O deputado federal Tião Medeiros (PP-PR) protocolou na Câmara um projeto para proibir qualquer tipo de ação que envolva pesquisa, produção e comercialização de carne cultivada no Brasil. De acordo com o parlamentar, a medida é necessária para "proteger a indústria pecuária nacional".
Considerado o "alimento do futuro", a proteína cultivada é desenvolvida por 156 empresas no mundo, e recebeu, até o ano passado, investimento total de US$ 2,8 bilhões —valor que deve ultrapassar os US$ 20 bilhões em 2030, de acordo com o The Good Food Institute (GFI).
Nesta técnica, atualmente em desenvolvimento pelas grandes companhias do setor e pela Embrapa, a carne é obtida por multiplicação celular, em laboratório, e não envolve animais abatidos.
A JBS, por exemplo, uma das lideranças do agronegócio mundial, já investiu mais de US$ 100 milhões no desenvolvimento de proteína cultivada no Brasil e na Espanha. Nesta semana, a companhia anunciou a criação de um centro de pesquisa direcionado em Florianópolis (SC) e vai investir US$ 22 milhões na unidade até o ano que vem.
Recentemente, a Upside Foods e a Good Meat receberam aprovação do órgão de regulação sanitária dos Estados Unidos, o FDA, e do Departamento de Agricultura para avançarem com a comercialização de proteína cultivada.
Para o deputado Tião Medeiros, no entanto, países com grandes rebanhos de gado, como o Brasil, estão ameaçados pelo desenvolvimento da carne cultivada em laboratório.
Medeiros afirma que a pecuária, considerada por ele como um dos pilares econômicos do país, será desestabilizada pela nova indústria. Empregos, exportações e a arrecadação com tributos cairão, de acordo com o parlamentar.
Entram na conta do deputado as empresas familiares, que supostamente serão quebradas, e até o churrasco brasileiro, símbolo da "cultura e da identidade nacional".
Empresas que violarem a lei proposta por Medeiros, pagarão multas de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões, além de terem destruídos todos os produtos, maquinários, amostras e materiais genéticos de pesquisa.
CENSURA À CIÊNCIA
O Good Food Institute, entidade que promove alternativas a proteínas animais, afirma que a proposta do deputado é uma tentativa de "frear a inovação através de argumentos infundados e que contrariam a própria ciência".
A proteína cultivada, diz o GFI, é uma diversificação do agronegócio e não sua substituição.
"As proteínas alternativas (plant-based, cultivadas e obtidas por fermentação) poderão representar entre 11% a 22% do mercado global de carnes até 2035. Proibir que as empresas desenvolvam pesquisas em solo nacional não impedirá que as mesmas o façam em outro país, apenas inviabilizará o desenvolvimento da cadeia de produção da carne cultivada, a geração de novos empregos no Brasil e o direito dos consumidores terem mais opções no prato", disse o GFI em nota.
A Embrapa, companhia pública vinculada ao Ministério da Agricultura, lidera estudos públicos para o desenvolvimento de carne de frango cultivada em laboratório. De acordo com o órgão, é somente através de pesquisa e inovação que a sociedade poderá mitigar os problemas da fome e da demanda crescente por alimento nos próximos anos.
Pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, Ana Paula Bastos afirma que proposta em tramitação na Câmara é uma tentativa de "censurar a ciência brasileira" e bloquear a inovação com argumentos que contrariam a ciência e instituições importantes como o departamento para Alimentação e Agricultura da ONU.
"É, portanto, de grande importância prosseguir a investigação e desenvolvimento de métodos alternativos para a produção destes produtos. As maiores esperanças de uma alternativa à agricultura industrial e seus problemas associados residem na carne cultivada", disse a pesquisadora.
Com Diego Felix
Nenhum comentário:
Postar um comentário