domingo, 10 de setembro de 2023

Samuel Pessôa Lula tem sorte?, FSP

 Há dois motivos para pensar que Lula tem sorte. O primeiro é que ele sempre está pronto para representar a esquerda e ganhar a Presidência quando o momento chega. O segundo é que, quando o momento chega, parece que a economia está melhor do que se imaginava.

Com relação ao primeiro ponto, não parece haver sorte. Lula, por méritos próprios, é a maior liderança popular da história e, portanto, da esquerda. Quando o pêndulo vira para a esquerda e enquanto ele estiver com saúde, será para ele que a população olhará.

Imagem mostra Lula com a mão no queixo.
O presidente Lula em cerimônia no Palácio do Planalto - Adriano Machado - 30.ago.23/Reuters

E a economia? Ela está melhor? Se estiver, e essa é uma possibilidade sugerida pelas mais recentes divulgações das contas nacionais e da inflação em 2023, será que poderemos atribuir à sorte? Ou será normal que, para a economia brasileira, a transição para um governo de esquerda seja com a macroeconomia em ordem?

Os cientistas políticos Daniela Campello e Cesar Zucco, da FGV do Rio, no artigo "Sucesso do presidente e a economia mundial", publicado em 2015 no Journal of Politics, uma das melhores revistas de ciência política, documentam que, para as economias da América do Sul, muito dependentes de exportação de matérias-primas e que apresentam baixos níveis de poupança, a popularidade do governo é muito condicionada pelas condições internacionais.

A partir da taxa de juros americana e de um índice de matérias-primas, construíram uma série histórica do que chamam de "índice de bonança". Eles mostram que, para os países da América do Sul, o índice é um bom preditor sobre a possibilidade de manutenção de um grupo político na Presidência ou a troca de poder.

Adicionalmente, construíram uma série história mensal longa para a popularidade dos presidentes brasileiros e mexicanos e documentam que, para o Brasil —bem mais dependente do que o México da exportação de commodities e das condições do mercado internacional de capitais—, a evolução do indicador de bonança prevê muito bem a evolução da popularidade do presidente. O mesmo não ocorre para o México. Lá, a evolução de quatro indicadores domésticos —crescimento da economia, da renda pessoal, da inflação e do desemprego— prevê muito melhor o desempenho da popularidade do presidente. Para o Brasil, o indicador de bonança econômica empata com a capacidade de essas quatro variáveis preverem o comportamento da popularidade do presidente.

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A conclusão dos autores é que o resultado eleitoral na América do Sul depende muito das condições externas. Poderíamos afirmar que a eleição presidencial no continente sul-americano tem um componente de sorte maior que em outras paragens. Mas e a economia, por que Lula assume com ela melhor?

Se o trabalho de Campello e Zucco sugere que o ciclo da economia internacional —tanto do dólar quanto das commodities— condiciona o ciclo político por aqui, há um outro ciclo condicionado pelas condições internacionais.

Aprendi com meu pai que, para quebrar, uma empresa precisa ser mal administrada e simultaneamente enfrentar uma situação desfavorável de seu negócio. Ambas as situações são necessárias. Os países quebram, ou seja, passam por grandes momentos de desorganização macroeconômica, quando a gestão é ruim e as condições internacionais viram.

O que ocorre é que a virada das condições internacionais e que expõe anos de má gestão também inicia um longo processo de arrumação macroeconômica. O ciclo internacional condiciona um ciclo doméstico de arrumação e desarrumação macroeconômica. Foi assim em 2003 e parece ser o caso em 2023. Em ambos os momentos Lula assumiu o cargo após seguidos anos —o ciclo atual de arrumação iniciou-se em 2015— de arrumação macroeconômica.

Não há sorte. Há o ciclo internacional interagindo com o ciclo doméstico de política econômica.


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