segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Sistema eleitoral não é escudo contra crime organizado, Lara Mesquita, FSP

 Não é a primeira vez que utilizo este espaço para abordar o tema da reforma eleitoral.

Retomo o tema porque, antes de qualquer mudança, é preciso que se tenha clareza sobre o problema que se pretende resolver. Sem isso, não podemos avaliar a adequação do remédio proposto. Isso vale também para o debate sobre a mudança do sistema de governo.

Usualmente, essas duas reformas –a adoção de um sistema parlamentarista e/ou de um sistema majoritário puro (também conhecido como distrital) ou combinado com o sistema proporcional (o sistema misto)– são apresentadas como soluções mágicas: resolveriam todos os problemas da política brasileira.

Quatro militares armados em operação urbana com viatura verde estacionada em rua. Dois soldados estão ao lado do veículo, um no teto com metralhadora, e outro próximo à calçada em frente a loja colorida.
Exército mexicano monta guarda em local onde dois membros do Cartel de Sinaloa foram detidos - Jesus Bustamante - 19.fev.2025/Reuters

Agora, a reforma é defendida como instrumento de blindagem da representação política contra o crime organizado. Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, a mudança do sistema eleitoral vai "preservar a política do financiamento criminoso." Ele só não explica como essa blindagem ocorreria.

Antes de defender essa relação de causalidade, deveríamos olhar para o exemplo mexicano.

Além de sofrer com problemas de violência e controle de territórios por grupos vinculados ao tráfico de drogas, o México adota um sistema eleitoral misto desde a década de 1990, o mesmo defendido como solução para o Brasil.

O financiamento ilícito proveniente dos cartéis do tráfico é uma realidade na política mexicana.

Edgardo Buscaglia, professor de Columbia, já alertava há mais de 10 anos que algo entre 55% e 65% das campanhas eleitorais no México estavam infiltradas por organizações de tráfico de drogas, inclusive com repasse de recursos.

Uma rápida visita ao site do Wilson Center permite ao leitor acessar diversos artigos publicados por ocasião das eleições de 2024 no México, que destacam a crescente preocupação com o aumento do financiamento ilícito proveniente de grupos do narcotráfico.

Com tetos de gastos de campanhas considerados insuficientes, candidatos utilizam dinheiro em espécie, disponibilizados por esses grupos e não declarados para a Justiça Eleitoral, para financiar suas campanhas.

Podemos inclusive argumentar em sentido contrário ao defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados: ao desenhar distritos, o sistema pode facilitar a coordenação territorial do crime organizado e incentivar a disputa por controle de áreas, ampliando sua influência sobre resultados eleitorais.

O medo da violência imposta pelo crime organizado seria suficiente para direcionar o voto do eleitor, e, com o distrito definido, não haveria dúvida de qual é o candidato apoiado pelas facções criminosas.

Mais do que isso. Como no sistema distrital misto o eleitor tem direito a dois votos para os cargos legislativos, um para cada regra eleitoral distinta, podemos argumentar que o sistema tem potencial de aumentar a bancada do crime.

Não existe sistema eleitoral capaz de impedir que os recursos do crime organizado interfiram nos resultados eleitorais.

As medidas nesse sentido devem ter outras origens: nas atividades de inteligência, segurança pública, fiscalização do processo eleitoral e presença efetiva do Estado, com oferta de serviços públicos e condições dignas de vida, tornando menos atraente para jovens e populações vulneráveis a associação com o crime.


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