segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Os US$ 5 trilhões da Nvidia esgarçam os limites razoáveis da IA, Paulo Silvestre, OESP

Bolhas nascem quando a sociedade passa a acreditar que algo crescerá para sempre. Os fundamentos somem da conversa e são substituídos pela esperança de que o próximo anúncio renderá bilhões. Quando a realidade decide cobrar a conta, a confiança evapora e leva consigo empresas, empregos e uma montanha de dinheiro.

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A história está cheia de exemplos, como a mania das tulipas do século XVII, a expansão ferroviária do século XIX, as "empresas ponto-com" no ano 2000 e as hipotecas subprime em 2008. Todas seguiram a coreografia de dinheiro abundante, inovação promissora e discursos visionários desconectados de valor concreto.

A diferença agora é que a IA já demonstra impactos reais em grandes empresas, ainda que não em todas. Alguns especialistas afirmam que estamos, na verdade, em um processo acelerado de transformação industrial que precisa de investimentos pesados. Dessa forma, mesmo que muita gente acabe perdendo fortunas em algum momento, a sociedade se beneficiaria dos resultados desses investidores.

 

Guerra de interesses

Os interesses econômicos e políticos envolvidos na IA são incomensuráveis. Jensen Huang, CEO da Nvidia, precisa manter a confiança dos investidores para que continue crescendo. Altman pode admitir a bolha porque a OpenAI sobreviverá ao estouro dela, quando comprará os destroços dos concorrentes falidos. Analistas independentes, por sua vez, não têm nada a perder, e assim podem dizer as verdades inconvenientes.

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O desenvolvimento do Vale do Silício sempre dependeu de apostas arriscadas com capital abundante. Investidores despejam dinheiro em startups obscuras, esperando que uma se torne o próximo Google. Isso leva à inovação acelerada e transformação de setores inteiros, mas também concentra o poder em poucas mãos, cria desperdício de recursos e ciclos de euforia seguidos de destruição. A IA é a "bola da vez", tratada como uma aposta gigantesca em que poucos vencerão e muitos perderão tudo.

Tornar a inteligência artificial o motor do crescimento econômico americano é simultaneamente um benefício e uma armadilha. O primeiro está na possibilidade real de aumentar a produtividade e enfrentar desafios como escassez de mão de obra e envelhecimento populacional. A segunda está na dependência excessiva de uma tecnologia ainda imatura.

Os EUA estão apostando seu futuro em chips e algoritmos. Se a IA decepcionar, o fardo da dívida pública americana se tornará insustentável, e países inteiros serão puxados para o buraco junto com as big techs.

Por isso, é urgente colocar as coisas na balança. Há fundamentos e lucros na IA, mas também há ansiedade exagerada, euforia e risco real. Precisamos saber até que ponto essa valorização extraordinária cria riqueza sustentável, e quando ela passa a sugar recursos que deveriam ser distribuídos na sociedade.

No fim das contas, o que está em jogo não é só o destino das big techs, e sim políticas públicas, soberania econômica e desigualdades digitais e sociais. A IA já é parte indelével da nossa vida. Precisamos desenvolver senso crítico sobre ela, sem tratá-la como salvação mágica ou uma fraude inevitável.

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Cada um de nós precisa entender o que está por trás das promessas reluzentes. É preciso fiscalizar governos, pressionar empresas por transparência, e defender regulações que mantenham a tecnologia a serviço das pessoas, e não do ciclo interminável de valorização. Só assim a IA será, de fato, um avanço que enriqueça a humanidade, e não apenas os acionistas de meia dúzia de empresas trilionárias.

 

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Opinião por Paulo Silvestre

É doutorando em inteligência artificial e mestre em reputação digital pela PUC-SP. Articulista do Estadão, atua como consultor e palestrante de IA, experiência do cliente e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP. Foi executivo do Estadão, Samsung, AOL, Saraiva e Editora Abril, e é LinkedIn Top Voice desde 2016. 

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