domingo, 21 de abril de 2013

Decisão equivocada - AMIR KHAIR

O Estado de S.Paulo - 21/04

Nunca foi tão tumultuada e tensa a decisão do Copom de quarta-feira passada. Há alguns meses já havia forte pressão do mercado financeiro pela elevação da Selic. Argumentavam que a inflação nos últimos 12 meses estava se elevando e iria romper o teto da meta. Omitiam que a inflação mensal era cadente desde o início do ano: janeiro, 0,86%; fevereiro, 0,60%; e março, 0,47%.

O Banco Central (BC) se contrapunha a essa pressão arguindo "cautela", pois no exterior o preço das commodities está desabando e os dados internos são de queda mensal da inflação.

Mais recentemente, começaram algumas análises a defender que a inflação só cairia se o mercado de trabalho desaquecesse, ou seja, os salários tinham de crescer menos e, para isso, recomendam elevação no desemprego. Outras análises sugerem que o governo deveria diminuir despesas e segurar o crédito. Ambas visam a redução da atividade econômica como terapia de combate à inflação.

A presidente se contrapôs a isso em pronunciamento no dia 27 de março, quando esteve na África do Sul, afirmando que não iria sacrificar o crescimento para combater a inflação.

Imediatamente, a parcela do mercado que ainda apostava na elevação da Selic mudou para a manutenção dessa taxa. Mas o mercado financeiro não recuou, e passou insistentemente a tachar o BC de leniente com a inflação, de ter perdido a autonomia e de não mais ancorar as expectativas inflacionárias.

Apesar dessa pressão e da forte elevação dos alimentos in natura (responsáveis por 43% do IPCA deste ano), a maioria dos analistas não previa alteração na Selic, segundo o jornal Valor Econômico em matéria do dia 12 último. Nesse mesmo dia, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central deram declarações que reviraram as expectativas, e todo mundo passou a prever que o Copom iria aumentar a Selic. É possível que essas declarações tenham ocorrido por ordem do Planalto, pois a pressão política foi intensa na mídia, repercutindo a elevação de alguns alimentos in natura, com destaque para o tomate, tomado como símbolo da inflação.

Erro. Ao elevar a Selic o objetivo do BC é esfriar a economia, partindo do pressuposto de que há excesso de demanda em relação à oferta. A pergunta é: a economia está aquecida? Seguramente, não. Saímos de um pífio crescimento de 0,9% no ano passado, depois de um fraco crescimento de 2,7% em 2011, índices bem abaixo do crescimento médio mundial (3,9% em 2011 e 3,1% em 2012). Os primeiros indicadores para este ano apontam para crescimento no País até 3%, abaixo do crescimento mundial previsto pelo FMI de 3,3% segundo o World Economic Outlook, publicado na terça-feira.

Demanda x oferta. Mas por que há análises que apontam que a inflação é devida ao excesso de demanda em face da oferta? É que citam, para exemplificar, o setor de serviços, cuja inflação nos últimos 12 meses atingiu 8,4%.

Esse setor quase não sofre concorrência externa e assim, reajusta preços de acordo com a demanda e essa, de fato, tem superado nos últimos anos a oferta, por causa do forte crescimento da classe média ocorrida especialmente nos anos dourados de 2004/2008, quando a economia cresceu em média 4,8% ao ano. O que não dizem essas análises é que o setor de serviços representa apenas 25% do IPCA.

Para os bens comercializáveis, que influem metade do IPCA, há claramente excesso de oferta em relação à demanda, seja pela elevada ociosidade nas empresas, seja pela oferta internacional, muitas vezes superior à doméstica. Assim, para o conjunto da economia, o que se verifica é excesso de oferta em relação à demanda.

Perspectivas. É necessário sair do campo político de pressões e contrapressões e procurar ver alguns importantes condicionantes dos preços nos próximos meses. Não arrisco previsões além de 3 a 4 meses, pois principalmente o cenário externo sofre alterações por vezes importantes, surpreendendo a todos.

Há que considerar que: 1) o mundo é desinflacionário em commodities. O índice que as mede vem despencando como reflexo do crescimento mundial se reduzindo a cada avaliação; 2) os alimentos, que foram responsáveis por 76% da inflação deste ano, já começaram a cair fortemente, como apontou o IGP-10 no dia 16; 3) apontado como o vilão da inflação, o preço do tomate despencou 75% no dia 17 (Estadão, 18/4); 4) a previsão de experientes analistas de preços é de que este e o próximo mês serão de inflação baixa; 5) o governo continuará a desonerar produtos contribuindo para a redução de custos e preços e; 6) apesar do fluxo cambial fortemente negativo, o governo segura com mão de ferro o câmbio para manter artificialmente baratos os produtos importados.

É de se esperar, portanto, arrefecimento da inflação nos próximos meses, e isso independentemente do BC e da aposta do mercado financeiro de aumentos de 0,25 ponto porcentual em cada uma das próximas quatro reuniões do Copom.

1.º no ranking. Segundo dados básicos da Bloomberg e boletim Focus, o Brasil reconquistou a liderança do maior juro nominal do mundo, junto com a Índia. Pior ainda, no juro real (excluída a inflação) prefixado 12 meses à frente, o Brasil já era líder mundial absoluto com 2,8% antes da reunião do Copom e, se continuar a elevar a taxa Selic, vai se isolar cada vez mais.

1.º a elevar. O Brasil é o primeiro país a elevar o juro desde setembro de 2012, quando o Banco Central da Rússia aumentou a taxa. Todas as decisões de bancos centrais são por estabilidade ou redução nos juros devido à fraca atividade econômica, que ainda é mais fraca no Brasil.

Essa decisão do Copom e, caso siga o que pauta o mercado financeiro, de mais elevações da Selic, gera mais despesa com juros no governo federal, e quem paga essa conta é o contribuinte. É necessário que o governo, que não conseguiu resistir à pressão do mercado financeiro, diagnostique melhor o comportamento futuro da inflação para evitar nova decisão equivocada.

sábado, 20 de abril de 2013

Índice de cálculo - RUY CASTRO



FOLHA DE S. PAULO - 20/04

RIO DE JANEIRO - Daniel Craig, o atual James Bond, foi contratado há dias para abrilhantar o coquetel de lançamento de um carro em Nova York. Chegou, ficou sete minutos no recinto, murmurou passar bem e foi embora. Não deu entrevistas. O locutor do evento mal pôde anunciar sua presença. Cachê: US$ 1 milhão.

É um bom índice para se calcular a desvalorização da moeda. Na primeira vez que um ator recebeu US$ 1 milhão por um trabalho, houve um estupor --era dinheiro demais, ninguém podia valer tanto. Aconteceu há 50 anos, e a contemplada foi Elizabeth Taylor, para fazer o papel-título em "Cleópatra", que estava sendo filmado em Roma.

Por causa daquele milhão, Elizabeth conheceu Richard Burton e eles se entregaram a um romance incendiário. Os dois eram casados. Sua paixão dividiu o mundo, metade contra, metade a favor, e todos os dias explodia uma novidade. Os "paparazzi" tomaram Roma de assalto. Enquanto Taylor e Burton se beijavam na frente e atrás das câmeras, seus cônjuges --o cantor Eddie Fisher, em Los Angeles, e a atriz Sybil Christopher, em Londres-- despertavam a piedade universal.

Também por causa de Liz, que acordava "indisposta" --de ressaca--, chegava tarde ou não ia filmar, "Cleópatra" atrasou barbaramente. A Fox ameaçou quebrar. Incapaz de bancar as despesas nas duas frentes, Roma e Hollywood, o estúdio demitiu a atriz complicada que estava lhe criando problemas em outro filme: Marilyn Monroe. Que morreu um mês depois. "Cleópatra" ainda levou um ano para ser concluído. E, com suas quatro horas de projeção, nunca se pagou.

Liz e Burton livraram-se de seus ex e partiram para um casamento que, no futuro, seria comparado à Terceira Guerra. Burton teve de pagar US$ 1 milhão a Sybil por sua liberdade. Mas, aí, já estávamos em 1964, e US$ 1 milhão começava a se desvalorizar.

Dois mil e quartoze - CACÁ DIEGUES



O GLOBO - 20/04

Não sou supersticioso, prefiro confiar no acaso. Mas também só entro em avião com o pé direito, procuro não passar por baixo de escada e, quando adolescente, só ia aos jogos com a mesma camisa número seis do Botafogo (a de Nilton Santos). Embora evite a superstição que nos imobiliza, gosto de brincar com números e, num desses jogos, me ocorreu uma certa magia no ano que vem.

Em 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil, completaremos 50 anos do golpe militar que resultou na mais longa e cruel ditadura de nossa história nacional, iniciada em 64. E 64 anos do golpe cruel da Copa de 50, quando os uruguaios nos venceram, naquela histórica final no Maracanã que resultou em longa depressão nacional, iniciada com o gol de Ghiggia.

São 64 anos de 50 e 50 de 64. Datas e números que dizem provavelmente pouco aos nossos jovens, mas que têm significado profundo para aqueles que viveram grande parte de suas vidas durante a segunda metade do século 20.

No maracanazo de 50, iniciamos a exposição pública de nosso complexo coletivo de vira-lata, num sofrimento nacional do qual não consigo me lembrar de outro igual (talvez por ser tão criança na época). Obdúlio Varela, o valente capitão uruguaio, cuspira no rosto de Bigode, nosso lateral mulato, sem que esse reagisse, e levara seu time à vitória aos gritos, contra brasileiros acovardados em campo e conformados em silêncio nas arquibancadas. Era assim que nós mesmos descrevíamos a tragédia.

Desde ali, os brasileiros se tornaram um povo sem flama, incapaz de reagir à desgraça à qual estava destinado. Por mais que tivéssemos nacionais virtuosos, como Zizinho e Ademir, jamais seríamos uma coletividade vitoriosa. O sucesso nos escaparia sempre nos últimos minutos, por decreto do destino e impotência nossa. O Brasil estava condenado a adormecer eternamente em berço esplêndido, incapaz de se erguer para existir.

No golpe de 64, o vira-lata foi convencido de que era mesmo ignorante e estúpido, na melhor das hipóteses ingênuo. Nem mesmo sabia votar, não merecia portanto o luxo da democracia e da liberdade. Militares insuflados pelos sábios que cuidavam de nossa incompetência e se substituíam à nossa incapacidade de gerir o país, tomavam às mãos a condução de nossas vidas, à revelia do que pensássemos disso. Haviam-nos roubado o direito de ganhar, agora nos levavam o de ser.

A partir do golpe, a tragédia se tornara cotidiana, o inaceitável passara a ser normalidade. Vivemos exilados em nosso próprio país, neutralizados pelo medo e pela conveniência. Passamos vinte e um anos com nossa vontade alienada, em nome da luta contra o monstro comunista que nos havia de devorar e que acabou ruindo sem muito ruído.

Quando eu era estudante, países como o nosso eram chamados simplesmente de “subdesenvolvidos”. Ao longo dos anos 1960, esses países passaram a ter uma certa importância estratégica nos embates da Guerra Fria. A inteligência francesa deu-lhes então uma identidade política própria, chamando-os de Tiers Monde (Terceiro Mundo), nos presenteando com o orgulho da singularidade.

Hoje, quando o Brasil e outros países semelhantes começam a ter certo peso na economia globalizada, sendo capazes de provocar crises ou de bem suportá-las na bagunça do capitalismo financeiro contemporâneo, somos elevados à categoria de países “emergentes”. Não sei dizer se essa evolução etimológica é parte de algum capítulo das ciências humanas modernas ou se é pura habilidade político-diplomática. Mas pode também ser a tradução do inconsciente coletivo da humanidade a nos conduzir a uma nova identidade.

Desde a redemocratização do país, começamos a nos libertar dos fantasmas e carmas derrotistas. Seja qual for a opinião politica de cada um de nós, é evidente que viemos, ao longo dessas duas últimas décadas, aprendendo a confiar em nós mesmos. Nossos jovens não acham mais que estamos condenados ao fracasso e querem exercer sua justa vontade sobre o concerto da nação. Temos que acreditar sempre que isso seja possível.

Tomara que 2014 celebre, sem superstições positivas ou negativas, o enterro definitivo do vira-lata. Compreenderemos então que a mágica da realidade começa pelo exercício da vontade.

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Uma correção. Em meu artigo anterior, cometi um injusto equívoco para o qual fui alertado pelo deputado Chico Alencar, a quem respeito e admiro. Não foi apenas Jean Willys o único congressista a se manifestar, logo que o pastor Marco Feliciano foi indicado para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Segundo ele, outros sete parlamentares se manifestaram logo contra a aberração: Luiza Erundina, Érica Kokai, Domingos Dutra, Arnaldo Jordi, Nilmário Miranda, Ivan Valente e o próprio Chico Alencar.

Enquanto isso, o deputado Marco Feliciano continua responsável pela Comissão, mesmo que a cada dia nos surpreenda com novas e mais delirantes profissões de fé, como essa que incentiva o assassinato de nossos mais queridos artistas, em nome de não sei que deus, com o auxilio de anjos que pilotam aviões. Não se trata mais de conflito ideológico, mas de pura insanidade.