domingo, 24 de setembro de 2023

Tabu tem remédio, editorial FSP

Pesquisa Datafolha realizada neste mês confirma com números novos algo mais que conhecido: a opinião pública brasileira exibe ampla recusa ao uso de drogas. Insinuam-se rachaduras nesse muro, contudo, graças aos avanços da ciência.

Monta a 72% o contingente de entrevistados que se diz contrário a legalizar a maconha para uso recreativo ou, melhor dizendo, adulto. Nos cerca de 30 países que progrediram nessa direção, não se admite o consumo por menores de idade —como de resto é a norma com drogas legais tão maléficas quanto álcool e tabaco.

Nem mesmo a descriminalização do porte de pequenas quantidades para uso pessoal, ora em deliberação pelo Supremo Tribunal Federal, conta com apoio majoritário. Somente 36% a apoiam, contra recusa de 61%.

O panorama refratário —de resto compreensível, dada a associação dos entorpecentes com a criminalidade e riscos à saúde— se altera a fundo quando entra em pauta o emprego terapêutico de derivados da maconha.

Mais de três quartos (76%) defendem legalizar seu consumo como remédio; 60% aceitariam usá-los se receitados por médicos.

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Mais dividido se mostra o público diante de substâncias psicodélicas, como MDMA (ecstasy) e psilocibina de cogumelos mal denominados "mágicos". Testes clínicos vêm indicando seu potencial para tratar transtornos como estresse pós-traumático e depressão, mas só 43% se dizem a favor do uso medicinal (e 46%, contra).

A legalização para uso adulto enfrenta alta rejeição (80%). Nem mesmo a utilização para fins religiosos conta com apoio (25%, ante 62% de opositores), embora o chá psicodélico ayahuasca esteja autorizado no país para tal finalidade.

Esta Folha defende que o Estado não deveria penalizar o consumo pessoal de compostos psicoativos a pretexto de proteger saúde e segurança dos cidadãos. Após décadas de guerra às drogas, não diminuíram nem a demanda nem as mortes —só se encheram prisões com população negra e pobre.

Nos EUA, 23 dos 50 estados legalizaram o uso adulto da maconha, e 38, o consumo medicinal. Essa tem sido a tendência: a flexibilização da legislação começa pelo direito à saúde e acaba no reconhecimento da liberdade individual.

Não sem resistências. Aqui o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), patrocina emenda constitucional reacionária para criminalizar a posse de quaisquer drogas em qualquer quantidade.

Corre-se o risco de que o debate sobre o tema seja contaminado por desinformação. Contra isso, há pelo menos o apoio racional da população a evidências oriundas da melhor ciência médica.

editoriais@grupofolha.com.br

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