domingo, 10 de setembro de 2023

Ruy Castro - A volta do disco impossível, FSP

 Em 1901, Alberto Santos-Dumont contornou a torre Eiffel num dirigível com motor a gasolina, decolando e pousando no mesmo lugar, à vista de atônitos especialistas, jornalistas e do povo de Paris. Nunca tinha sido feito. Dois anos depois, no dia 7 de setembro de 1903, Santos-Dumont desembarcou do navio no porto no Rio e, embora ainda estivesse a três anos de voar no 14-Bis, já tinha aura de herói. Uma multidão foi recebê-lo. Alpinistas estenderam uma faixa no Pão de Açúcar para saudá-lo. E o querido palhaço e compositor Eduardo das Neves homenageou-o com a marcha "Santos Dumont".

Um disco de música, preto, com um selo cor de laranja no centro
Disco original, em 78 rpm, da marcha "Santos Dumont", de Eduardo das Neves, gravado em 1902 para a Casa Edison - Cristiano Grimaldi

Em 1903, aurora da música gravada, pouquíssimas pessoas tinham vitrola. A aceitação popular de uma música dependia das partituras para piano, com suas tiragens de milhares. Mesmo assim, o disco "Santos Dumont", gravado em 78 rpm pela Casa Edison, do Rio, e fabricado na Alemanha para o selo Zon-O-Phone, em 1902, cantado pelo famoso Bahiano, foi um sucesso. Devem ter sido prensadas 250 cópias, que eram a média na época. E que fim levaram esses discos? Foram escutados, amados e desapareceram.

Qualquer disco de 78 rpm, não importa de quando, tem baixa expectativa de vida. Está sujeito a arranhões, mofo, desgaste por agulhas rombudas, empenar, trincar e, claro, quebrar. Seu habitat, se sobrevivente, é o abandono em velhos armários, entre fungos, baratas e ratos. O último 78 produzido no Brasil foi em 1964. Imagine um disco de 1903.

Uma versão digitalizada de "Santos Dumont", de origem desconhecida, chegou um dia ao pesquisador cearense Nirez e está hoje nos arquivos do IMS. Mas nem Nirez nem seus colegas nunca viram o disco em si, o impossível objeto de 120 anos. Pois acaba de aparecer um exemplar num leilão aqui no Rio, saído de uma coleção que passou 50 anos fechada. Foi arrematado pelo colecionador Cristiano Grimaldi por R$ 535,50.

Equivale a comprar um chapéu do aviador por esse preço.

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