezível e que sequestrou o país acabou com a esperança. 
A classe dirigente toda, elites de variada espécie, não são muito melhores, pois tolera essa escória, quando não é cúmplice.
Mas o povo que se revolta contra a mão pesada dos impostos é o mesmo que quer a mão do governo a balançar o berço, subsídios para todos. 
O neopopulismo diz que não há conflito social e político na disputa por recursos públicos e privados. O inimigo é o governante malvado, o corrupto.
As principais lideranças políticas, em uma combinação de ignorância, irresponsabilidade e oportunismo demagógico, deixa circular por aí a ideia de que há maná para todos, que não há apropriação excessiva ou indevida de recursos públicos ou injustiças outras. 
Essa fantasia está para acabar, de um modo ou de outro. Os recursos públicos chegarão ao limite no ano que vem ou em 2020. 
Sem cortes e rediscussão da divisão do bolo, a disputa será feroz e nenhuma saída será indolor.
Candidatos a presidente ratificam a ilusão geral de que “combater a corrupção” ou “cortar cargos comissionados” pode dar conta do problema (há um idiota candidato a governador de São Paulo que veio com essa dos “cargos comissionados”). Líderes do Congresso dizem que há “sobras orçamentárias”.
Como também se escrevia nestas colunas, o paradão caminhoneiro e suas repercussões são um ensaio geral para a crise fiscal que virá. 
Pode ser uma explosão, se tentarem resolvê-la por meio de mais endividamento. Pode ser uma agonia crônica, morte nacional lenta, se for resolvida apenas no corte de gastos, sem mudanças estruturais. Pode ser uma inflação, com o que a vida será um inferno, mas um tanto mais fresco para os ricos e a miséria para os mais pobres. 
Mas a crise virá. Como se escrevia nestas colunas em julho de 2013: “O povo das ruas vai descobrir que o pote de ouro é pequeno; que redividi-lo vai exigir conversa ou conflito. Talvez descubra que boa parte do ouro não está no castelo estatal. No fundo desse castelo do ‘tudo que está aí’, enfim, tem um espelho”.
 
Vinicius Torres Freire
Na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião' e correspondente em Paris.

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