Na imperfeita bússola da política mundial, progressista e conservador nem sempre são termos precisos para qualificar a orientação de governos e lideranças.
Mas Justin Trudeau, premiê do Canadá por dez anos que agora anuncia sua saída, era claramente uma referência do que se chama de progressismo, com uma jovial figura a seu serviço —tinha 43 anos ao assumir o posto.
Nomeou o mais diverso gabinete de um país do G7 da história, igualitário em gênero. Questionado certa vez sobre sua motivação, cunhou o mote de seu mandato: "Porque é 2015".
Com isso, assumiu o papel que Barack Obama ocupava no ideário do mundo desenvolvido quando o americano passou o cetro a Donald Trump, em 2017. Acolheu imigrantes quando o republicano falava em construir muros.
Apesar de fracassos práticos, como na prometida integração maior das comunidades indígenas à vida pública, foi a imagem positiva que ficou —talvez com a ajuda da relativamente pouca atenção dedicada ao país no noticiário internacional.
A realidade doméstica era outra. O pêndulo global se movia rumo ao populismo de direita, e a política de atração de trabalhadores estrangeiros logo virou vilã.
Em 2019, Trudeau perdeu a maioria no Parlamento, passando a depender de alianças frágeis para governar. Com a pandemia da Covid-19, as duras restrições adotadas, além da obrigatoriedade da vacina, tornaram-se tema de guerra cultural. Caminhoneiros chegaram a parar o país.
O premiê tentou retomar o controle legislativo adiantando eleições para 2021, sem sucesso. A partir daí, a economia passou a apresentar problemas, como uma inflação persistente.
Mesmo sua imagem pessoal não ficou ilesa. Chamado de "o príncipe", filho do longevo premiê Pierre Trudeau, o político mostrava o privilégio de sua criação. Surgiram viagens de luxo irregulares e vídeos do passado em que logo ele, o herói dos liberais, aparecia caracterizado como negro, o famigerado "blackface".
Mais recentemente, a gota d’água foi a nova vitória eleitoral de Trump. O americano já falou em elevar tarifas de importação contra o vizinho ao norte e retomou ataques farsescos a Trudeau, defendendo a anexação do Canadá.
Integrantes do governo começaram a debandar, e restou a ele jogar a toalha. O primeiro-ministro deve ficar no cargo somente até seu Partido Liberal escolher outro líder, mas há um Everest de 25 pontos de intenção de voto para a eleição de outubro separando a sigla dos conservadores.
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