domingo, 10 de setembro de 2023

Morre Domenico De Masi, sociólogo que pensou o 'ócio criativo', aos 85 anos, FSP

 

SÃO PAULO

Autor do conceito de "ócio criativo", com um livro de mesmo nome que foi um best-seller, o sociólogo italiano Domenico De Masi morreu aos 85 anos, em Roma, de acordo com a imprensa da Itália. Ele tinha uma doença em estágio terminal, mas a causa da morte não foi informada. Ele deixa sua mulher, Susi Del Santo.

O sociólogo italiano Domenico De Masi - Adriano Vizoni/Folhapress

De Masi escreveu em sua teoria que o tempo livre não é algo negativo, mas imprescindível para estimular a criatividade individual e aprimorar a adaptação na sociedade globalizada e pós-industrial, marcada pelo rápido crescimento tecnológico e do setor de serviços.

A prática do "ócio criativo", dizia ele, seria possível de alcançar por meio da união de outros três conceitos —o trabalho, caracterizado pelo cumprimento de tarefas necessárias; o estudo, através das ferramentas proporcionadas pela digitalização; e o "jogo", isto é, o lazer necessário para evitar a mecanização do trabalho.

"É pelo trabalho que produzimos riqueza, pelo estudo que produzimos conhecimento e pela diversão que produzimos alegria. Ócio criativo é a união desses três fatores", escreveu De Masi.

O sociólogo nasceu em Rotello, uma pequena cidade da região de Molise, no sul da Itália. Começou a escrever aos 19 anos sobre sociologia do trabalho e estudou em Paris às vésperas do Maio de 1968, um movimento político na França marcado por greves e ocupações estudantis que impulsionou a politização da juventude.

Mais tarde, De Masi lecionou na renomada Universidade de Roma La Sapienza. Na Itália, o sociólogo influenciou a criação da renda básica de cidadania, em 2019, beneficio destinado a famílias de baixa renda que inspirou ações do partido Movimento 5 Estrelas.

Nas redes sociais, Giuseppe Conte, ex-premiê da Itália e atual presidente da sigla, lamentou a morte do sociólogo. "Não é possível resumir em poucas linhas a profunda humanidade, o refinamento intelectual, a energia vital, a coragem e o amor pelo conhecimento de Domenico De Masi", disse.

Descrito como "sociólogo dos trabalhadores" pela imprensa italiana, De Masi não se esquivava de debates políticos. Em 2019, quando seu país via a escalada do populismo pela figura do político de extrema-direita Matteo Salvini, o sociólogo escreveu que "o populismo nada mais é do que uma explicação primitiva da sociedade e da política em termos rudes, emocionais, míticos, infantis, desleixados e que leva as pessoas de volta a uma fase anterior ao Iluminismo."

De Masi defendia que a Itália deveria voltar a investir na formação gratuita de jovens através da eliminação das taxas universitárias, com o objetivo de diminuir os índices de criminalidade das regiões menos abastadas do país e promover o aumento do número de eleitores.

"[Na Itália], ainda cometemos um erro: o diploma não serve para encontrar trabalho. Pode até ajudar, mas serve especialmente para formar cidadãos e permitir que ele entenda o telejornal. Antes um desempregado com diploma do que um desempregado sem diploma", afirmou em entrevista ao jornal Il Manifesto, em 2016. "Precisamos investir em inovação e pesquisa. Ou a Itália muda, ou estamos condenados ao terceiro mundo."

O sociólogo era amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chegou a visitá-lo na cadeia, em Curitiba. Quando o presidente brasileiro foi libertado, De Masi disse que sua fama no exterior continuava intacta e que Lula ainda era uma das maiores lideranças mundiais.

Nas redes sociais, Lula lamentou a morte. Ele relembra que visitou o amigo durante uma viagem à Itália há cerca de três meses. "Ele estava, como sempre, animado, com análises inteligentes e cheio de ideias e planos. Sempre foi um defensor das causas sociais, do avanço das conquistas humanas e de um mundo mais justo e solidário. Também foi muito atento e carinhoso com o Brasil, visitando o país sem nenhum medo de se posicionar, mesmo nos momentos mais difíceis."

Sua admiração pelo Brasil rendeu o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro, em 2010, e o sociólogo chegou a frequentar o escritório do arquiteto Oscar Niemeyer, quem admira.

Em seu livro "O Futuro Chegou", de 2014, De Masi se dedicou a analisar o modelo de sociedade do Brasil. Segundo ele, após ser obrigado a copiar os sistemas Europeu e dos Estados Unidos durante séculos, o país tinha a chance de desenvolver seu próprio modelo de sociedade diante da crise na América do Norte e no velho continente.

À Folha, o sociólogo italiano chegou a dizer que o Brasil tem um pé atrás com a idealização da eficiência e da produtividade propagadas pelos países ricos, o que ele considerava algo positivo. Tal resistência brasileira se deveria à influência indígena, que ele elogiava.

"Os americanos espalharam pelo mundo a cultura do 'manager'. A Itália se americanizou, por exemplo. Até na cultura. Hoje só há rock e cinema americano lá. Vocês têm a bossa nova, têm novela", disse ele.

Para De Masi, em suma, pensar é muito mais importante do que trabalhar. Em seu mundo ideal, tudo que não envolva criatividade será feito por máquinas, o que poderia libertar o homem.

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