O título é o contraponto brasileiro ao lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil fizemos quase tudo ao contrário. No mesmo período vivemos mais na exceção do que em liberdade; construímos uma das nações mais desiguais do mundo; e desprezamos, sim, a maioria da população, relegando-a à exclusão e à pobreza.
Nas poucas vezes em que alcançamos algum oásis democrático, surgiram desertos de autoritarismos, provocados por golpes armados ou plantados com verniz de legalidade, a iludir boa parte da sociedade. Somos, assim, não com orgulho, a antítese do lema da Revolução Francesa.
Um dos resultados concretos desses longos períodos sob regimes autoritários é a enorme desigualdade e exclusão social dado à liberdade, para não dizer a desfaçatez, com que operam boa parte dos políticos na defesa de interesses privados, desdenhando o interesse público. E o pior é que, mesmo sob a democracia, os poderosos grupos econômicos acharam uma maneira de fazer os seus interesses prevalecerem. O aglomerado do centrão no Congresso Nacional é prova inequívoca: atuam pelos interesses privados e de quem os financiou. A relação promíscua entre o poder econômico e o poder político é a causa de nosso insucesso como nação.
Mas, como a sociedade civil é propositiva e não se conforma, dezenas de entidades reuniram-se recentemente para lançar o Pacto Nacional de Combate às Desigualdades, com a criação de uma Frente Parlamentar, de um Observatório das Desigualdades e com a proposta de fazer de agosto o mês do olhar cuidadoso e do monitoramento da desigualdade no país.
Durante o lançamento do pacto, o Instituto Cidades Sustentáveis apresentou uma pesquisa realizada pelo Ipec que traz a percepção da população sobre a desigualdade no país. O levantamento mostrou que 31% dos brasileiros e brasileiras precisaram fazer alguma atividade extra (bico) para complementar sua renda no último ano, o que equivale a 52 milhões de pessoas; a maioria da população (57%) segue com a sensação de que houve aumento do número de pessoas em situação de fome e pobreza na cidade onde mora; 68% consideram que existe diferença no tratamento entre pessoas negras e brancas em diferentes ambientes (shoppings e escolas são os locais mais citados); e 40% das mulheres dizem que já sofreram assédio (espaços públicos e transporte público são os mais citados).
Em outro momento do evento de lançamento do pacto, instituições foram provocadas a responder como, na prática, poderiam atuar para contribuir no combate às desigualdades em seus segmentos.
As oito centrais sindicais, unidas, apresentaram suas 10 propostas para combater as desigualdades sob a ótica do trabalho, tais como: manter a Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo, visando elevar o salário base (piso nacional) da economia, e incluir cláusulas com regras e políticas que assegurem o princípio de "trabalho igual, salário igual" para mulheres, população negra e pessoas com deficiência.
O Instituto Ethos trouxe 10 propostas para as empresas combaterem as desigualdades, como: promover o trabalho decente e gerar oportunidades e renda justa; promover a diversidade, equidade e inclusão; e promover a justiça climática. E o Instituto Cidades Sustentáveis apresentou como as cidades podem enfrentar as desigualdades, entre elas:
- Elaborar o Mapa das Desigualdades: um diagnóstico das desigualdades no território;
- Criar índices de direcionamento dos investimentos municipais às áreas prioritárias da cidade, a partir de critérios de vulnerabilidade socioeconômica e territorial;
- Criar instâncias de participação social com capacidade para a realização de monitoramento de metas e indicadores de redução de desigualdades;
- Reconhecer iniciativas do poder público, da sociedade civil e das empresas no sentido de reduzir as desigualdades;
- Aprovar legislação que estabeleça a avaliação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal, do impacto dos projetos de lei sobre a redução de desigualdades, tornando-a obrigatória para toda proposição legislativa, de acordo com o artigo 3 da Constituição;
Diferentemente do que muitos apregoam, o Brasil tem suas eficiências. No caso da promoção das desigualdades, é referência no mundo. A desigualdade é resultado de políticas públicas que beneficiam poucos e excluem muitos —e nisso somos imbatíveis. Em algumas décadas, tornamo-nos este exemplo às avessas.
O enfrentamento das desigualdades no Brasil passa pelo envolvimento de vários segmentos. O da gestão pública pode dar escala e velocidade no enfrentamento do tema, nosso maior desafio. O presidente da República tem levado o assunto para vários fóruns internacionais, provocando o debate, o que é positivo. Internamente poderia ser o convocador de um Pacto Político com Governadores e Prefeitos, para criar objetivos que tirem o Brasil do vergonhoso oitavo lugar que ocupa entre os mais desiguais países do mundo.
Seria a sua maior obra.
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