O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concluiu na última semana uma sequência de viagens ao exterior que, segundo auxiliares, consolidou a estratégia de reinserção internacional do Brasil após os anos de isolamento sob Jair Bolsonaro (PL).
Em pouco menos de um mês, Lula esteve em Joanesburgo para a cúpula que selou a expansão do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); foi a Nova Déli para o encontro de líderes do G20, fórum das maiores economias do mundo que reúne numa mesma mesa nações ricas e emergentes; fez rápida passagem por Havana para o G77 + China (coalizão de países em desenvolvimento) e, por fim, realizou o discurso inaugural da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York.
Embora intensa e desgastante para Lula, 77, a agenda internacional dos últimos 30 dias foi considerada indispensável por representar algumas das principais credenciais que o Brasil almeja projetar na sua política externa: a de um porta-voz do chamado Sul Global que batalha para reformar instituições internacionais de coordenação política e financeira, como a ONU e o FMI (Fundo Monetário Internacional); e, ao mesmo tempo, a de um ator capaz de dialogar com rivais como Estados Unidos e China sem precisar tomar partido de um dos lados.
Nesse sentido, integrantes do governo brasileiro disseram que Lula teve êxito por conseguir se colocar como um interlocutor importante num mundo cada vez mais multipolar.
Eles destacam que, em seus discursos, o petista pôs ênfase em temas que são caros aos líderes do Sul Global, como a necessidade de instituições internacionais mais representativas, a oposição a sanções unilaterais e o pleito para que os países ricos assumam uma parcela maior da responsabilidade na luta contra a crise climática.
"O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo", declarou Lula na ONU. "Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais."
De acordo com aliados, um dos objetivos é fazer do petista um agente incontornável para as nações ricas que querem entender os anseios do Sul Global —expressão que é mais uma forma de se referir aos países em desenvolvimento.
Os dias em Nova York foram especialmente ressaltados por auxiliares de Lula. Não só pelo discurso na Assembleia-Geral da ONU, mas pelo petista ter realizado uma reunião bilateral com o presidente americano, Joe Biden, com direito ao lançamento de uma iniciativa conjunta na área trabalhista, e por finalmente ter encontrado o homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski.
Os dias nos Estados Unidos serviram ainda para o ministro Fernando Haddad (Fazenda) manter encontros com empresários e investidores. Segundo relatos, ele ouviu pedidos para que Brasil apresente um plano estruturado de longo prazo para investimentos.
Já a reunião de Lula com Zelenski era esperada com ansiedade para diminuir o mal-estar com o desencontro dos dois na cúpula do G7 em Hiroshima (Japão) e para rebater as críticas de que o brasileiro estaria adotando uma postura mais simpática à Rússia na guerra no Leste da Europa.
As declarações de Lula sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia foram no início do governo o principal ponto de atrito entre o Brasil e o Ocidente. O petista chegou a afirmar, em abril, que os americanos incentivavam a guerra. Isso fez com que autoridades em Washington respondessem que o presidente brasileiro estava papagueando propaganda russa.
Embora ainda seja ponto de dissenso com americanos e europeus, assessores de Lula veem sinais positivos de que a guerra talvez não bloqueie toda e qualquer coordenação internacional nos fóruns em que EUA, Rússia e China mantêm assentos.
O principal sinal nesse sentido é o desenlace da cúpula do G20 na Índia, quando o G7 (grupo liderado pelos EUA) não conseguiu colocar na declaração final uma condenação à Rússia pela invasão da Ucrânia.
Esse tipo de sinalização é fundamental para o Brasil, que assumiu a presidência rotativa do G20 e não quer ver sua agenda de combate às desigualdades e de luta contra a crise climática ser engolida pela briga diplomática entre Ocidente e Rússia em torno da guerra.
Aliados de Lula dizem que a presidência brasileira do G20 não é o único acontecimento que deve fortalecer o papel do Brasil com elo entre as nações ricas e o Sul Global nos próximos anos.
O país deve ainda sediar em 2025 a reunião dos Brics (já ampliado com a entrada de Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Etiópia) e, no mesmo ano, a COP 30 (reunião global do clima da ONU) em Belém.
O intenso giro internacional, porém, não ocorreu sem críticas tanto no flanco externo como interno.
No Brics, analistas apontaram que o Brasil acabou cedendo a um projeto de expansão que atende principalmente aos interesses da China. Também foi ressaltado que a admissão do Irã dá ao grupo um caráter antiocidental que pode prejudicar a independência em temas geopolíticos defendida pelo Itamaraty.
Já em Havana, a Folha revelou que autoridades do regime cubano tinham comunicado havia pouco o governo Lula de que a ilha não tinha no momento como retomar os pagamentos da dívida com o Brasil. Os cubanos pediram ainda "flexibilidade" para renegociar a dívida.
Na política doméstica, Lula sofreu críticas por não ter viajado ao Rio Grande do Sul após as chuvas e enchentes que deixaram dezenas de mortos no estado.
Quando a comitiva oficial desembarcou em Nova Déli para o G20, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, publicou um vídeo celebrando a chegada à Índia. Foi acusada nas redes de não mostrar empatia com a tragédia no Rio Grande do Sul e o vídeo foi apagado.
De volta ao Brasil, Lula vai passar por uma cirurgia no quadril no final de setembro e, por isso, deve ficar ao menos um mês sem viajar.
O mandatário relata dores no quadril há meses. Em julho, confirmou a necessidade da intervenção cirúrgica. Mas adiou a operação para o final de setembro devido à importância das agendas internacionais já estabelecidas.
Ainda assim, até o fim do ano ele deve ir para a COP 28 em Dubai, evento considerado chave para as ambições do Brasil de ser líder mundial na agenda climática.
De acordo com auxiliares, no próximo ano Lula quer priorizar destinos nacionais. Trata-se de ano de eleições municipais, que são importantes para o pleito presidencial que ocorre dois anos depois. O próprio Lula tem demonstrado a aliados querer apresentar seus programas e suas entregas nos estados a partir de agora.
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