segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Mea-culpa Becky S. Korich, advogada e dramaturga, na Folha

 Mea-culpa

Becky S. Korich, advogada e dramaturga, na Folha

Voltando a outubro de 2018: 55% dos votos; quantos idiotas, incluindo eu

Foi um ato de puro impulso. Um ato insano. Faço aqui a minha confissão e a torno pública: tenho a minha parcela de culpa!

Aconteceu em outubro de 2018. Vai ver que mudando, as coisas melhoram, pensei. Constrangimento.

Vontade de mudar de assunto.

Todavia, me apoio na minha dignidade para ter a coragem de prosseguir com a assunção do meu erro, talvez assim eu durma melhor esta noite.

Cena do crime. Olhei para os dois lados, dei um dane-se e apertei. Primeiro o 1, depois o 7, formando o terrível 17.

Em seguida, o tiro derradeiro: a tecla verde de confirma. Pronto, estava consumado o ato político mais estúpido que eu poderia ter cometido na vida.

Saí da sala de votação a passos rápidos, olhando para baixo para não esbarrar com nenhum conhecido. Nem desconhecido eu tinha coragem de encarar.

Cheguei em casa e instintivamente fui para o banho. Meu marido me perguntou: “E aí?”.

Repeti a escusa que tinha dito a mim, vai ver que mudando as coisas melhoram, e acrescentei: “Aparentemente ele tem uma boa equipe de ministros”.

Enquanto formalizo a presente confissão, meus batimentos cardíacos se apressam. É vergonha com raiva, com arrependimento, com sentimento de culpa. Raiva de mim, muita raiva dele.

Voltando a outubro de 2018: 55% dos votos. Quantos idiotas, incluindo eu. Não fiquei feliz, a verdade é que eu estava torcendo para ninguém vencer o pleito. Mas ele ganhando, quem perdeu foram os 100%.

Raiva dele, muita raiva de mim. Respiro fundo para conseguir continuar.

Peço-lhes apenas que não me julguem. Leio jornais, sou mulher direita, mãe de família e não estava sob efeito de drogas no fatídico outubro de 2018. E é justamente isso que agrava a minha culpa.

Eu não podia adivinhar, sussurro para mim mesma, na tentativa de me absolver e ficar livre, também, dessa dolorosa confissão. Mas logo volto a me acusar.

Não tenho como negar: suas manifestações, em 2018, já revelavam uma mente pequena.

Ocorre-me agora: quem sabe foi por causa da facada? Mulheres são seres instintivamente protetores. Mas não, nem cheguei a sentir pena.

Até porque ele se mostrava forte e invencível quando sorria da cama do hospital, coisa que hoje entendo melhor: para ele machos não adoecem e não se abatem, isso é coisa de maricas. Raiva. Nojo.

Ao meu pecado, o merecido castigo: dor na consciência, que cresce exponencialmente. E agora, com a quebra do silêncio, o vexame nacional.

Mais palpitação. Enjoo. Enjoo de ato estragado é pior do que enjoo de comer coisa estragada, pois esta o corpo expele; o outro, o corpo retém.

Pesa ainda contra mim que o contemplado tinha uma qualidade. Sim, ele nunca mentiu sobre suas intenções autoritárias.

Nunca escondeu sua personalidade controversa e seu temperamento colérico. Ingênua, portanto, eu não fui. Não posso, pois, usar em meu favor, desconhecimento como fator atenuante.

Errei, e faço o mea-culpa. E vou até o fim nessa confissão, assim como os torturados resistem quando optam pela verdade.

Confesso ainda que conheço pessoas que votaram igual, mas mesmo que esteja aqui sob tortura voluntária, me recuso a mencionar nomes.

Sou hoje coautora de crimes dolosos, por ter sido autora de um crime culposo em 2018. Carrego essa mácula.

Perdoem-me, porque eu ainda não consegui me perdoar.

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