domingo, 10 de setembro de 2023

Ciclone não é desculpa para provocar vítimas no RS e em SC, FSP

 Esta coluna apresenta um pedido de desculpas para o povo do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Açoitados pelo terceiro ou quarto ciclone extratropical do ano, gaúchos e catarinenses não mereciam a provocação do texto "Mudança climática castiga eleitores de Bolsonaro no Sul", publicado em 15 de julho no sítio da Folha.

Contam-se mais de 60 mortos nesses eventos climáticos extremos, e milhares de desabrigados. Parte o coração ver a gente pobre na tela de TV, de novo, chorando por suas casas de madeira derrubadas, levados na enxurrada todos os bens obtidos numa vida de trabalho duro.

Se servir de atenuante, não era esse o título da edição impressa dois dias depois, "Tarde demais". O cerne da coluna não estava em atacar eleitores sulistas do mais facinoroso presidente do Brasil, mas na impaciência de quem espera ver brasileiros, de qualquer naipe ideológico, despertarem para a maior ameaça à humanidade.

Vista aérea de área destruída por chuvas em Roca Sales, no Rio Grande do Sul
Vista aérea de área destruída por chuvas em Roca Sales, no Rio Grande do Sul - Diego Vara/Reuters

Sim, o aquecimento global e a consequente mudança devastadora do clima, que já presenciamos. Após 35 anos escrevendo sobre o assunto, apenas para vê-lo ainda negligenciado e negado, só resta esperar que as tragédias sucessivas acordem aqueles que não querem acreditar —ainda que seja tarde demais.

No entanto, estava lá o parágrafo desnecessário: "Por infeliz coincidência, a tardia derrubada do terraplanista climático [um obscuro secretário da prefeitura paulistana] se deu em paralelo com o ciclone que deixou sem luz mais de 1 milhão de moradores da região Sul. Sim, aquela parte do Brasil que votou em peso em Jair Bolsonaro, outro terraplanista climático, mas é melhor deixar isso de lado".

Se era melhor deixar de lado, de lado deveria ter ficado. Não só não ficou como foi parar no título, um deslize canhestro para chamar a atenção. E chamou, decerto contribuindo para que ofendidos sequer lessem o texto, bem o oposto do que busca um jornalista competente.

Eis aqui o pedido para que os leitores relevem, se puderem, aquele momento de exasperação. A mesma exasperação do colega André Trigueiro, porém com mais elegância, em entrevista com o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), que se abespinhou quando confrontado com a inação do poder público diante do óbvio.

Vários ciclones com vítimas na mesma temporada, fenômenos previsíveis e previstos nos modelos climáticos em sua gravidade e frequência aumentadas (ainda que não com resolução geográfica e temporal preditiva), não podem mais ser tratados como fatalidades diante das quais nada se pode fazer.

São Pedro não tem responsabilidade sobre isso. Eduardo Leite tem.

Não no sentido de culpa, por certo, mas de responsabilidade como líder e administrador. Sua obrigação —e de todos os governadores, prefeitos, premiês e presidentes do planeta— é adaptar as cidades e preparar a população para enfrentarem secas, ondas de calor, enchentes, ciclones, incêndios florestais, marés desastrosas e perdas de safras.

Todos esses desastres estão aí, para quem quiser ver. Não são previsões para um futuro distante, é aqui e agora, e por culpa desta geração.

Só não nos precavemos para eles porque delinquentes como Bolsonaro, Trump e caterva negam o conhecimento científico sem pejo quando lhes convém. Fazem isso tendo por coadjuvantes líderes desenvolvimentista tipo anos 1950, como os petroleiros Lula e Dilma, procrastinadores da descarbonização posta como objetivo internacional ainda em 1992, na Cúpula do Rio.

Um texto de jornal pode ofender muita gente; quando isso acontece, há que pedir desculpas. As canetadas e omissões de líderes que estão no poder e não fazem o necessário para proteger a população que os elegeu, essas sim são indesculpáveis.


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